Opinião

Regime Jurídico da protecção social dos praticantes desportivos profissionais (I)

O Regime Jurídico da Protecção Social dos Praticantes Desportivos Profissionais é nada mais senão um sistema de princípios e normas jurídicas que regulam a relação contributiva-prestacional fundamentalmente estabelecida entre o Instituto Nacional de Segurança Social, doravante INSS, na qualidade de órgão gestor da protecção social obrigatória, e os praticantes desportivos profissionais, no intuito de proteger estes em face de determinadas eventualidades.

21/03/2023  Última atualização 06H00

Este regime, no que tange às relações subordinadas, está grosso modo e presentemente plasmado no Decreto Presidencial número 86/22, de 12 de Abrile surge no esteio da Constituição da República de Angola, que no seu artigo 77.º consagra o direito à protecção social a todos os trabalhadores, na senda da Lei número 7/04, de 15 de Outubro- Lei de Bases de Protecção Social, que nos seus artigos 17.º e 22.º insere os trabalhadores por conta de outrem e por conta própria respectivamente no seu âmbito de incidência subjectiva e, enfim, em decorrência da Lei número 5/14, de 20 de Maio- Lei do Desporto, que na norma do seu 61.º artigo estabelece a obrigatoriedade  de institucionalização do sistema da segurança social dos praticantes desportivos profissionais.

Como se depreende da leitura e interpretação do sistema jurídico angolano, bem como da apreciação da realidade prática hodierna, as pessoas que exercem uma actividade manual ou intelectual, no seu interesse ou não, sujeitando-se ou não à subordinação de outrem, com o fito de obter remuneração, compreendida como contraprestação económica, financeira ou monetária, são trabalhadoras, dessarte os praticantes desportivos profissionais são dignos deste adjectivo. Ora, estes submetem-se a riscos, pelo que são alvos de acontecimentos que contra a sua vontade implicam a paralisação da actividade laboral, como a doença, a maternidade, a velhice e a morte (que denominamos por eventualidades). Com efeito, a cessação da prestação laboral importa naturalmente a falta de remuneração, haja em vista a sinalagmaticidade inerente destas duas realidades, quer no trabalho por conta de outrem quer no trabalho por conta própria, facto este que pressupõe a probabilidade de vulnerabilidade do trabalhador.

Assim, com o fito de proteger o trabalhador de uma eventual situação indigente, a Constituição, as Leis retromencionadas e demais instrumentos normativos estatais impõem aos praticantes desportivos profissionais o dever de estabelecerem com o INSS um vínculo,sob forma de contrato de seguro, a seu favor e em benefício de terceiros, que consiste nestes efectuarem contribuições monetárias regulares, enquanto estiverem a praticar profissionalmente uma actividade desportiva e, em contrapartida, serem acudidos económica, financeira ou monetariamente em caso de maternidade, doença e velhice, ou os seus dependentes serem de igual modo sustentados, em caso de sua morte, desde que reunidos todos os pressupostos estipulados por Lei.

Do exposto infere-se com nitidez que este contrato caracteriza-se por ser público e obrigatório; público, porque constitui fonte de uma relação jurídica pública, por conseguinte de infra e supra ordenação, isto é, onde um dos sujeitos, no caso o INSS, apresenta-se revestido do poder de autoridade, pelo que nele vinca o princípio da legalidade, porquanto as suas regras estão predeterminadas por Lei que visceralmente comporta normas imperativas, logo, os seus conflitos devem judicialmente ser submetidos em jurisdição administrativa; obrigatório, na medida em que a sua celebração não se configura corolário do princípio da autonomia da vontade, porquanto não está sujeita à livre disponibilidade dos praticantes desportivos profissionais; é antes um imperativo legal, pelo que a falta de inscrição à segurança social, que se traduz na forma de estabelecimento deste vínculo, tal qual dispõe o número 1 do artigo 6.ºdo Decreto Presidencial número 227/18, de 27 de Setembro, constitui uma ilicitude na modalidade de contravenção, por consequência, susceptível de multa, como resulta claro da conjugação das normas ínsitas nos artigos 33.º e 22.º ambas do diploma normativo ora citado e 18.º do Decreto Presidencial número 97/22, de 2 de Maio.

Destarte, tal obrigatoriedade, mesmo contra a vontade de alguns trabalhadores, que vezes sem conta não vislumbram necessidade de vinculação à protecção social obrigatória e advogam a concepção disto se consubstanciar numa faculdade, funda-se no dever constitucional do Estado proteger os trabalhadores, como um pai protege os filhos menores, ainda que não pretendam frequentar à escola, considerando as desvantagens individuais e colectivas do deferimento da sua vontade, e nos princípios da solidariedade, do primado da responsabilidade pública e da inserção social.

Entrementes, convém ressair que nas relações laborais subordinadas estabelecidas pelos praticantes desportivos profissionais, diferente das relações laborais não subordinadas e das situações de trabalho por conta própria, o dever de celebrar o contrato e sua consequente sanção, em caso de "inadimplência”, incide aos empregadores destes, conforme dispõem as normas adentradas nos artigos 3.º do Decreto Presidencial número 86/22, de 12 de Abril, 19.º e 22.º do Decreto Presidencial número 227/18, de 27 de Setembro, entretanto nos termos do número 7 do artigo 7.º deste acto unilateral estatal aos praticantes desportivos profissionais, para a sua salvaguarda, é conferido o poder de solicitarem ao INSS a sua inscrição, decorridos 30 dias após o início da actividade desportiva, se não estiverem inscritos.

Posto isso, urge aludir que no concernente às relações subordinadas, o Decreto Presidencial número 86/22, de 12 de Abril não inaugura o surgimento formal de relações entre o INSS e os praticantes desportivos profissionais, pois que estes, antes mesmo da entrada em vigor deste diploma, podiam inscrever-se à segurança social ao abrigo do Decreto Presidencial número 227/18, de 27 de Setembro(ou antes da sua entrada em vigor, do Decreto número 38/08, de 19 de Junho)instrumento normativo que em sede da relação contributiva-prestacional se afigura como geral e, por consequência, subsidiário em face dos regimes especiais, como é o que constitui objecto do presente alvitre; ademais, que os praticantes desportivos profissionais que não estão subordinados a uma entidade empregadora regem-se pelo Regime jurídico do Trabalhador por conta própria, aprovado pelo Decreto Presidencial número 97/22, de 2 de Maio, (antes da sua entrada em vigor regiam-se pelo Decreto número 42/08, de 03 de Julho), como se infere do prescrito no número 1 do seu artigo 2.º

Não obstante à realidade descrita no parágrafo anterior, é facto que o número de praticantes desportivos profissionais inscritos à segurança social é bastante reduzido, presumimos por ausência de cultura da Segurança Social, iliteracia em torno desta matéria, falta de sensibilização, mas também pela impunidade perpetrada pelo órgão gestor da protecção social obrigatória; por isso, no âmbito da  missão de materialmente alargar a base subjectiva da protecção social contributiva, com vista a assegurar o cumprimento dos objectivosperspectivadospelo Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022, surge o Regime Jurídico da Protecção Social dos Praticantes Desportivos Profissionais, estabelecendo uma relação de especialidade com o Regime Jurídico de Vinculação e de Contribuição  da Protecção Social Obrigatória, aprovado pelo Decreto Presidencial número 227/18, de 27 de Setembro, que exibe uma série de particularidades mais favoráveis a estes profissionais e por conseguinte adequadas às especificidades da sua actividade, considerando ser efémera e de curta duração.

Tudo visto e ponderado, faz-se mister enumeraras particularidades do Regime Jurídico da Protecção Social dos Desportivos Profissionais nas relações subordinadas. A saber.

1-Dever de apresentação do contrato de trabalho desportivo. Nos termos da norma do número 1 do artigo 3.ºa Entidade empregadora (o Clube desportivo) deve no momento da inscrição do praticante desportivo profissional apresentar o contrato de trabalho desportivo. Esta norma visa, por um lado, evitar a fraude muito propensa no cenário desportivo e, por outro lado, proteger o trabalhador de eventual pacto leonino, como de resto, verificou-se no conhecido"Caso Vingumba”.

2-Redução no período para a reforma. Como, vg,resulta da combinação dos prescritos nos artigos 4.º e 7.º do Decreto Presidencial número 299/20, de 23 de Novembro, em regra, para ter direito à pensão de reforma, fora do critério idade que deve ser conjugado com o período de garantia, isto é, 60 anos de vida e pelo menos180 prestações contributivas, o trabalhador precisa completar 420 prestações contributivas; sendo estas mensais, significa que deve trabalhar durante 35 anos. Conforme o artigo 8.º os praticantes desportivos profissionais têm direito ao acréscimo de 12 meses por cada 48 meses de contribuições, o que quer dizer que ao fim ao cabo, feitos os cálculos matemáticos, adquirem o direito à reforma com 28 anos de exercício de actividade.

 

3- Dever do INSS devolver os valores recebidos. Considerando a natureza do contrato que é estabelecido entre os trabalhadores e o INSS a contraprestação deste organismo da Administração Estadual Indirecta só ocorre, se se verificar uma das eventualidades.

 Isto implica, por parte do trabalhador, a perda dos valores monetários se não acontecer nenhum dos factos geradores de contraprestação. Entretanto, para estimular os praticantes desportivos profissionais, apesar de não ser uma figura nova no quadro dos regimes especiais, no artigo 10.º o legislador confere a estes profissionais o direito de exigirem ao INSS o retorno das contribuições feitas, nas situações que não cumprem os requisitos previstos por Lei para obterem direito à pensão na invalidez ou na velhice e confere o mesmo direito aos dependentes dos desportista sem caso de morte destes, sem reunião dos requisitos para se beneficiarem da pensão de sobrevivência.

Chegados aqui, convém realçar que, uma vez que tais particularidades são exclusivas ao Regime dos praticantes desportistas profissionais que são sujeitos de relação laboral subordinada, apela-se aos profissionais a prestarem atenção à modalidade de contrato estabelecido ou a estabelecer com uma outra entidade, se de trabalho ou de prestação de serviços, porquanto daí decorrem consequências jurídicas de relevante pertinência em matéria de segurança social, e enfim, apelamos aos praticantes desportivos profissionais e as entidades empregadoras destas a se inscreverem à protecção social obrigatória.

EDGAR SANTOS, jurista.

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