Cultura

Ritmos da ancestralidade emergem na modernidade

Analtino Santos

Jornalista

No passado final de semana aconteceu o encerramento da segunda edição do Festival Balumuka e foi lançado o Festival Kwimbila. Foram dois momentos em que a música nacional de raiz mostrou a força da diversidade cultural e como os temas produzidos pelos artistas atingem pontos que os discursos sobre as políticas culturais não alcançam

04/06/2023  Última atualização 10H17
Malambas do Lombe © Fotografia por: Edições Novembro

Ambos os festivais são dedicados à música endógena, tratada por uns como tradicional, por outros como folclórica, e  ancestral e matricial por António Fonseca, historiador e apresentador do "Antologia”, o mais antigo programa da Rádio Nacional de Angola e um dos principais espaços de divulgação e promoção deste segmento musical, tal como o fazia o falecido Amaro Fonseca na Rádio Luanda. Aliás, a criação do Festival Balumuka foi inspirada no programa "Balumuka” de Amaro Fonseca.

O Festival Balumuka é uma iniciativa do músico e pesquisador Jorge Mulumba e do produtor da Onart Eventos e director do Palácio de Ferro, João Vigário. O festival decorreu de 24 a 28 de Maio no Palácio de Ferro.

O Festival Kwimbila é um projecto do grupo Radiodifusão Nacional de Angola sob a responsabilidade do canal Ngola Yetu dedicado às linguas nacionais. O anúncio da sua realização foi feito no dia 27 de Maio, no Palanca Place.

Diversidade rítmica

Foram cinco dias de pura diversidade rítmica e cultural das várias identidades angolanas,  numa edição marcada pela homenagem ao Mestre Kituxi, uma aula magna, conferências, feira, oficinas culturais, gastronomia e os concertos musicais.

O percurso de vida e a trajectória artística do Mestre Kituxi marcou o primeiro dia da segunda edição do Balumuka. Foi feita a projecção de vídeos com depoimentos de familiares, amigos e colegas que reconheceram e exaltaram os feitos de Miguel Francisco dos Santos Rodolfo "Kituxi” em prol da música, da promoção e valorização dos instrumentos tradicionais e identitários nacionais. 

Dentre as personalidades que prestaram depoimentos,  mencionamos Mestre Zeca Moreno (músico e presidente da UNAC), Paulo Flores, Bonga, Victor Gama, Cabuenha Janguinda (artista multidisciplinar), Nina Barati (etnomusicóloga), Ana Luísa (filha), Celso Rodolfo (filho), Ana Paula (neta), Mestre Camisa (fundador do Abadá Capoeira), Rodrigo Mourais (músico brasileiro), Jorge Mulumba (músico), Filoshelsia Mulumba (neta), Lourdes António (bailarina), Mila Costa (bailarina), Dina Cláudia (bailarina) e os jornalistas Ismael Mateus e Sebastião Lino.

O jornalista Ismael Mateus disse que se tratava de uma homenagem merecida, por ser uma grande figura da música tradicional angolana. "Miguel Rodolfo é um registo muito importante, e foi bom que a homenagem aconteceu ainda em vida. E deve ser extensiva a outros artista nacionais”.

Acrescentou que o mestre Kituxi fez um trabalho de grande valor e musicas com muitas qualidades, salientando que já é tempo de o artista conquistar o Prémio Nacional de Cultura e Artes.

O Governo de Luanda esteve representado pela directora provincial da Cultura, Turismo, Juventude e Desportos, Tatiana Mbuta. A responsável salientou que o mestre Kituxi é merecedor dessa singela homenagem pelos feitos e o contributo que deu e continua a dar até aos dias de hoje no music hall angolano. Ressaltou que Kituxi elevou a bandeira de Angola além-fronteiras através dos instrumentos tradicionais que identificam a nossa cultura. Tatiana Mbuta acrescentou: "pelo que reuni em termos de requisito, o Mestre Kituxi deve ser merecedor do Prémio Nacional de Cultura e Artes, fez muito pela cultura nacional e continua a ser bem representado pelo grupo Nguami Maka”.

A exibição do ATL Meninos da Fubu marcou a abertura, mas a apresentação do concerto "Fragmentos” do grupo Nguami Maka, assente na aula magna proferida por Jorge Mulumba, fechou com chave de ouro o primeiro dia. Fragmentos, com temas conhecidos e novos para a plateia, foi uma viagem entre a tradição e a modernidade. De acordo com Jorge Mulumba, é um conceito que começaram e não sabem quando vão acabar: "Sendo que tem coisas já acabadas, outras por acabar, daí ser um produto muito longe daquilo que é habitual na música tradicional. Nós trazemos uma visão da relevância dos instrumentos e do instrumentista, onde a intimidade tem de ser tida em conta, e o improviso segue uma ordem que respira nuances jazzísticas do ponto de vista da concepção”.


África  festejada à maneira angolana

Gabriel Tchiema foi o artista chamado para fechar o segundo dia, por sinal o dedicado ao continente africano. O dono de "Mulequeleque” desfilou com este e outros sucessos, como o hino  ao amor em cokwe "Azulula”, numa noite onde houve o casamento perfeito entre a Cyianda, Makoko, Miting, e outros ritmos do Leste, e o Jazz e outras tendências sonoras. Neste dia, a diversidade étnica de Angola esteve em evidência com os Vindjombas, representando os Kwanhama, Jakana e Tua Moneca com a musicalidade dos Ambundu e MM Yetu a combinação Bakongo e Cokwe no diálogo tradição e modernidade. O professor Ginzamba Justino foi o responsável pela oficina criativa de Marimba e o conferencista escolhido foi o historiador e antropólogo Filipe Vidal.


Todos dançaram "Virou Pincho”

Totó ST fechou a sessão do dia 26 com uma boa performance,  mas o grupo Tunjila Tuajokota, que o antecedeu, estremeceu o Palácio de Ferro. A legião de admiradores era grande, uma boa parte proveniente das zonas periféricas de Luanda, que ficaram e vibraram ao som de "Virou Pincho”. Neste dia fizeram a festa em palco Os Netos de Ngola Mbandi, Doy do Soweto e Mizangala, numa proposta assente na rítmica do Corredor do Kwanza. Neste dia, Patrice de Lemos "Txitxi” esteve engajado nas oficinas criativas destinadas à ngoma e o professor Gilberto Capitango foi o orador de uma palestra dedicada à arte.


"Muana” e "Toledo”

Socorro, Família Chiclé e Makuma Mambo animaram a quarta noite do festival, em momentos de muita interação. Foi com temas como "Muana” que Socorro fechou e fez dançar a assistência nos estilos Kilapanga, Belissango, Soukouss e outros. O artista e a sua banda proporcionaram um dos espectáculos mais consistentes do Balumuka. Como palestrante actuou o professor Armando Zibungana e, no momento da oficina criativa, Ginzamba Justino fez uma abordagem sobre o kissanje.

Neste dia, Makuma Mambo, o guardião do kissanje, também prendeu a assistência ao executar o tema "Kulimbimbi”, com o público a puxar pelo som e o artista a ter que ficar mais tempo em palco. Família Chiclé mostrou que a antiguidade é um posto. Quando interpretaram "Toledo” foi um momento mágico. Também actuaram neste dia Coral Lírios, Ngana Munana, Brilhantes de Kiwaba Nzoji e Ngunza ku Marimba.

Patrícia Faria e Kumbi Lixia

A cantora Patrícia Faria teve a responsabilidade de encerrar o festival. A "show-woman” surpreendeu os presentes ao sair da zona que mais a identifica. A artista explorou, na primeira parte, os estilos do Centro-Sul do país, com "Tambula ó saia” e outras canções em Umbundu. Também recorreu à parceria com Rei da Costa para trazer ao palco Cyanda do Leste. Paty justificou o repertório porque montou um concerto "que reflectisse o espírito do festival”. No final, sucessos da linha tradicional e contemporânea galvanizaram o público.

Kumby Lixia foi o penúltimo a actuar e provou também o seu estatuto no movimento da música tradicional. Saído do FestiSumbe, o artista levou poeira ao Palácio de Ferro com os seus principais sucessos:  "Yalinana”, "Mana Exie”, "Camuzangala”, "Chau” e o seu cartão-de-visita "Nguele Mucandumba”.

No último dia, também estiveram em palco "Os Jovens de Caculama”, "Malamba do Lombe”, "Kudimuena Kota”, "Adietu”, "Kamba dya Muenhu” e o grupo coral "Kima Kietu”, projecto infantil da Casa de Cultura do Rangel "Njinga a Mbande”.

Balumuka - Baluarte da Música Angolana é um festival que emerge da necessidade de contribuir como mais uma plataforma interventiva em prol da valorização e promoção da música e dos instrumentos tradicionais angolanos. A sua primeira edição decorreu em Abril de 2022. A proposta,  com periodicidade anual, é uma iniciativa no âmbito da parceria entre o músico e pesquisador Jorge Mulumba e a Produtora Onart, no seguimento do trabalho conjunto que têm vindo a desenvolver nesse sentido desde 2018. O ano passado, aconteceu em Abril e o homenageado foi o jornalista Amaro Fonseca, a voz que popularizou a palavra "Balumuka”.

 
Depoimentos

Elizabeth Contreiras: "O projecto é interessante e o facto de ser feito por jovens marcou muito, porque no passado eles não estariam aqui a celebrar o Dia de África e a nossa cultura. Espero que  a divulgação seja maior, porque só soube hoje no último dia”.

Manuel Gonçalves, vice governador de Luanda: "É uma iniciativa boa, aliás, nós já vimos acompanhar o Balumuka há muito tempo. O Governo da província sempre deu o apoio necessario. Este ano, o festival trouxe algumas novidades, não apenas a nível da qualidade dos espectáculos mas também dos artistas”.

Patrícia Faria: "Balumuka é a mensagem de preservação da nossa herança cultural, é o alerta para o levantar de um povo na defesa da cultura, do que é a sua identidade e nos apercebermos do quanto ela é rica. É preciso ensinar as novas gerações”.

Ras Tukah Farai: "É um projecto que veio para ficar, que traz o que é mais atractivo na nossa cultura tradicional. Vi neste projecto artistas que eu não via noutros palcos. O festival está a dar abertura a muitos nomes. Tiro o meu chapéu à organização, foi um programa recheado. Eu gostaria de ver todos os grupos. Gostei de ver os Meninos da Fubu, MM Yetu, Gabriel Tchiema, Socorro  e a Patrícia Faria que fechou em grande”.


Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Cultura