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Russos e ucranianos trocam acusações sobre violação ao cessar-fogo

O Ministério da Defesa russo declarou, sexta-feira, que as suas tropas apenas estão a responder aos ataques ucranianos após a entrada em vigor do cessar-fogo unilateral de 36 horas decretado pelo Presidente russo, Vladimir Putin.

07/01/2023  Última atualização 09H45
As forças russas e ucranianas no terreno reclamam vantagens sobre as posições inimigas © Fotografia por: DR

"Apesar de as tropas russas estarem a observar o cessar-fogo, o regime de Kiev continuou a atacar a populações e as nossas posições com artilharia", disse o porta-voz do Ministério da Defesa russo, tenente-general Igor Konashenkov, citado pela agência oficial TASS.

Konashenkov especificou que, a partir de um local próximo da cidade de Novopavlivka, na região de Zaporijia, no Sul da Ucrânia, as forças ucranianas realizaram oito ataques com fogo de artilharia e outros três na região de Lugansk.

"Com o fogo de resposta, as tropas russas esmagaram as posições das Forças Armadas ucranianas de onde os ataques foram lançados", disse Konashenkov.

Segundo o Kremlin, a decisão de Putin de declarar um cessar-fogo unilateral foi tomada em resposta ao apelo do Patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, Cirilo, com o objectivo de se poder celebrar hoje o Natal ortodoxo.

Quinta-feira à noite, o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, acusou a Rússia de tentar "usar o Natal como disfarce" para deter o avanço do Exército ucraniano e reagrupar as suas tropas.

O exército russo já tinha reivindicado ontem estar a respeitar o cessar-fogo unilateral de dois dias decretado por Moscovo acusando, porém, Kiev de continuar com os bombardeamentos.

No entanto, em Bakhmout, epicentro dos combates no leste da Ucrânia, os duelos de artilharia não pararam, apesar da entrada em vigor de um cessar-fogo unilateral decretado pela Rússia por ocasião do Natal ortodoxo.

Os jornalistas da agência noticiosa France-Presse (AFP) ouviram disparos, mas com uma menor intensidade do que nos dias anteriores, dos lados ucraniano e russo após o início do cessar-fogo nesta cidade, em que as ruas estão em grande parte destruídas e desertas,

 

 Ataque a Makiivka

O Ministério da Defesa russo atribuiu a responsabilidade pelo ataque mortal ucraniano sobre a cidade ocupada de Makiivka à utilização ilegal de telemóveis por parte dos seus soldados, reportaou a Reuters. Em causa está uma investida que, de acordo com a Rússia, tirou a vida a 89 dos seus militares.

Segundo a fonte citada, que disse ainda ter lançado uma investigação oficial ao sucedido, a principal razão por detrás do ataque foi, claramente, a utilização ilegal "massiva" de telemóveis por parte dos militares do país.

"Esse factor permitiu ao inimigo localizar e determinar as coordenadas da localização dos soldados, para levar a cabo um ataque com mísseis", referiu o Ministério, numa declaração emitida esta noite (pelas 22h de Portugal Continental).

Porém, a propósito deste tema, Semyon Pegov, um influente correspondente de guerra russo galardoado com a Ordem da Coragem pelo próprio Presidente, Vladimir Putin, questionou o raciocínio apresentado pelo Ministério.

Numa publicação na rede social Telegram, defendeu que a Ucrânia tira sido perfeitamente capaz de localizar as tropas russas com o recurso a drones e a sistemas de inteligência, e não necessariamente através de telemóveis.

"A história dos 'telemóveis' não é muito convincente", considerou Semyon Pegov, que acrescentou: "Raramente digo isto - mas este é o caso em que, provavelmente, seria melhor permanecer em silêncio, pelo menos até ao fim da investigação. Como tal, parece uma tentativa direta de atribuir a culpa".

Na perspectiva deste correspondente, é também de esperar que o número de baixas confirmadas após esta investida ucraniana sobre Makiivka venha a aumentar. "Infelizmente, o número vai continuar a crescer. Os dados anunciados são apenas os mais prováveis para os óbitos imediatamente identificados. A lista de desaparecidos, infelizmente, é visivelmente mais longa. Não posso revelar as fontes, mas considero-as fiáveis", esclareceu.

Inicialmente, Moscovo tinha disse que 63 soldados russos tinham perdido a vida no decorrer desses bombardeamentos do fim de semana. A mesma fonte explicou ainda que quatro mísseis ucranianos atingiram um quartel temporário russo localizado num estabelecimento de ensino profissional em Makiivka, que fica no leste da Ucrânia.

Recorde-se que as Forças Armadas da Ucrânia confirmaram, efectivamente, ter lançado um ataque que resultou na perda de equipamento e, possivelmente, de pessoal militar russo nas proximidades de Makiivka. Porém, não forneceu mais detalhes sobre o sucedido.

  Estados Unidos evitam comentar novas situações

Os Estados Unidos abstiveram-se de lamentar o ataque ucraniano que matou dezenas de soldados russos no Leste da Ucrânia, por considerarem que as forças de Kiev estão a lutar e a defender-se da guerra.

John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América, realçou que não existe "nenhum lamento" por parte da administração liderada por Joe Biden.

"Isto é a guerra. Os ucranianos foram invadidos e estão a lutar e a defender-se", sublinhou, durante uma conferência de imprensa.

"Os soldados russos que estão no território ucraniano são um alvo legítimo de acção militar para a Ucrânia, ponto final", acrescentou.

Fonte da Defesa russa aumentou para 89 o número de militares mortos no ataque do fim de semana das forças ucranianas a uma instalação em Makiivka.

O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA não comentou os números, numa altura em que o departamento de comunicações estratégicas do Exército ucraniano reivindica um número muito maior de vítimas entre as tropas russas, calculando em 400 mortos e 300 feridos.

De acordo com o Exército russo, este ataque foi realizado através dos sistemas de mísseis Himars, uma arma fornecida pelos Estados Unidos.

 

John Kirby não comentou estes dados

No entanto, este ex-militar de alto escalão destacou que os norte-americanos estão "a fornecer e continuarão a fornecer aos ucranianos o equipamento e a ajuda de que precisam para se defender". "Fornecemos Himars e poderemos muito bem fornecer mais no futuro", realçou. O tenente-general russo Sergei Sevryukov referiu, num comunicado divulgado, na quarta-feira, que os sinais telefónicos permitiram às forças de Kiev "determinar as coordenadas da localização de militares" e lançar um ataque com 'rockets'.

O ataque, um dos mais mortíferos contra as forças do Kremlin desde o início da guerra na Ucrânia há mais de 10 meses, ocorreu um minuto após o início do Ano Novo, de acordo com Sevryukov.

As forças ucranianas dispararam seis 'rockets' de um sistema de lançamento múltiplo HIMARS, fornecido pelos Estados Unidos, contra um edifício "na área de Makiivka", na região de Donetsk, onde os soldados russos estavam estacionados.

As autoridades russas responsabilizaram também as forças ucranianas pela morte de cinco pessoas, quatro das quais elementos de serviços de emergência, na região de Zaporijia, no Sul da Ucrânia.

 Numa mensagem divulgada na rede Telegram, o chefe interino desta região controlada pela Rússia, Evgueni Balitski, afirmou que "cinco pessoas morreram e 15 sofreram ferimentos de gravidade diversa em consequência de ataques de artilharia de grupos armados ucranianos contra a cidade pacífica de Vasylivka".

A localidade está controlada pelas tropas russas desde março do ano passado. A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de mais de 14 milhões de pessoas 6,5 milhões de deslocados internos e mais de 7,9 milhões para países europeus -, de acordo com os mais recentes dados da ONU.

Neste momento, 17,7 milhões de ucranianos precisam de ajuda humanitária e 9,3 milhões necessitam de ajuda alimentar .

  NATO alerta para perigos da força russa

O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, avisou, ontem, que "é perigoso subestimar a Rússia" e que os Estados-membros da organização têm de investir ainda mais na área da defesa.

"É perigoso subestimar a Rússia", disse Stoltenberg na primeira intervenção do ano, na Conferência Anual da Confederação Norueguesa de Empreendedorismo, em Oslo.

O secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte acrescentou que desde o início da ofensiva russa à Ucrânia, em 24 de Fevereiro de 2022, os Estados-membros da NATO aumentaram o investimento na área da defesa, mas não foi suficiente.

"Precisamos de investir ainda mais na defesa. Esta é a mensagem da NATO há muito tempo. Já me ouviram dizê-lo imensas vezes. Agora acho que todos conseguimos perceber porque é que precisamos de uma defesa mais poderosa. Com militares em maior prontidão, equipamento moderno e soldados bem preparados", completou.

Se Vladimir Putin vencer a guerra na Ucrânia, alertou Jens Stoltenberg, "vai ser uma tragédia para os ucranianos, mas também será perigoso" para os países que integram a aliança.

"A mensagem que a NATO transmitirá para ele Putin e para outros regimes autoritários é de que a utilização da força militar vai levá-los ao que quiserem. Isso vai fazer com que sejamos mais vulneráveis", comentou.

E o que Kiev puder "alcançar na mesa das negociações depende da força que tiverem no campo de batalha", apontou.

"Por isso, se quisermos negociar uma solução pacífica, onde a Ucrânia sobrevive enquanto um país democrático e independente na Europa, a maneira mais rápida de o conseguir é apoiando [militarmente] a Ucrânia. As armas são, de facto, o caminho para a paz", sustentou.

E, "independentemente da maneira como acabar esta guerra", os países "têm de aceitar que a situação de segurança na Europa alterou-se permanentemente", recomendou.

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