Mano, e me fizeste andar pela Paris toda, mas esqueceste de me apresentar o Macronzinho! Queria lhe dar kandandu dele e lhe desejar felicidades a si e a sua mamoite, também. Mas, não faz mal. Outro dia, quando voltar lá. O Mundial me fez perder oportunidade de ver esses miúdos do "Parri San German” jogar.

Mas, por aqui, ‘tamo ‘inda bem. Tua irmã, lhe encontrei não ‘stá. Foi com o marido e o menino mais novo p’ra Portugal. Não te disse? Mas, voltam na próxima semana, porque as aulas do filho já começaram. Também não vai se prejudicar muito, porque os prossores aqui andaram na greve deles. Teu primo Marco disse lhe descontaram salário, por causa disso. Enfermeiros e funcionários aí dos aeroportos também paralisaram os serviços.

Mano, se lembra aquela notícia que noticiaram vez passada quando me ligaste a Internet p’ra eu ver mô telejornal no quarto? É verdade mesmo. Jornalistas reclamaram nas ruas. João Loy, até, lhes deu ‘mbora razão deles. Chefe não quer nada essas coisas feias de se perseguir os jornalistas.

Até agora, ‘inda não acredito que comi o Natal fora da minha terra. Vocês aí vivem mesmo de viver, filho, mas a pessoa sente ‘mbora saudade daqui da nossa Angola. Não sei se esse sangue de antigo combatente é que não me deixa mais sair definitivamente. Eu amo esse país!

Mas, nacionalismo à parte, Paris é linda. Vi mesmo de perto a Torre Eiffel? Não ‘stou a acreditar. Gostei muito. O "museu da Maria Madalena”. Deixa ver no mô papel de rascunho, onde escrevi os nomes e as pronúncias que me ensinaste. Alguns nomes esqueci ‘mbora como se lê. É idade, também. Esses môs 75 anos que faço, em Março, não é pouca coisa, mano. Com esse sofrimento, aqui, é tipo fiz mesmo já 100.

O coiso é Museu do Louvre. Duas semanas e meia não deu nada p’ra aprender todo o francês da minha vida. Te agradeço por me levar à Catedral Notre-Dame Paris, que só via na televisão. É inesquecível aquele passeio pelo Rio Sena. Também ‘stou a pensar no Arco de Triunfo e no Palácio de Versalhes. Mas fiquei muito emocionado com as Catacumbas. Ehe, aquele túnel de 300 quilómetros foram enterrar lá aqueles mortos todos? Seis milhões de pessoas! Assim, ‘stou com a lista de lugares maravilhosos de França. Nós, aqui, em Angola podemos fazer dinheiro, se valorizarmos mais o turismo. Temos muita beleza natural!

O que não é normal é que me aconteceu. Mô filho, ‘stou a sair ali no banco ver se mô dinheiro ‘stava lá, me disseram que a agência fechou. Voltei a pé em casa. É fome, é calor, é poeira. Até senti saudade da Champis Elizé. Mano, pede desculpa a minha nora, por pronunciar mal alguns nomes das ruas deles. Eu sô ‘mbora kimbundual. Mas, gostei, ainda mais, da avenida Montaine.

Essa rua é que inspirou aquela música que minha nora me cantou com ele, a "La Montaine”, de Jean Ferrat? Mas, música que me marcou mesmo da vida real é "La vie en rose”, da Edith Piaf. Essa senhora é estrondosa!

Agora, que ‘stá a me fazer estrondo na cabeça são os ngombiris. Todos os dias, desde que cheguei é só Polícia prende violador de criança aqui, violador de criança ali. Depois, o tal ngombiri é mais o próprio pai ou tio, que deveriam proteger a criança!

Na quinta-feira, dia 5, como me ensinaste já, acompanhei a missa do funeral do Papa Bento XVI, na Internet. Pelo que ouvi, era mesmo um grande homem. Falava dez línguas, muitos doutoramentos e tinha cerca de 600 títulos de escritos. Ele era mesmo obra! Também quis estudar assim, mas a tropa não deixou. Você aproveita bem essa oportunidade de ser pessoa de verdade. Estuda de tudo, até na conta do teu pai.

O Pelé também morreu. Era um grande jogador. Eu que lhe vi jogar é que te diga. Não era só como esses miúdos d’agora. Ele mesmo fazia magia com a bola. Nos nossos tempos, tínhamos ainda o Eusébio e Garrincha. Mas, confesso, mô filho, Maradona, Messi e Ronaldinho são coisas espectaculares no futebol. Eu mesmo era craque, mas nada, não chego lá.

Fora essas mortes, fiquei feliz com o gesto do Governo. Deu carro às meninas do andebol e nos miúdos do futebol com muletas. Por ano, se escolhessem cinco prossores e cinco doutores para a mesma coisa, ficava mais bem bonito, mano. Mas, ‘stão a melhorar os salários, ouvi dizer.

Agora, esses mais velhos continuam sem juízo a morrer na pensão. Andam com as miúdas na idade das netas, e começam a beber "reforço”. Isso é vergonha p’ra todos nós. Depois já comem mal em casa, porque dinheiro de dar na família acaba nas moças.

Falando em comida, dali de Paris lembrei do ratatuile, das Madeleine, do macarrone e dos croissãs. Mas, dessas comidas todas, gostei mais do magret de canard. Mas, tive ‘mbora saudade do môfunji com feijão, de peixe seco. Esses anos todos, se soubesses cozinhar, minha nora já podias lhe ensinar a bazar funji dela.

Ó, filho, ‘stou distraído a te mandar áudio, mas deixa ‘inda ir ali na vizinha Catarina. Me chamou p’ra lhe ralhar filho gatuno na conta. Desde que o marido morreu, cada vizinho de homem é que vai chamar atenção nos filhos dela. As meninas e os bichos dos rapazes se meteram na vadiagem. Mas, esse segundo filho é que não ouve ninguém. Sacana arranja brigas e vem trazer os bandidos igual aqui no bairro. Lutam com catanas e quase se matam. A Polícia lhe prende, mas o malandro é miúdo e lhe largam nos procurador e vai mais roubar e se meter nas lutas.

Fica bem. Mais tarde, filho. Vou sair já das redes. Tenho de poupar o saldo de dados, p’ra te ligar mais amanhã. Um dia, tenho de voltar mais aí. Custa o que custar. Tudo volta. Se Lula voltou ao poder e ex-ministro angolano, também, voltou à família, por que não posso pensar assim? Se Janeiro volta a cada ano que começa, eu também. Sabe que aqui todos querem ir morrer fora, depois enterram mais aqui. Não sei se é p’ra sentir avião na morte!

Filho, deixa calar, p’ra não falar do outro que foi lutar com aquele cara! Tchau, mano. Até lá, mô filho, beijos do teu velho que te ama muito!