Opinião

Sementes muitas sementes

Manuel Rui

Escritor

Na minha adolescência, quando tudo se fechou para a nossa vida familiar, fechada a livraria e ervanária de meu pai, por se andar a meter em política nas eleições de Norton e depois de Humberto Delgado para a presidência de Portugal, quase vivíamos da costura que minha mãe fazia para as senhoras nobres da cidade, meu pai, entretanto não ficou mata kassumuna, catando formigas no açucareiro.

01/06/2023  Última atualização 06H25

Pegou e pegámos em enxadas, fizemos batata rena, muito milho, tomate, mangas, goiabas, couve e alface…com quitandeiros que levavam a vender em tabuleiros na cabeça. Foi o meu melhor aprendizado para a vida. Sementes é o mesmo que "pôr pensamento na mão” como eu, mais tarde havia de escrever no Hino da Alfabetização.

Mais tarde, quando estávamos na tribuna para a Proclamação Da Independência, para atirar para canto os ruídos dos canhões de Mobutu, sem saber o que iriamos fazer depois, delimitei o meu sonho: um par de quedes para cada criança que entrasse na escola, nem me passava pela cabeça as latas que serviram de carteiras (devíamos ter feito um museu com essas latas), uns calções e uma camisete mais uma banana. Era o meu sonho.

Que foi ultrapassado. Lembro-me que a seguir à independência de Moçambique, fiquei tristemente alegre porque a independência negociada pela Frelimo na pessoa do meu amigo, dos tempos de Coimbra, Óscar Monteiro, a cidade estava toda direitinha, esplanadas, marisco e cerveja "laurentina”, ruas limpas e lojas com recheio. Triste porque Luanda não estava assim mas um barril de pólvora …mas alegre por ver Maputo daquele forma.

Hoje, com a lucidez que dá a distância no tempo, podemos reconhecer que estragámos muito que o colono deixou ficar. Comboios, edifícios, fábricas, até lavámos carros com a pedra de água, acabámos com os sumos de maracujá em pacote, a inseminação do gado bovino na Chianga…tudo por causa da guerra que substituiu a palavra, diminuiu as plantações e fez os elefantes viajarem para longe.

Tenho seguido atentamente a evolução da nossa agricultura e pecuária. Mas, de repente, fiquei deslumbrado com a Feira Agroindustrial do Cuanza-Sul. Não foi por acaso que os portugueses inventaram o colonato da Cela, espécie daquilo que se fez em Israel, os kibutzes (trabalho colectivo na terra) salvaguardadas as distâncias. Felizmente, as casas caprichosas ainda existem, agora habitadas por angolanos.

Agora, nessa feira que movimentou 60 milhões de kwanzas, a FEIRA AGROINDUSTRIAL E PESCAS DO CUANZA-SUL (FAPECS), de cariz profissional com o objectivo de promover o desenvolvimento. Nesta edição a feira apresentou um total de 672 mil 213 toneladas de produtos.

Amostragem de variedades de batata rena, milho, feijão, legumes, frutas (aquele ananás da Quibala!), pés de café para plantar e uma surpresa para mim, a novidade da produção de cacau.

Afinal temos um grande celeiro. Porém não é só o Cuanza-Sul. Outras províncias estão a valorizar a semente que é essência da vida, a boa alimentação das nossas crianças. Entretanto Benguela retoma em alta o lugar de capital da banana. E as senhoras quitandeiras de Luanda são abastecidas com produtos do Bengo, deviam ter uns carrinhos de mão bonitos fornecidos pelo governo provincial… mas isso é outra conversa.

Na feira da Quibala só faltaram carrocéis e outras brincadeiras para as crianças. Não sei se foram feitas excursões escolares à feira e se há algum projecto de uma escola agrícola como a Escola de Regentes Agrícolas do Tchivinguiro (criada em 1938!) Se calhar já existe uma escola desse tipo.

A natureza tinha a sua cadeia alimentar, animais que se comem uns aos outros para o equilíbrio, a água como elemento fulcral para a vida, rios, lagos e mares com animais de pequeníssimo porte como os insectos mas importantes para os ecossistemas e tão importantes como os maiores terrestes como o elefante ou hipopótamo, militarizados como as formigas e engenhosos para a polarização como as abelhas. O homem começou a estragar. Aqui, a mão do homem deve ser criativa como a semente. Assim, a agricultura não deve ser para viciar ou cansar os solos mas para revitalizá-los por ausência de plano B para o nosso planeta.

O Cuanza-Sul é um exemplo vivo de como cumprir o plano A. Assim participa na substituição de importações embora não se compreenda porque ainda não se recuperou a Pedra de Água, uma água mineral de boa composição e com gás natural…andamos a importar a portuguesa…quando podíamos exportar para países vizinhos. Porquê? E quando é que podemos beber a água da torneira que bebia nos treinos de futebol, em casa bebíamos da fonte. Quando se puder beber da torneira…adeus negócio das garrafas…

Benguela das acácias e muitos hectares de bananais a perder de vista o verde contrastante com o rubro das acácias.

Não podes oferecer a cada criança que anda na escola, uma banana por dia? A esta hora já estão a dar duas e eu sem saber. E a lembrança de saudade do dia em que na tribuna da Proclamação da Independência sonhava com uma banana para cada criança. Sonhar é bom. Ver o nosso sonho realizado melhor ainda.

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