Entrevista

Secretária-geral da OMA defende agravamento da penas para a Violência Doméstica

Yara Simão

Jornalista

“A Lei contra a Violência Doméstica precisa ser revista e actualizada. É importante que os legisladores revejam a Lei que já foi muito boa, mas para o nível de crimes que são registados, actualmente, já não se adequa”, defende em entrevista ao Jornal de Angola, Joana Tomás, a líder da maior Organização da Mulher Angolana, no âmbito do Março Mulher.

25/03/2023  Última atualização 08H00
© Fotografia por: Edições Novembro

A OMA continua a dar um contributo importante na resolução dos problemas que afectam a sociedade angolana?

Quando assumimos o nosso mandato, foi estabelecido um programa onde consta a revitalização das brigadas Deolinda Rodrigues, dos centros de aconselhamento jurídico e o empoderamento da mulher, no que diz respeito ao microcrédito. Estamos a trabalhar na questão da cidadania e dos Direitos Humanos, com a atribuição do Bilhete de Identidade e da cédula pessoal para as crianças que não estão registadas em todo o país. Continuamos engajadas na luta contra a violência doméstica, a desordem, a corrupção, o nepotismo e a impunidade, no combate ao analfabetismo e abuso sexual de menores. Vamos continuar na linha da frente quanto ao aconselhamento jurídico, porque no ano passado tivemos mais de 15 mil casos, com destaque para a fuga à paternidade e violência doméstica.

Este mês completa dois anos de mandato à frente desta gigante organização feminina. Quais são os seus maiores desafios?

Entramos num desafio de rejuvenescimento da organização, o nosso desafio é continuar a colocar a OMA em patamares elevados. O MPLA deu um grande exemplo, ao atingir a paridade no Comité Central para 51 por cento de mulheres, isso é um sinal claro de que o Presidente está comprometido com a paridade, mas alguns dirigentes, os que ficam no topo e devem fazer cumprir os tratados assinados, não o fazem. Há casos até em que as mulheres são as protagonistas de grandes trabalhos, mas quem dá a cara é o patrão. Nós queremos acabar com isso, nas instituições, quer públicas ou privadas.

Que outros desafios tem para a organização?

O combate ao analfabetismo é um dos nossos grandes desafios e já tem dado passos positivos. Apesar disso, continua a ser preocupante principalmente nas camadas com um nível de vida baixo e mulheres solteiras, que dependem do comércio informal. Por isso, temos feito, com parceiros sociais, um trabalho de alfabetização nos mercados, horas antes das mulheres começarem a comercializar os seus produtos. É um programa que tem surtido efeito, porque hoje já vemos mulheres a ler e a escrever.

Dentro deste programa, quantas mulheres já foram alfabetizadas?

Em um ano de mandato, já conseguimos alfabetizar mais de mil mulheres. Muitas delas também já conseguem ensinar outras a ler. Temos professores voluntários que, a nível do país, trabalham com as mulheres nos mercados por uma hora. O nosso objectivo é intensificar o programa de alfabetização dentro do projecto Deolinda Rodrigues. Já temos dez jangos construídos em vários pontos do país para dar continuidade às aulas de alfabetização, com o apoio dos nossos parceiros sociais.

A violência doméstica é um assunto que continua no auge das atenções?

A violência doméstica e abuso sexual de menores é um flagelo que tem atingido cada vez mais as famílias. Não vamos aqui defender que é por causa da pobreza, porque um professor assalariado que viola uma aluna não é por causa da pobreza.

Apelo aos sociólogos, psicólogos, cristãos, órgãos de defesa e segurança e outros, devemos unir-nos para combater de forma assertiva este fenómeno que cada vez mais ganha corpo na sociedade. O abuso sexual compromete o futuro destas crianças, muitas delas não poderão ter filhos, outras viverão eternamente traumatizadas pelos abusos. Precisamos de ter maior atenção a isso. A lei deve funcionar de forma mais rígida para esses criminosos.

A OMA continua a registar muitos casos de violência doméstica?

Temos registado muitos casos de violência doméstica, não apenas de homens contra mulheres, mas também de mulheres contra homens, de pais contra filhos, entre outros.

Tem despertado a nossa atenção o número de homens que procuram aconselhamento jurídico na OMA, não só por causa da violência doméstica, mas também devido ao abandono de lar.

Há cada vez mais homens a pedir ajuda para que as mulheres voltem para casa. E temos tido sucesso porque uma família só é sã quando está bem constituída. Nos casos em que não conseguimos resolver, encaminhamos às autoridades judiciais. A fuga à paternidade ainda nos preocupa, porque 70 por cento não assume a paternidade, mesmo tendo rendimentos, estamos a falar de funcionários públicos, polícias, militares, professores, entre outros.

A fuga à paternidade também continua na agenda da organização?

A fuga à paternidade também é outra situação difícil com que se deparam as mulheres. Elas são obrigadas a fazer um papel duplo na vida dos filhos, tudo porque os homens não querem assumir o seu papel de pais e provedores da família. É importante que os homens olhem para os seus filhos com amor, respeito e cuidado. As crianças são inocentes dentro da problemática do casal. É preciso proteger e defender os interesses da criança. Eles são os continuadores da Nação, para não sermos condenados amanhã, pelo que não fizemos hoje.

Muitas mulheres queixam-se da morosidade dos processos judiciais. Tem conhecimento disso?

É verdade. Urge maior celeridade processual e punição exemplar de quem comete violência doméstica a todos os níveis. Os julgamentos sobre os casos de violência doméstica no país têm sido lentos. Os instrumentos estão aí e queremos que sejam utilizados, porque Angola tem a melhor Lei contra a Violência Doméstica, precisamos que a sua aplicabilidade traga efeitos positivos para a sociedade.

Acha necessária a alteração da Lei contra a Violência Doméstica?

A nossa Lei contra a Violência Doméstica precisa ser revista e actualizada. É importante que os legisladores revejam a Lei. Ela já foi muito boa, mas para o nível de crimes que são registrados actualmente, já não se adequa. Os crimes são tão violentos e as penas muito brandas. Chamamos à atenção e responsabilidade no sentido de que este assunto deve voltar à Casa das Leis para ser reapreciado. É importante também que os órgãos de comunicação passem a sensibilizar e mobilizar sobre a necessidade da prática de denúncias. O cidadão não deve ter medo de denunciar um pedófilo, nem ser intimidado por ele. Vamos sair, vamos às comunidades explicar que devemos sempre denunciar os infractores porque o lugar de criminoso é na cadeia.

Outro senão tem a ver com processos que são analisados no centro de criminalística para os casos de pessoas que são abusadas sexualmente.

Depois de violadas, as crianças ficam com receio de serem tocadas por homens, isso é algo que deveria ter-se em conta e apostar mais em mulheres especialistas em questões como essas.

Pensou em levar essa proposta ao Grupo Parlamentar do MPLA, para que seja apresentada à Assembleia Nacional?

Este é um assunto que atinge a todos, independentemente de ser do MPLA ou de outros partidos políticos, o combate à violência doméstica e ao abuso sexual é uma questão nacional. Cada um de nós já foi atingido directa ou indirectamente por esse flagelo. Mas o MPLA já tem isso em atenção, porque temos conversado com o nosso presidente do Grupo Parlamentar. Temos de ter em conta que na Assembleia Nacional existem comissões especializadas em razão da matéria, e é nesta comissão que vai ser apresentada a proposta e começar a trabalhar na questão.

Somos de opinião de que há necessidade sim de se rever a Lei que durante algum tempo jogou um papel importante, mas que precisa ser actualizada, face à dinâmica da própria sociedade.

Nos últimos tempos temos visto mulheres a explorarem os próprios filhos, remetendo-os à rua para pedirem esmola. Qual tem sido o vosso papel?

De facto temos conhecimento que muitas mães usam os filhos para pedir esmolas na rua, enquanto elas não fazem nada. Isso atropela os 11 Compromissos da Criança. As mães devem ser protectoras e não expor os filhos ao perigo, quando elas podem e têm ainda condições de trabalhar.

Qual o contributo da organização no combate à pobreza no seio das mulheres?

Para este ano estamos com um projecto de criação de animais, um programa que já deu o pontapé de saída na província do Cunene, onde foram distribuídos cinco mil pintos e oitenta porcos para criação e reprodução, nos municípios onde há água e a seca não é muito severa. Vamos agora para a província do Zaire com dez mil pintos e oitenta porcos para apoiar as famílias daquela província, não apenas militantes do MPLA, mas angolanas, no geral. Quanto ao apoio à mulher rural, temos feito advocacia com os órgãos do Governo e privados para fornecer material agrícola. Nós fizemos a distribuição para aquelas famílias mais carenciadas nas comunidades rurais, para onde vai o nosso foco este ano.

Com relação ao microcrédito, a OMA continua a apoiar as mulheres com projectos empreendedores?

Temos dois protocolos assinados com o Banco Sol, no que diz respeito ao microcrédito.  Um de 500 mil kwanzas e outro de sete milhões de kwanzas, mas actualmente está suspenso para podermos avaliar os processos das futuras beneficiárias, e apelar que estas cumpram com a promessa de devolução do empréstimo. Queremos tranquilizar as mulheres de que ainda neste trimestre o processo será reaberto. A OMA tem contribuído para as várias conquistas alcançadas por Angola na luta pelo empoderamento da mulher.

Nós, como organização feminina, prosseguiremos com as acções tendentes ao reforço da parceria com o Executivo, na procura de soluções para os problemas das mulheres, em particular, e das famílias, em geral. Temos visto o empoderamento da mulher como um meio de redução das dificuldades no seio das famílias. Vamos continuar a trabalhar com todas e para todas, para o engrandecimento da mulher, fortalecimento das famílias e trazer mais membros à Organização.

Quantas militantes tem a organização?

Estamos com mais de três milhões de mulheres. Estamos felizes porque temos recebido mulheres de vários estratos sociais e de várias idades. E todos os dados, até agora, contrariam a tese de que a mulher angolana não se interessa pela política. Vamos continuar a aumentar a capacidade organizativa e afirmar-se como peça fundamental na educação e mobilização das mulheres, para a materialização dos ideais políticos do partido. Estamos a trabalhar para que sejam empoderadas, através da oferta de kits, de produtos para que possam vender e começar um pequeno negócio.

Já não existe mais nenhum tabu com relação ao 2 de Março?

O 2 de Março não é o dia da fundação da OMA, em que todos relembramos a morte daquelas mulheres que lutaram para a libertação de Angola do jugo colonial. Esta data é da inteira responsabilidade do Ministério da Família e Acção Social, que tem organizado actividades em prol da efeméride para todas as mulheres angolanas. É uma data em que todas as angolanas devem festejar porque a luta é comum, a igualdade, equidade do género, empoderamento e reconhecimento das suas potencialidades, da paridade que deve existir entre homens e mulheres, porque uma nação se constrói por homens e mulheres, mas o que temos assistido na nossa sociedade têm sido alguns desequilíbrios na promoção da mulher, com maior atenção para os órgãos de Defesa e Segurança e Comunicação Social.

O que quer dizer com desequilíbrio desproporcional da mulher?

Desde a independência do país, em 1975, nunca tivemos mulheres como PCA e contam-se aquelas que ocuparam cargos de directoras de Informação de um órgão de Comunicação Social, quando existem em todos os órgãos mulheres com capacidade e competências reconhecidas para tal. Sabemos que nas redacções as mulheres abraçam a profissão com afinco e dedicação. As mulheres já deram provas de que estão preparadas profissional e academicamente para assumir cargos mais relevantes no país, dentro dos Ministérios, o que não tem acontecido, mesmo sendo Angola signatária de muitos tratados internacionais.

Isto quer dizer que a promoção por meritocracia não tem sido exercida?

Sim. Urge a necessidade de ser revista a meritocracia dentro das instituições, quer estatais, quer privadas. Estamos a cobrar às instituições para o cumprimento dos tratados que Angola assina. As mulheres angolanas estão em maioria no que concerne a licenciaturas e é importante que se aposte nela, que lhes seja dada a oportunidade de mostrar o seu real valor profissional.


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