Opinião

Segurança social, um direito e um dever

No 8º dia do mês passado, o mundo celebrou o Dia da Segurança Social, pelo que nos propusemos debitar sobre este relevante instituto da vida em sociedade, considerando sobretudo o interesse que nos desperta quotidianamente.

06/06/2023  Última atualização 09H00

Neste sentido, dentre muitas questões em seu torno susceptíveis de abordagem à nossa reflexão incide sobre a natureza desta realidade, enquanto elemento integrante do conteúdo de certas relações disciplinadas pela Ordem Jurídica.

Assim, prima facie, reputa-se essencial aludir que a expressão segurança social exibe-se polissémica, na medida em que, de per se, encerra várias acepções, entrementes destacamos duas, nomeadamente a objectiva e a subjectiva.

Ora, do ponto de vista objectivo, segurança social é compreendida como uma série de políticas, estratégias e medidas que são traçadas, delimitadas e materializadas pelo Estado, enquanto Poder, para proteger os cidadãos em geral, em peculiar situação de carência, e os trabalhadores, especialmente, em caso de eventualidades, isto é, situações que implicam a perda ou diminuição da capacidade de trabalho e consequente cessação da remuneração. Todavia, na perspectiva subjectiva, segurança social manifesta-se como o poder que a ordem jurídica confere aos cidadãos, em geral, e aos trabalhadores, em especial, de exigirem ao Estado, enquanto Poder, a adopção e materialização de medidas, políticas e estratégias para os prevenir da indigência ou os assistir material, económica ou financeiramente em situações de vulnerabilidade, consoante a enumeração dos sujeitos retromencionados. Com efeito, segurança social é sinónimo de protecção social e, porque em todas as suas dimensões visa essencialmente acudir as pessoas em maior e incontestável situação de fragilidade, como sejam as crianças, os idosos, os doentes e os trabalhadores em situações de risco, a sua principal missão é promover uma sociedade inclusiva e assente na solidariedade.

No que respeita ao cerne da nossa questão, atendendo à conceituação evidenciada supra, dúvidas não persistem nem subsistem que a segurança social reveste a natureza de um direito dos cidadãos, em geral, e dos trabalhadores, em especial, haja em vista o facto da faculdade de exigir que integra a esfera destes, emanar da ordem normativa social que tem na justiça, na segurança e na protecção dos Direitos Humanos o seu fim último. Esse direito que se revela como fundamental e humano, pelo facto de ter previsibilidade constitucional e ter sido reconhecido pelos instrumentos jurídicos de cariz internacional, designadamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e no Pacto Internacional dos Direitos Económicos e Sociais de 1966, é corolário da sua essencialidade na conformação do Estado e da Sociedade e se consubstancia na efectivação do princípio  da dignidade da  pessoa humana, que constitui o esteio e constituição dirigente dos ordenamentos jurídicos que compõem os Estados de Direito.

Nesse conspecto, ao abrigo do disposto na norma inserta no artigo 22º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, pelo que pode, legitimamente, exigir a satisfação dos seus direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis.

Isto posto, convém asseverar que a dogmática e a filosofia jurídica advogam que, em sentido técnico, os direitos, públicos ou privados, contrapõem-se aos deveres, logo, se inferimos consistir num poder jurídico em relação às pessoas físicas, por maioria de razão depreende-se que a segurança social é, de igual modo, um dever, no caso vertente, do Estado, enquanto sujeito passivo da relação jurídica de segurança social. Esse dever emana da necessidade de se assegurar a concretização dos direitos básicos dos cidadãos, tal qual a de amparar os trabalhadores e de promover o bem-estar e a coesão social.

Em face disso, aproveitamos o ensejo da efeméride para apelarmos ao Estado angolano a não olvidar do seu carácter de bem-estar social, prosseguindo afincadamente um dos seus sublimes fins e que consigo se identifica simultaneamente como Comunidade e como Poder. Por conseguinte, recomendamos a sequência da consolidação e fortificação do seu nível de intervenção na vida dos cidadãos e trabalhadores em matéria de protecção social, criando condições para a dignificação e inserção social no dinamismo económico e produtivo, reduzindo as desigualdades e as assimetrias, universalizando a segurança social, alargando a sua factual base subjectiva de beneficiários, bem como a base de cobertura material para mais riscos como o desemprego e a doença comum, mobilizando os meios necessários à manutenção das condições mínimas das pessoas, garantindo, através de programas inclusivos, empregos e assistência dos idosos, das crianças e dos doentes, nomeadamente e enfim, massificando a criação de serviços sociais básicos, como a educação, a saúde e a habitação.

Aliás, vale ressaltar que nos termos da norma ínsita no artigo 21º da Constituição da República constitui tarefa fundamental do Estado a criação progressiva das condições necessárias para tornar efectivos os direitos económicos, sociais e culturais, como o da protecção social, assim como constitui a erradicação da pobreza, a promoção do bem-estar, da solidariedade social e a elevação da qualidade de vida do povo angolano, designadamente dos grupos populacionais mais desfavorecidos, a promoção de políticas que permitam tornar universais e gratuitos os cuidados primários de saúde e que assegurem o acesso universal ao ensino obrigatório gratuito. De mais em mais, estabelece a norma do artigo 77º deste relevante instrumento jurídico que é sua obrigação promover e garantir as medidas necessárias para assegurar a todos o direito à assistência médica e sanitária, bem como o direito à assistência na infância, na maternidade, na invalidez, na deficiência, na velhice e em qualquer situação de incapacidade para o trabalho.

Destarte, em nosso alvitre, urge a redefinição do plano legislativo da Protecção Social Obrigatória com a congregação do seu regime na modalidade de lei em sentido material num único diploma ou num número reduzido de actos normativos estatais, evitando a dispersão e hipertrofia normativa e, por consequência, a incerteza, insegurança e a ignorância jurídica.

Outrossim, em nossa concepção, julga-se pertinente enveredar à coerência e à harmonização do complexo normativo, sistematizando-o, prevenindo ambiguidades e contradições conjecturáveis, tais como as respeitantes ao prazo de garantia nos regimes especiais de protecção social, como o dos desportistas nominalmente, o modo de determinação do cálculo da pensão de reforma antecipada, mormente o seu coeficiente do limite de meses da carreira contributiva, o modo de cálculo da pensão do segurado que durante o período preponderante para a determinação da média da remuneração de referência da base contributiva laborou em duas entidades empregadoras simultaneamente, a junção de declaração da incapacidade laboral a cônjuges sobrevivos com idade igual ou superior a 60 anos de vida, o critério de determinação da taxa contributiva no regime do clero.

Enfim, dentre muitas questões, propomos a consagração do subsídio de paternidade, em ordem e obediência ao princípio constitucional da igualdade, a clarificação do limite máximo da pensão de sobrevivência, para efeitos de sustentabilidade do sistema financeiro da segurança social, bem como a revisão dos montantes do subsídio de funeral, aleitamento e abono de família, em nome do princípio da dignidade da pessoa humana e em consideração aos princípios da protecção da família e superior interesse da criança. Portanto, sendo que segurança social se traduz em direito e dever, as regras que regem o seu exercício devem ser fundamentadas e orientadas por princípios.

                                                                                 

Edgar Santos*

* Jurista

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