Em entrevista ao Jornal de Angola,o Primeiro-Ministro de Portugal, Luís Montenegro, partilha a expectativa e prioridades em relação à visita oficial de três dias a Angola, apartir de hoje
A propósito da efeméride, a embaixadora de França em Angola, Sophie Aubert, concedeu uma entrevista à ANGOP, para fazer uma retrospectiva das relações bilaterais, tendo sublinhado a acção conjunta direccionada para o capital humano.
Os Sona, “desenhos e figuras geométricas na areia”, arte milenar do povo Lunda Cokwe, foi, a 5 Dezembro do ano passado, elevado a Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura ( UNESCO ).
Jorge Dias Veloso é investigador científico da Universidade Lueji A’Nkonde, na Lunda-Norte, e um dos mentores do processo de resgate, valorização e divulgação dos Sona e um dos impulsionadores da candidatura.
Nesta entrevista, Jorge Dias Veloso defende a necessidade de inclusão desta expressão cultural nos manuais escolares, em cartilhas, programas de televisão e de rádio.
Como
recebeu a confirmação sobre a elevação dos Sona a Património Cultural Imaterial da
Humanidade?
Com o sentimento de missão cumprida, até à segunda fase. Estávamos confiantes em relação à qualidade do trabalho que fizemos, uma vez que , dois anos depois de terem sido declarados como Património Cultural Imaterial Nacional, nos termos do Decreto Executivo 99/21, de 20 de Abril, o Executivo, através do Ministério da Cultura e Turismo, em coordenação com a Universidade Lueji A’Nkonde, remeteu a candidatura dos Sona à UNESCO, para o reconhecimento mundial.
Esta conquista coloca, certamente, Angola na agenda mundial no que à Cultura diz respeito…
Sim,
com certeza, particularmente por duas razões: (1) é a primeira vez que Angola
inscreve um Património Culturaias
Imateriaias da Humanidade; (2) é um dos poucos Patrimónios Culturais
Imateriais(PCI) da Humanidade referentes a um conhecimento tradicional de
Matemática, tal como é o "Zhusuan, conhecimento e práticas de cálculo
matemático com o ábaco”, inscrito como PCI da Humanidade pela China, em 2013.
Como foi o processo que culminou com a declaração dos Sona como Património Cultural Imaterial da Humanidade?
Enquanto
membro da Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática, em
Novembro de 2018, participei de um dos seus eventos, em Coimbra. Nesse evento
tomei contacto directo com cientistas que já tinham estudado ou estavam
familiarizados com os Sona, consequentemente, tomei contacto com bibliografia
sobre o assunto. Ganhei interesse pelo assunto, passei a estudar sobre o mesmo.
Notei que, em relação a décadas atrás, o número de praticantes e as práticas
associadas aos Sona eram quase
inexistentes. Notei também que não se fazia estudos em Angola sobre a
etnomatemática dos Sona. Em suma, notei que se estava a perder um património
ainda vivo e de grande importância para a humanidade, do ponto de vista
científico, cultural, económico e social.
Foi quando lhe surgiu a ideia de fazer algo para evitar o seu desaparecimento?
Sim! Notei que, para a reversão do quadro de declínio, tendo em vista a salvaguarda dos Sona, contribuiria muito a atribuição do estatuto de PCI da Humanidade. A ideia foi apresentada às estruturas da Escola Pedagógica da Lunda-Norte e, consequentemente, da Universidade Lueji A’Nkonde (ULAN), onde mereceu apoio imediato. Com esse apoio e do Museu Regional do Dundo, contactámos o Instituto Nacional do Património Cultural (INPC), instituição pública oficialmente responsável pela submissão de candidaturas a PCI da Humanidade à UNESCO. Desse contacto, e dos seguintes, identificou-se pontos comuns nos objectos sociais das duas instituições, INPC e ULAN, o que permitiu celebrar um protocolo de cooperação entre a ULAN e o Ministério da Cultura, no dia 21 de Janeiro de 2020. Essa celebração oficializou a junção de sinergias para o grande objectivo de salvaguardar os Sona.
Como
é que, depois, as duas instituições trabalharam?
As duas instituições entenderam estruturar um projecto com três fases: (1) Declaração como PCI Nacional; (2) Inscrição como PCI da Humanidade; (3) Plano de Salvaguarda.
Ou
seja, a primeira fase foi a do reconhecimento internamente…
De facto. Em relação a esta fase, no mês de Julho de 2019, a Escola Pedagógica da Lunda-Norte realizou a 1.ª Conferência Internacional sobre Educação Matemática em Angola, onde se congregou especialistas e estudos sobre a etnomatemática dos povos de Angola, em particular os Sona. Ainda na primeira fase, depois de a equipa composta por elementos do INPC e da ULAN compor e submeter o dossier à Direcção do então Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente, foi exarado o Decreto Executivo 99/21, de 20 de Abril, que Declara os Sona como Património Cultural Imaterial Nacional no Domínio das Expressões Culturais.
E
quanto à segunda fase?
Em relação à segunda fase, a equipa conjunta compôs o dossier e submeteu-o à UNESCO, em Novembro de 2022, tendo a candidatura sido aceite e validada por essa agência das Nações Unidas. No dia 5 de Dezembro de 2023, durante a 18.ª Sessão do Comité Intergovernamental para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, em Kasane, Botswana, os "Sona, desenhos e figuras geométricas na areia” foram oficialmente inscritos como PCI da Humanidade.
Qual
vai ser o próximo passo?
Temos de manter a parceria entre o INPC e a ULAN, no sentido de consolidar e implementar o Plano de Salvaguarda.
O
que é que está definido no Plano de Salvaguarda?
Entre outros aspectos, o Plano de Salvaguarda prevê a contínua inventariação dos Sona, bem como o aumento sustentável do número de praticantes. Aqui, a sustentabilidade consiste em, inicialmente, haver financiamento para se transformar a riqueza imaterial em riqueza sociocultural e, posteriormente, a riqueza sociocultural directa e indirectamente tornar-se geradora de riqueza material, estimulando assim a expansão e manutenção de práticas associadas aos Sona.
Qual
vai ser o papel da Universidade Lueji A'Nkonde, do Ministério da Cultura e de
outras instituições envolvidas na valorização desta arte milenar?
Em relação à ULAN, prevê-se que continue a contribuir para a valorização dos Sona, cumprindo competências e atribuições previstas no seu estatuto, nomeadamente:
realizar a extensão universitária, numa perspectiva de prestação de serviço à comunidade, de valorização recíproca e de apoio ao desenvolvimento; conservar e valorizar o património científico, cultural, artístico e natural; promover a cooperação e o intercâmbio cultural, científico e técnico com instituições congéneres nacionais e estrangeiras , assim como as demais instituições vocacionadas para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia; assegurar a formação humana, cultural, artística, profissional, científica e técnica do seu corpo discente; fomentar a integração plena na comunidade angolana pela investigação e estudo das fontes culturais dos povos angolanos e a consequente preservação da sua identidade.
Quanto às outras instituições que têm contribuído para a valorização dos Sona, espera-se que continuem a trabalhar no mesmo sentido.
Qual
é a importância dos Sona no ensino da
Matemática?
No ensino escolar, a conexão Matemática é a associação que se faz entre conceitos abstractos e o mundo real. Os Sona associam ao conhecimento tradicional Cokwe e de outros povos praticantes, os conceitos de simetria de vários tipos, de monolinearidade, de friso, de máximo divisor comum geometricamente calculado, de progressão geométrica, entre outros. A conexão Matemática, no caso por via dos Sona, contribui positivamente no ensino dos conceitos matemáticos a si associados. Do ponto de vista da Etnomatemática, a importância reside na validação da cultura do aluno e de outros actores directos ou indirectos do ensino e da aprendizagem, aprimorando e incorporando em conhecimentos modernos, valores da sua cultura.
O
mesmo ocorre no ensino da Matemática na universidade?
Na
Matemática universitária, podemos destacar a associação dos Sona à Teoria de
Grafos, à Topologia, à Análise Combinatória, entre outras áreas. Num estudo que
incluiu pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e da
McGill University, a partir dos Sona, foram identificados vários problemas
matemáticos novos e, como se sabe, a investigação em Matemática de topo assenta
consideravelmente na identificação de problemas e na sua resolução ou tentativa
de resolução. A história da ciência já mostrou várias vezes que a identificação
e resolução de problemas matemáticos contribui muito para o seu avanço.
Existem ainda muitos praticantes dos Sona nas comunidades Lunda Cokwe ?
Não! Infelizmente, não. São cada vez mais escassos. Ao prepararmos a candidatura para Património Cultural Imaterial, quer nacional como da Humanidade, a localização de praticantes dos Sona foi um grande desafio que tivemos de enfrentar. Isso reforça a necessidade de se consolidar, financiar e implementar o Plano de Salvaguarda.
Qual
é o número de praticantes com os quais a Universidade tem contacto nas comunidades e onde estão?
As comunidades, originalmente, praticantes dos Sona confirmaram a prática ancestral. Cientistas em Angola e no estrangeiro confirmaram, com a sua produção científica e com as suas declarações, o valor dessa prática ancestral. Isso foi muito relevante no reconhecimento pela UNESCO. O número de praticantes locais está em consolidação.
Continuam
as pesquisas nas comunidades sobre os Sona?
O trabalho de investigação continua e tem consistido em fazer revisões de outras experiências consideradas boas práticas de salvaguarda de PCI da Humanidade pela UNESCO. Ou seja, tem consistido em reflectir os resultados dessas revisões no Plano de Salvaguarda dos Sona, consolidando-o e dando-lhe consistência; disseminar os Sona em espaços especializados em Etnomatemática; divulgar para o público em geral, entre outras acções de crucial importância.
Em que parte do país estão a fazer pesquisas?
Em toda parte em que surja informação relevante sobre os Sona, quer em Angola como no estrangeiro. Como é de se esperar, a predominância em Angola recai sobre as províncias da Lunda-Norte, Lunda-Sul e Moxico.
Contam com apoio de instituições estrangeiras nesta empreitada?
Com
a colaboração de investigadores estrangeiros, sim. E, também, com instituições
do ensino superior com as quais a Universidade Lueji A’Nkonde coopera.
Qual vai ser o papel da UNESCO na valorização, divulgação e preservação dos Sona?
A UNESCO faz a promoção e divulgação do Património Cultural Imaterial e, caso o Estado Parte informe e justifique que necessita de salvaguarda urgente, a UNESCO concede financiamento. Nós poderemos solicitar o apoio para a salvaguarda urgente, mas, para o efeito, em estreita colaboração com as províncias da Lunda-Norte, Lunda-Sul e Moxico, devemos consolidar o trabalho de base, nomeadamente identificar os locais em que ainda se pratica os rituais de iniciação e outras formas de manifestação dos Sona.
A
UNESCO vai direccionar algum
financiamento para os projectos de divulgação e valorização
dos Sona?
Não! Salvo no caso da salvaguarda urgente, conforme expliquei há pouco tempo, a protecção e conservação é tarefa do Estado angolano.
O que vai ser feito para haver maior divulgação dos Sona em Angola e no estrangeiro?
Para maior divulgação, iremos, necessariamente, consolidar e implementar o Plano de Salvaguarda. O trabalho de base deve sempre prevalecer.
Há
perspectivas de se propor a
inclusão dos Sona no sistema de
ensino? Se sim, em que nível de ensino ?
Existe uma vasta bibliografia sobre os Sona acessível a todos que tenham algum interesse nela. É importante que os autores e criadores de conteúdo escolar, televisivo, radiofónico e digital tirem proveito disso.
Será benéfico para o Estado angolano, através dos Ministérios da Cultura e Turismo, da Educação e das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, trabalhar em prol da inclusão dos Sona nos manuais escolares, em cartilhas, programas de televisão e rádio.
Quanto aos níveis de ensino, os Sona são aproveitáveis a nível primário, secundário e universitário. Os autores e criadores de conteúdos, em sede do seu trabalho, poderão estruturar em conformidade com o público-alvo.
Qual deve ser a
intervenção dos governos
provinciais da Lunda-Norte, Lunda-Sul e Moxico ?
Continuar a apoiar esta iniciativa, que também é de investigação científica, pois o trabalho ainda não terminou. Apoiar outras iniciativas do género.
Há
um projecto com financiamento da Fundação
Brilhante, para a construção da
Aldeia Sona. Quando começam as obras, onde e qual vai ser a intervenção da
Universidade Lueji A'Nkonde?
Tomei
conhecimento de algo do género pela imprensa.
Portanto, não tenho como lhe dizer do que se trata exactamente. As
acções para a salvaguarda dos Sona precisam de ser estruturadas, alinhadas com
políticas públicas, com agendas internacionais, coordenadas entre pessoas
individuais e colectivas, cientificamente fundamentadas, referenciadas em
práticas reconhecidas como boas pela UNESCO e ser consequentes. Daí a
existência de um projecto, como lhe disse antes, incluindo um Plano de
Salvaguarda, na sua terceira fase. Acções avulsas, esporádicas e pouco claras,
ainda que bem-intencionadas, podem ter um efeito diferente do que se espera de
um Plano de Salvaguarda.
Professor, o que são exactamente os Sona?
Os Sona são uma forma de expressão da relação entre seres humanos e a natureza. Essa forma de expressão traduz crenças, pensamentos, sentimentos, emoções, preocupações, angústias, desejos, entre outros aspectos associados à natureza humana.
Na sua forma original, usa-se o chão húmido para a execução da expressão, consistindo na marcação de pontos de referência no chão com os dedos indicador e mindinho. Na sequência, consiste no traçado de linha ou linhas em torno desses pontos. Esses traçados, de uma geometria própria, são associados ao conto de histórias, à passagem de conhecimentos para as novas gerações, à preservação e à demonstração de saberes da memória colectiva de um povo.
Durante
a década de 1980, num trabalho seminal de Paulus Gerdes, estabeleceram-se
várias relações entre os Sona e a Matemática, tendo surgido, e prevalece até à
presente data, o termo Geometria Sona, um claro reconhecimento da sua
contribuição à Matemática. Vários conhecimentos e práticas matemáticas, de
nível primário, secundário e superior, foram reconhecidos nos Sona em várias
publicações científicas.
Como se sente enquanto cidadão nacional, docente universitário e investigador que impulsiona a valorização e divulgação dos Sona?
Sinto que dei a minha contribuição num desafio e esforço colectivo ainda em curso. O sentimento é de missão parcialmente cumprida, pois ainda temos muito trabalho pela frente. O sentimento é, também, de responsabilidade acrescida, pois por alguns dias os Sona tornaram-se o centro das atenções a nível nacional e chamaram muita atenção a nível internacional. As pessoas passaram a estar mais informadas e criaram expectativas sobre a sua salvaguarda.
De certeza, vários factores motivaram o seu envolvimento neste trabalho.
Sim. O facto de os Sona terem dado lugar a várias publicações científicas, e não só, pelo mundo, significando que a sua importância é reconhecida pela comunidade científica internacional; o facto de eu estar vinculado à Escola Pedagógica da Lunda-Norte e, consequentemente, à Universidade Lueji A’Nkonde, situada na região dos Sona; o facto de eu ser doutor em Didáctica da Matemática; esses factos combinados e alinhados tornaram-me consciente das responsabilidades acrescidas que tinha e tenho para, na perspectiva etnomatemática e noutras, contribuir para maior valorização local, nacional e internacional dos sona.
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