Cultura

Poemas para Agostinho Neto

O livro “100 Poemas Para Agostinho Neto”, lançado no dia 13 último, no Memorial Dr. António Agostinho Neto, em Luanda, reúne poemas de autoria de 27 membros da União dos Escritores Angolanos (UEA). Os poemas, de um modo geral, como refere a Nota do Editor assinada pelo poeta David Capelenguela, secretário-geral da UEA, giram “em torno da nostalgia, da valorização dos aspectos culturais de Angola, da melancolia, da dor e, acima de tudo, traz-nos uma literatura que serve, igualmente, como diálogo aberto com o poeta homenageado”.

22/01/2023  Última atualização 06H21
© Fotografia por: DR

Ao compulsar o livro, que tem a dupla chancela editorial do Memorial Dr. Agostinho Neto e da UEA, salta à vista a falta de um índice, que deveria ser indispensável numa edição como esta, e o número irrisório de exemplares impressos, apenas mil. Efectivamente, atendendo à circunstância do centenário e à qualidade do homenageado, bem como ao facto dos autores serem poetas consagrados, é de estranhar tão pequena tiragem, quando há todo um país, com as suas 18 províncias, 164 municípios, 518 comunas, 44 distritos urbanos, milhares de escolas e mais de 10 milhões de alunos potencialmente leitores. Reunimos aqui, no limite do espaço disponível, alguns poemas constantes do livro


De tanta força brava

a seda de seus lábios jardins de tanto silêncio

nos dias de hoje chega ao sol

o mar de músculos rijos detalhes

ondeada a enxada abria meus olhos em pastos menores

às quatro da tarde meu quarto só dizia

a certo tempo um beijo meus cinco anos

vez ou outra meus olhos ainda descem o morro em    

   [força brava]

 Abreu Paxe


O vendedor de visões

estou a vender e a comprar visões, aquelas cegas que     

só podes observar na ilusão de um sim: imagens, ca-

minhos, cidades e países que não podes viajar. estou

a vender o olhar da águia que alcançou o inabitável

no voo inalcançável de um cometa. aceito também a   

permuta da filosofia da beleza para quando fechares        

os olhos e sentires a iluminação da cegueira. compro

e pago caro a eternidade das coisas, no singelo silêncio

dos universos: murmúrios de um sol que ainda

apagado, sonho-vivo.

 António Pompílio


Epitáfio a Agostinho Neto

És o centenário das batalhas poéticas

matai-vos

ruge aceso o brilho nos arrabaldes da alma

limpaste pedaços de desejo de morte

a corte por Deus é alma

a chuva é deserto de folhas miúdas

o sol

centelhas da alma, búzio ancestral

A língua é doce promover o diálogo e paz

tinteiro de sorriso ao ar livre

sol aberto, ais na Ucrânia, a mágoa

Bia, Naty, Paula, Eugénia, continuem unidas

Garças de nudez edénica teu corpo

álgebra de cristal e bronze

como apertam as saraivas das ancas

o trigo com que a fome do menino

são folhinhas penduradas assim

Akiz Neto


Grades

Entristeço-me

Quando penso no recomeço

Haverá algum dia

Olho para as grades que encerram

Os meus pensamentos misturados,

Em sonhos, perspectivas, ilusões

E até concretizações

Até quando

O que fazer

O que pensar

Apenas os poemas aliviam a alma

 Elsa Barber


Maza
(Água)

É deus liquidificado

Matando a sede dos mortais

Gloriosos dizem

Água para todos

Populares 10mentem

Todos para água

Potável

Pó tal vez

Fantasma Ki anda

Em torneiras eleitorais

 

Maza

(Água)

Vinde a nós em leito oral

Em leito oral vinde a nós

Escreveram no chafariz da vida:

Kwakutwadividila

(Aqui estamos perdidos)

Tu ladidi

(Estamos secos)

João Fernando André


 A) As moscas do horizonte

E Sob a escuridão das estrelas. As moscas das asas largas encontram

os caminhos

espalham as patas frescas através das luzes e dos mistérios da

imagem salgada.

Na noite de quebrar o fogo do barco: a asa esquerda desliza

sobre a paisagem imunda. A asa direita_aberta sobre os

horizontes

e as fronteiras obscuras vai rompendo os desejos dos

corpos translúcidos.

São as chamas da minha terra húmida

_ essas moscas nuas como os pássaros da rua estagnada.

 João Maimona


Recordando Agostinho Neto

Pau de imbondo te chamou

um poeta

lírico

que escreve

com as mãos

submersas na terra

Onde

tuas raízes?

Recordo: os homens

dançavam

na tua morte

como que

totalmente abandonados

à dor

Não o desejarias

mas o espanto

dominou-nos

De tanto te esperar

o povo

jamais saberá

porque partiste

João Melo


In Poemas Angolanos (1989)

Canção para Manguxi

a luta

em luto só se converte

quando

na hora derradeira

tomba o herói

mas ela

se verdadeira

para além da dor

se prolonga

o luto

quando justa a luta

o herói apenas se converte

em bandeira

 
Jofre Rocha
1988


Ainda Vive

É vida morte

e morte vida

Morreu vivo

e vive morto

Quem desabrochou

A BELA PÁTRIA!

 Lopito Feijó


Diálogo 4

Cem anos desde o teu nascimento

Continua cintilante no céu uma estrela

Destemida e imponente no fir mamento

Bela e inconfundível de cor amarela

Cem anos desde o teu nascimento

Continuas nos choros das Áfricas

No gesto prenhe das montanhas

No músculo, na dor e no movimento

Cem depois do teu nascimento

Ainda ouvimos o teu canto dolente

Num poema fechado e incógnito

 Ainda ouvimos estalido do chicote

Sobre velho dorso vergastado

De quem anda nos caminhos do mato

 Mbangula Katúmua


Palavra lavrada

no fundo do túnel faltou a palavra acesa

para iluminar a floresta da reminiscência

faltou realmente o queixume de verbos

porque depois do solilóquio do destroço

todos são a mão o braço i o antebraço

pregar o sorriso na máscara do dia

um pedaço de banana i maçã

a gente se lembra que todos comem areia

no fim do jogo de xadrez político

no fim o baralho de cartas

 Pombal Maria


Cresce Meu Milho

 ÉCresce, meu milho

cresce...

 Cresce qual falo louco

cresce como se fora muito

o sémen para a espiga

crescer como se fora pouco

o tempo para a colheita

 Cresce, meu milho

cresce...

 Cresce tão e tanto

que mesmo sem sintonia

com a seca descabida

te transformes

sem rebuço piedoso

de um terno pranto

em grito sólido

rugidor e vigoroso

com a dimensão da fome

A BELA PÁTRIA!

 Luís Rosa Lopes

1.Apetece-me dedicARTE poemas  en feitados

Cujos versos sejam notas de blues

 Poemas que não sejam compreendidos

Senão por iximbis e ituta

Kilamba

Apetece-me ainda gritar todos os sonhos

Trazer na lagoa da pátria todas as makas

Génio da natureza vem

Exorcizar akwangola

Num poema de esperança sagrada

Poemas enfeitados

Para o Kilamba - I estrofe

Ras Nguimba Ngola


Poema 101

 

Não bastam cem poemas para enaltecer o nosso poeta maior

Sendo ele

Ser humano digno de valores morais e éticos superiores

Médico curador de múltiplas feridas

Humanista de uma panóplia de afectos

Escritor poeta da liberdade

Condutor da luta pela independência

Político de excelência

Estadista da união da nação

Pessoa ímpar da nossa Sagrada Esperança

Homem calmo, moderador de causas difíceis

Este ser é Agostinho Neto

 

Lisboa, 24.05.2022

Sandra Poulson


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