Opinião

Recordar Fevereiro e os nossos sonhos

Fevereiro remete-nos para aquilo que foi o arremesso da nossa luta pela emancipação do colonialismo português. Depois do massacre de camponeses na Baixa de Kassanje, a 4 de Janeiro de 1961, a 4 de Fevereiro do mesmo ano, o que já vinha fermentando faz tempo expeliu do garrafão espalhando pelo asfalto e pelas estradas de terra batida a espuma que anunciava uma nova aurora.

19/02/2021  Última atualização 08H50
Esse novo amanhecer levou tempo a ser construído. O grito de 4 de Fevereiro foi o primeiro sinal de muitas batalhas que se seguiram, de arma em punho, pelas matas desta Angola fora, e politicamente, nos areópagos das grandes capitais do mundo - onde também se decidia o rumo dos povos do mundo, o rumo do próprio mundo.

Nesta Angola de Njinga Mbandi, de Mandumbe ya Ndemufayo, de Mwatchiânvua e de tantos outros guerreiros e heróis, povos determinados sabiam que não teriam o que lhes cabe por direito - o respeito pela dignidade humana e a decidir sobre os seus destinos na sua terra -, se ficassem à espera que lhes fosse dado de bandeja. O apoio do exterior à luta pela Independência foi importante, mas os angolanos não esperaram que outros fizessem por si o que era obrigação sua.

A luta pela Independência criou uma amálgama de sentimentos que perpassou Angola de uma ponta a outra. Todos os povos que constituem esta Nação puseram as suas mãos na massa para que dela surgisse algo à medida das suas aspirações. Todas as raças se juntaram e foram à luta por um mesmo objectivo e, quando Angola emerge como ente independente, a 11 de Novembro de 1975, é um país que abraça os mais nobres princípios universais de respeito pela dignidade humana: contra o tribalismo, o racismo, a discriminação sexual, as divisões étnico-religiosas e a favor da emancipação dos povos oprimidos.

Desses valores, alicerçados na Luta Armada de Libertação Nacional, brotaram lemas como "De Cabinda ao Cunene, Um só Povo; Uma só Nação”; "Na Namíbia e na África do Sul está a continuação da nossa luta” e, contra as pretensões de divisão territorial de Angola, o slogan "Ao imperialismo nem um palmo da nossa terra”.Agostinho Neto viveu pouco tempo como Presidente da República (Novembro de 1975 a Setembro de 1979), mas teve uma existência política intensa, marcada pelo desejo fervoroso de ver uma Angola unida, próspera, sem guerra, independente política e economicamente, capaz de ombrear com as nações mais desenvolvidas do planeta. Utopia?! Não há povo que viva sem um sonho a comandar a sua existência.

Apesar dos abanões que o seu consulado sofreu (as constantes agressões militares sul-africanas e depois o 27 de Maio de 1977), Neto não se desviou do foco que era construir o progresso económico e social em Angola, tendo na unidade nacional um pilar fundamental para se alcançar esse objectivo.

Neste Fevereiro, em que a pandemia da Covid-19 remeteu o Carnaval - uma das preocupações de Agostinho Neto (em Havemos de voltar) e uma das maiores expressões culturais do povo angolano - A uma exibição nos limites do espaço físico e audiovisual da televisão pública; nestes tempos, em que se faz das tripas coração para não deixar morrer muita coisa, porque a crise sanitária aliou-se à económica e financeira e cortou as pernas a muitos projectos, importa olhar para a matriz dos nossos valores espirituais como plataforma para a tarefa nada fácil de refundação do Estado.

E será a partir da cultura, entendida em sentido lato, que o processo terá de ganhar pernas para andar. Uma nova cultura política, uma nova cultura de gestão do erário público, uma nova cultura de gestão das instituições públicas. Enquanto financeiramente ventos melhores não sopram, vamos marinando entre a crise de valores sociais, que se agravou com o aumento das dificuldades económicas e sociais, e as investidas que o Executivo faz para tirar o país do marasmo em que caiu.

Do mesmo jeito como quando se deu o início à Luta Armada de Libertação Nacional, temos de ser nós próprios, os angolanos, a mudar o estado actual em que o país se encontra. Cada projecto conta e é um tijolo no esforço para construir um país melhor, na certeza de que a exigência em relação a uma nova consciência e responsabilidade em relação aos bens públicos já é visível que está a trazer benefícios para a sociedade.

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