Entrevista

Rui Miguel: “Aspiramos ao estatuto de potência agrícola no país”

Leonel Kassana

Jornalista

Fertilidade dos solos e abundância de água permitem a implementação de várias culturas, algumas das quais particularmente exigentes, como a videira e o olival, que já têm produções de elevada consideração, que permitem a montagem de indústrias nessa região da Província do Cuanza-Sul

11/12/2023  Última atualização 08H45
Rui Feliciano Miguel diz que o Libolo tem culturas com propensão para a industrialização © Fotografia por: DR
Qual é o quadro actual do sector agrícola, num  município com um vasto potencial por explorar, como podemos ver, de passagem por várias localidades do interior?

Relativamente à agricultura, importa avançar alguns dados, que nos parecem relevantes. No terceiro trimestre deste ano, controlámos mais de  339 hectares de terra cultivada, com predominância nas zonas húmidas (baixas). Destacamos a predominância do sector camponês na agricultura de sobrevivência, com uma forte aposta em culturas, como milho, mandioca, batata-doce, amendoim e feijão, sobretudo.

As culturas com forte potencial com propensão para a industrialização, aqui no Libolo, são o café, palmar, citrinos e verduras, apesar de ainda nãoestarem em quantidades desejadas, olhando para aquilo que é potencial disponível para a explorar.

No entanto, nos últimos anos, foi relançada a produção do café e a sua  a industrialização, com resultados claramente animadores, como Café Calulo e Café Bela Negra.

A nível do país, o Libolo distingue-se pela sua característica climática e qualidade dos solos férteis, que permitem a implementação de várias culturas, algumas das quais particularmente exigentes, como a videira, com cerca de 50 hectares, o que permitiu a montagem de uma indústria para a produção de vinho de mesa e licores diversos. A cultura do olival também foi lançada no Libolo, com  25 hectares, para a produção de azeitona e seus  derivados.

No município existem unidades de grande porte, como a  Canduma e Cleaomas, que produzem citrinos em alta escala, com colheitas que ultrapassam as 400 toneladas de fruta por época. Devemos destacar, também, a avicultura, que tem vindo a dar resultados satisfatórios, com a produção e comercialização de ovos e frangos no mercado nacional.

No seguimento do Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza (PIDLCP) foram destinados mais de 28 milhões e  344 mil kwanzas, para o fomento da agricultura, pecuária e pescas. Isso vai permitir, também, melhorar substancialmente, o apoio aos camponeses, associações e cooperativas.

Como é que as autoridades apoiam as famílias camponesas, associações e cooperativas? Ligado a isso, o que é que foi feito dos terrenos ociosos?

A Administração Municipal disponibiliza alguns instrumentos de trabalho para os pequenos produtores e associações de camponeses, nomeadamente  bombas de pedal, bombas submersíveis, semeadoras manuais, máquinas de corte de milho, pulverizadores manuais, carros de mão e outros meios.

Quanto aos terrenos ociosos, estão cadastrados, provisoriamente, 35 fazendas nessa condição, totalizando mais de 22.690 hectares. São fazendas abandonadas, não têm qualquer tipo de aproveitamento e já há uma estratégia do Governo, para lidar com a situação. Além disso, ainda há muitos terrenos baldios, aptos para agricultura, mas sem qualquer ocupação.

 
Que avaliação  faz hoje da agricultura no Libolo, numa comparação directa com outros municípios?

Vou directo. Hoje, o Libolo, pela quantidade de produtos que coloca em diferentes mercados do país, estão em condições de rivalizar com qualquer região de Angola. Os nossos produtos estão presentes em quase todos os mercados. Estamos aqui a falar de hortícolas, tubérculos, citrinos, leguminosas, banana, café e outros produtos.

Por exemplo, se for aqui perto, na Quibala, vai reparar que a maior parte dos produtos vendidos no mercado local são adquiridos dos produtores do Libolo. Isso muita gente sabe, mas podes falar com qualquer vendedor daquele mercado, para confirmar. Quem, por exemplo, mais "despeja" hortícolas no mercado do 30 em Luanda são os agricultores do Libolo.

  aqui empresas de grande pujança, agricultores de médio porte e, sobretudo produtores com  muita força e dedicação e que podem fazer Libolo a aspirar ao estatuto de uma das principais potências agrícolas de Angola. Temos tudo para dar certo, só precisamos de melhorar os acessos aos campos agrícolas, aumentar o apoio diverso aos produtores, o resto vai acontecer.

Podemos aspirar à potência agrícola em Angola.

 
  programas para a montagem de mais unidades industriais, para agregar valor aos produtos locais?

O Libolo tem todas as condições para a montagem de qualquer indústria, sobretudo do ramo agro-alimentar. Aqui há disponibilidade de terrenos para montagem de fábricas, água e eléctricidade da rede nacional, além  do quadro fiscal muito atractivo para os investidores. Tem havido algumas manifestações de interesse dos investidores, mas ainda é muito pouco, para aquilo que o Libolo oferece.

Neste momento, existem, no Libolo, 35 indústras, das quais seis panificadoras, 24 moageiras de farinha de milho, mandioca e ração animal, três para descasque de café, um moinho de café e uma fábrica de vinho, a Rancho Santa Maria. A produção de óleo de palma  e mobiliário começa a ter também alguma expressão.

No ramo da geologia e minas, há exploração de diamantes no curso do rio Cuanza, nomeadamente na Comuna da Cabuta, bem como inertes, na Munenga.


Quem passa por Calulo, fica com a sensação de se estar numa vila demasiado pacata. Pergunto: Como está a oferta de serviços do comércio, hotelaria e turismo?

Essa é um boa questão. Devo dizer, contudo, que a vila de Calulo está bem servida neste aspecto, apesar de algumas dificuldades conjunturais, que impedem a prestação de serviços de melhor qualidade. Nesta altura, há o cadastro de 203 estabelecimentos comerciais, dois hotéis, seis restaurantes, um aldeamento turístico, cinco hospedarias e cinco snack-bares. É uma disponibilidade considerável, para aquilo que é a realidade do município do Libolo. Contudo, ainda há espaço para outros operadores que queiram vir cá instarem-se.

O turismo, por exemplo, é um dos pontos "fortes",  para o qual direccionamos, também, a nossa acção, estando já em preparação aquilo a que nós chamamos "Carta turística municipal", que é, na verdade, o lançamento de um conjunto de acções concretas, para a atracção de homens  para as diversas zonas, até aqui ainda não exploradas. No total, temos identificadas 10 zonas turísticas prontas para receberem investidores.


O que está a ser  feito,  para melhorar as vias de comunicação no território do Libolo?

Essa, na verdade, foi sempre uma grande preocupação. A estrada principal via de acesso Calulo-Munenga e Calulo-Quibala, passando pelo Luati, ainda se apresenta num notável estado de degradação. No entanto, a situação está a ser mitigada, desde o lançamento, em Abril último, da empreitada para a reabilitação dos dois troços.

Neste momento, decorrem, a bom ritmo, trabalhos de desmatação da via Calulo - Munenga, que já oferece um ligeiro alívio aos automobilistas, enquanto se aguarda pelo arranque efectivo das obras de asfaltagem.

 
Mas a ligação com as comunas, como pudemos ver, é ainda caótica...

...Sim, mas o maior constrangimento é a falta de um quite de máquinas, para fazer-se intervenções pontuais nas vias terraplanadas, que ligam a vila de Calulo às sedes das comunas, para facilitar o escoamento dos produtos do campo  até aos outros mercados da província e do país, bem como a circulação de pessoas e bens.

O que temos feito e perante dificuldades em equipamentos

técnicos, são, na verdade, intervenções pontuais em alguns troços que se apresentam em condições particularmente críticos.

No interior da vila de Calulo, por exemplo, havia ravinas que  já se aproximavam do "alerta vermelho", com algumas a ameaçar cortar a estrada, com sérios ricos para a vida de muitas famílias que vivem muito próximo. Isso levou-nos a avançar para um projecto para a sua contenção, como a do Bairro Novo, um projecto de âmbito central.

Internamente, a  Administração Municipal desencadeou acções de intervenção paliativa numa ravina localizada na ponte do Bairro Capemba, em Calulo no âmbito do PIDLCP. Outras ravinas,  já identificadas, deverão ser, também, intervencionadas.

 
Quais as  acções mais relevantes, contempladas, digamos, no Programa de Investimentos Públicos para o ano prestes a terminar?

Ora bem, Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza previa a construção e reabilitação de infra-estruturas rurais, sociais e alargamento da rede de água.

Estamos a falar da construção de um ponteco na localidade da Cateta, terraplanagem de 37 quilómetros da via de acesso Calulo-Quissongo, construção e apetrechamento do edifício da Administração do Quissongo (já foi lançada a primeira pedra), uma escola primária de três salas de aula e respectiva área administrativa, no Banza dos Dambos.

Incluímos, igualmente, a reabilitação de dois postos de saúde nas sedes comunais da Cabuta e Munenga,  duas salas de aulas anexas e residência dos professores da Escola Primária Comandante Arguelles, também na Cabuta. Ainda na Cabuta, concluímos a construção de escola primária com sete salas e na Quipumba, na comuna do Quissongo foi finalizada e apetrechado um posto.

 
Como está  o grau de implementação dos projectos aprovados no quadro do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM)?

O município do Libolo viu aprovados oito projectos e foi contemplado com oito operacionalizações de oito, num valor de mais de 951.599 mil kwanzas, tendo sido até concluídos sete.

Assim, diversos serviços foram operacionalizados, como a saúde, com o apetrechamento de dois postos, o saneamento básico, reforçado com um kit de limpeza. saúde, adquirido um kit de limpeza e saneamento. Com fundos do PIIM, o Palácio Municipal do Libolo foi reabilitado, assim como a primeira fase de 15 quilómetros de estrada e passeios da vila de Calulo.

Contudo, a segunda fase deste programa encontra-se suspenso devido ao corte orçamental, relativamente ao bônus do petróleo, deixando mais de 30 jovens sem trabalho. Isso preocupa-nos, naturalmente, enquanto gestores do município.

Na Comuna do Quissongo e em Calulo foram construídas  e apetrechadas escolas com sete salas de aulas. Nesta altura, está curso o projecto de reabilitação, ampliação  e apetrechamento do edifício da Administração Municipal do Libolo, para acomodar e dar maior dignidade aos funcionários e melhorar a prestação de serviços aos cidadãos.

O PIIM regista um grau de execução financeira da ordem dos 90 por cento e física de 99 por cento.


Falemos, agora, do sector social. Qual é o quadro que nos pode traçar e  as principais preocupações nos sectores da educação e saúde?

Actualmente, temos no Libolo uma rede escolar de 20 unidades escolares estatais e uma privada, de diferentes níveis de ensino. Destas, 16 são para o  ensino primário, duas do I ciclo do ensino secundário, uma escola de formação de professores, uma do II ciclo do ensino secundário e um Instituto Superior Politécnico, privado, com 10 salas de aulas, leccionando cursos de contabilidade gestão, pedagogia, agronomia, enfermagem e zootecnia.

Para os diferentes níveis, estão disponíveis 526 professores em sala de aulas, a que juntam 62 administrativos. Mais de 4.000 alunos, dos quais 2.809  da iniciação ao ensino primário e 1.200 do I ciclo. Para, como principais gestores do município é uma preocupação muito séria.

 
Soluções estão à vista, para as autoridades inverterem rapidamente esse quadro  no sector da educação?

Isso é um constrangimento de elevadas proporções. O ritmo da construção de escolas não está a seguir a explosão demográfica, ficando muitas crianças sem espaço para estudar,  o que leva à sobrelotação das (poucas) salas de aula disponíveis. Há turmas com mais de 50 alunos e isso reflecte - se, obviamente, na qualidade do ensino. Para mitigar a situação,  seriam necessárias mais 23 escolas, com um total de 222 salas de aula, das quais uma para o I ciclo do ensino secundário, duas para o II ciclo e 16 para o ensino médio.

Na nossa perspectiva, esse crescimento de infra-estruturas escolares deverá ser seguida com a inserção urgente mais 678 novos professores, para aliviar a pressão sobre as salas de aula.

 
E quanto à saúde, como está a assistência à população no território do Libolo, sobre nas zonas mais recônditas?

A nossa preocupação é, na verdade, levar a assistência sanitária à todos os cantos do municípios. Os poucos profissionais disponíveis no sector são muito dedicados, consentindo sacrifícios enormes, para atender a elevada procura pelos serviços. Imagina que actualmente cada posto de saúde, em média, possui apenas um enfermeiro.

A rede sanitária no município é constituída por 23 unidades sanitárias, entre estatais e privadas. Destas, consta um hospital municipal, três centros de saúde e postos de saúde, totalizando 253 camas. Precisamos de, pelo menos, mais 100 enfermeiros e cinco médicos nas especialidades de cirurgia, pediatria, cuidados intensivos, ortopedia e neonatologia.


Libolo  já recebe energia da rede nacional. Pergunto, o que está a ser feito para levá-la a todas as comunidades?

Contamos com subestação, com a capacidade de 60/30 Kv, que recebe energia eléctrica, a partir  do aproveitamento hidroeléctrico de Cambutas (Cambambe).  Não obstante, a boa energia eléctrica que o município dispõe, ainda temos a Comuna do Quissongo desprovida do abastecimento, estando, nesta altura, em execução a construção de uma linha de transporte de media/baixa tensão para lá e a localidade do Luaty.

Estamos a trabalhar para que a energia eléctrica chegue ao maior de pessoas em diferentes  comunidades, a começar pelos principais centros populações.

Quanto ao projecto de construção e reabilitação da rede eléctrica, a vila de Calulo possui  3.181 focos de iluminação pública e cera de 6.655 ligações domiciliares, das 9.620 ligações previstas.

 
Na vila de Calulo, ouvimos clamores pelo irregular abastecimento de água, que  jorra nas torneiras em todas as casas. Como é que as autoridades lidam com esse quadro?

O Libolo possui oito pequenos sistemas de "Água- para- todos", uma Estação de Abastecimento de Água (ETA) e três pontos de água. Dezasseis funcionam, cinco são assistidos, quatro carecem de reabilitação pesada e outros quatro precisam de reconstrução.

Ainda neste sector, foi lançado o projecto de desassoreamento e alargamento do sistema de captação de água (albufeira) que tem permitido  maior acumulação de água. O sistema de bombeamento foi, também, reforçado.

Actualmente, hás cerca de 112 ligações domiciliares, 55 chafarizes 16 pontos de água. A Estação de Tratamento de Água (ETA) vai ser reforçada, para permitir mais 150 ligações domiciliares, serão construídas mais 30 chafarizes. Prevemos, também, o reforço do reservatório de água tratada, passando de 204 metros cúbicos, para 1000.

Uma vez concluído esse processo, a população beneficiada passará de mais 21 mil 440, para cerca de 39 mil 150 habitantes.

Nesta altura, a rede de abastecimento de  água não atende a totalidade dos 22 bairros da vila, com a população a recorrer a fontes alternativas, com todos os riscos para a saúde. E é isso, exactamente, o que pretendemos, com  as acções em curso.

 
Qual é estratégia seguida para a atracção de mais investidores para o Libolo?

Isso passa por uma aposta séria na divulgação das potencialidades agro-industriais e turísticas do município, através da comunicação institucional e outras plataformas, mostrando claramente o que o Libolo tem a oferecer. Temos, aqui, um manancial de riqueza praticamente virgem, à espera de investidores.

A melhoria das estradas terciárias, para viabilizar a ligação com o interior do município, organização de feiras para a exposição dos produtos locais, o arranque e conclusão das obras de recuperação e asfaltagem da via Munenga-Calulo e Calulo-Rio Longa, via Luati, constam na estratégia de atracção de potenciais investidores para o Libolo.

Como viram, trabalha-se actualmente na  construção de uma linha de transporte de energia para a comuna do Quissongo e a Localidade do Luati. Isso é, também, um importante chamariz para que os homens de negócios possam ajudar essas localidades. Para já, vamos garantir todo apoio institucional a quem escolher essa terra para fazer negócio.

 
O que mais lhe tira sono, como principal gestor dessa circunscrição?

(Risos) Bem, deixe-se ser claro: o reduzido número de quadros nos mais variados sectores, a começar pela educação e saúde, o baixo orçamento nos parcelares e atribuição da quota financeira da Autoridade para as condições de trabalho (ACT),  conclusão do melhoramento do projecto do sistema de água da Vila de Calulo, com as respectivas ligações domiciliares.

Preocupa-nos, também, as verbas para a reabilitação das Escola Primária Dr. António Agostinho Neto e do I ciclo Fernando Pimentel (Kwame N ́krumah), das vias secundárias desde a sede municipal às sedes comunais, falta de sistema de telecomunicação na Comuna do Quissongo, bem como a transportes públicos para a ligação com o interior do município.

A paralisação do projecto de construção e reabilitação de 15 quilómetros de estrada e a segunda fase dos passeios da vila de Calulo, que deixou sem trabalho cerca de 30 jovens, também não me dão um sono tranquilo.


Perfil

Rui Feliciano Miguel

55 anos de idade

 Formação

Licenciado em pedagogia e com um mestrado em governação e gestão pública, pela Universidade Agostinho Neto, é considerado como decano dos administradores municipais do Cuanza-Sul.

Liderou

Municípios do Hebo, Amboim e Seles.

Passagem pelo FAPA/DAA

antecessora da Força Aérea Nacional, com funções na área de contabilidade em várias unidades, Endiama, Governo da Lunda-Norte, além de várias formações, como liderança e motivação de equipas, conferências profissionais e seminários sobre direitos humanos, gestão e planeamento urbano, entre outras, tornando-o numa pessoa com forte sentido de responsabilidade e dinamismo, capaz de estabelecer óptima relação interpessoal.

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