Opinião

Sinais preocupantes... já se vê... (II)

Qual o significado e quais as prováveis consequências para o mundo da actual guerra na Ucrânia, instigada pelo complexo EUA/OTAN e desencadeada pela Rússia?

22/03/2023  Última atualização 06H10

Começo por concordar com aqueles para quem a estratégia dos Estados Unidos de montarem na Ucrânia uma armadilha na qual a Rússia caiu que nem um urso constitui uma espécie de fuga para a frente, diante da possibilidade de o fim da ordem bipolar resultante do desfecho da guerra fria, com a derrota e o desmantelamento da antiga URSS, ser substituída não por uma ordem unipolar liderada pelo Império americano, como parecia previsível, mas por uma ordem multipolar, em que, como escreveu no último dia 16 de Março Jorge de Almeida Fernandes, na newsletter "O Estado das Coisas”, do jornal PÚBLICO, "as pequenas e médias potências já não seguem necessariamente as políticas das potências tutoras”.

Fernandes cita Sofia Lorena, que, numa análise feita naquele jornal, afirmou que "o período em que a América era uma superpotência global incontestada está a terminar”, vivendo-se presentemente, por isso, um "sentimento de declínio da potência americana e sinal de mudança na ordem mundial”.

A China perfila-se, desde o início do novo milénio, como uma potência fulcral, se não mesmo dominante, nessa provável nova ordem multipolar (veja-se o seu papel nos Brics, a iniciativa da nova rota da seda e o recente acordo Arábia Saudita-Irão, promovido por Pequim). Por enquanto, as ambições chinesas parecem confinar-se ao domínio comercial e económico em geral, não se vislumbrando nenhuma estratégia de expansão militar ou propósito de exportar o seu modelo político para outros países, ao contrário dos EUA e demais potências ocidentais, mas o tempo dirá que tipo de império quer a China voltar a ser.

Sejam quais forem, entretanto, as específicas ambições do gigante asiático, as mesmas explicam (não justificam) a decisão dos EUA de o definirem como o seu principal "inimigo estratégico”. A criação da guerra na Ucrânia faz parte dessa fuga para a frente da ainda principal potência mundial, pois trata-se de enfraquecer ou destruir a Rússia, para que, em última instância, a China não possa contar com o apoio do poderio militar de Moscovo. Os jogos perigosos em que países como o Reino Unido, Austrália e Japão, aliados estratégicos de Washington, parecem dispostos a participar no Pacífico fazem parte dessa estratégia. Sem esquecer, claro, a decisão da OTAN, cuja sigla portuguesa significa Organização do Tratado do Atlântico Norte, de estender a sua acção para o ... Pacífico.

Diante deste quadro, um facto é particularmente preocupante: a desistência da União Europeia de ser um poder global autónomo, para limitar-se a ser uma força auxiliar dos EUA. Isso está patente, desde logo, no conflito da Ucrânia. A UE poderia ter impedido a guerra no referido país, mas não o fez, o que, além das desgraças e tragédias provocadas por todas as guerras, tem as seguintes consequências: em vez de atrair a Rússia, país basicamente europeu e cristão, para a Europa, empurra-a para os braços da China; contribui para a estratégia dos ultra-conservadores americanos, como Donald Rumsfeld, no sentido de reforçar a Nova Europa (os países autoritários do leste europeu), em detrimento da Velha Europa (as tradicionais democracias europeias); põe em questão as relações comerciais com a China, com consequências negativas para as economias europeias; e, por fim, minimiza cada vez mais a influência da Europa nos países do Sul, em detrimento da China e outras potências médias.

Não sou que o digo, mas, sim, o escritor e jornalista português Miguel Sousa Tavares (EXPRESSO, 17 de março de 2023): - "A pior geração de políticos europeus dos últimos 100 anos não consegue ver o que está diante dos seus olhos e, enquanto se compraz em declarações grandiloquentes, assiste à destruição sistemática da Ucrânia e arrasta-nos a todos para o abismo”.

Não poderia terminar sem uma nota sobre as implicações no continente africano da guerra em curso na Ucrânia. A posição maioritária, em África, relativamente a esse assunto tem sido de abstenção, mas o continente tem sido alvo de uma série de pressões, provenientes de todo o lado, para tomar partido. Como cidadão e intelectual africano, espero que os nossos países tomem o único partido possível neste caso, ou seja, o caminho da paz. Quer o complexo EUA/OTAN quer a Rússia precisam de parar esta guerra, sentar-se à mesa das negociações e encontrar uma solução que satisfaça todas as partes e o mundo em geral.     

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