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Pinto José: “Fico bravo quando uma planta é cortada desnecessariamente”

Valter Gomes| Uíge

Pinto José, de 38 anos, nasceu em 1985 na aldeia Kahenda, município do Púri, província do Uíge. Vive maritalmente e é pai de três filhos. Viveu a infância e parte da juventude na sua aldeia natal, com os pais. Actualmente, vive no bairro Mbemba Ngango, arredores da cidade do Uíge.

26/02/2023  Última atualização 07H35
© Fotografia por: Edições NovembRo

Depois do falecimento dos pais, a situação social e económica de Pinto José complicou-se. Na década de 1990 viu-se forçado a abandonar a localidade e a emigrar para a sede da província do Uíge, com o intuíto de continuar os estudos e encontrar melhores condições de vida.

"Desde sempre fui apaixonado pelo verde das plantas, o modo como elas crescem, se desenvolvem e se reproduzem. O meu sonho era ser técnico médio de agronomia, mas devido às dificuldades financeiras, de alojamento e alimentação, não foi possível estudar”, contou.

Pinto José, que só estudou até à 3ª classe, lembrou que pelas vicissitudes da vida, com realce para as dificuldades económicas, em 1995 integrou-se na Igreja Católica, na paróquia de Nossa Senhora de Fátima, no bairro Mbemba Ngango. A sua esperança era que, por meio de oração, Deus operasse um milagre, ouvisse o seu clamor e encontrasse solução para a sua sobrevivência.

"Eu acredito no milagre de Deus. Ali, poucos dias depois, humildemente fui convidado para cuidar de animais domésticos como cabritos, porcos, carneiros e galinhas”, lembrou com um sorriso nostálgico.

Explicou que para além de cuidar dos animais, a paixão do verde das plantas nos seus olhos falava alto. Organizava também os vasos de flores da igreja e da residência das Irmãs Divinas de Misericórdia, onde ele também vivia. "Foi dali que as Irmãs Divinas de Misericórdia me convidaram a frequentar uma formação básica, acelerada, em agronomia, ministrado por alguns membros da paróquia”, disse.

Feita a formação, em 2009, Pinto José começou a multiplicar e a comercializar diversos tipos de plantas, entre comestíveis, ornamentais e medicinais. Prepara a terra com a palha do café e da madeira, cria a matéria orgânica, compra as sementes no mercado e as lança no alfobre. Dias depois, as plantas rebentam e separa-as para as bolsas. Com este trabalho, Pinto José sente-se folgado. Construiu a sua própria residência e constituiu família.

O técnico agrónomo produz por detrás da sua residência mais de duas mil plantas de diversas espécies, como eucaliptos, acácias, cafeeiros, sape-sapeiros, goiabeiras, macieiras, safueiros, laranjeiras, limoeiros, tangerineiras, jambos, berinjelas, figueiras, salsas, videiras, jacas, moringas... 

"Não fiz o ensino médio pelas dificuldades financeiras que eu vivia. Aliás só estudei até à 3ª classe, mas em nome da Igreja tive a oportunidade de beneficiar de um curso básico de agronomia, onde aprendi muita coisa boa. E aqui afirmo, sem medo de errar, desde 2009 que venho a produzir e vender plantas, já tenho uma boa experiência neste ramo,  que me dá o estatuto de técnico médio. Sonho ser um empreendedor na produção e venda de viveiros de plantas, apenas me faltam alguns apoios”, contou.

O técnico, que fica bravo quando uma planta é cortada desnecessariamente, acompanha milimetricamente o desenvolvimento das suas plantas. Explicou que o crescimento das sementes depende do tipo de planta. "Por exemplo, a laranjeira demora três meses para chegar à altura do seu transplante, o eucalipto rebenta com duas semanas, o safueiro se desenvolve com dois meses”, afirmou.

"Empreendedor de plantas”

Com o seu carro de mão carregado de plantas, diariamente Pinto José percorre as ruas e bairros da cidade do Uíge, comercializando plantas a preços acessíveis. O preço depende do tipo de planta que o cliente desejar. O cafeeiro, por exemplo, custa 250 kwanzas, acácia rubra 800 kwanzas, eucalipto 300, goiabeira 200, só para citar algumas. Para quem compre a grosso há um desconto no preço.

"Tenho tido um rendimento positivo. Com este trabalho vivo e sustento a família e a formação dos meus filhos”, disse o técnico agrónomo, acrescentando que os agricultores, proprietários de quintas, empresários e pessoas singulares têm sido os clientes que mais solicitam as plantas do seu viveiro.

Pinto José afirmou que o curso básico de agronomia lhe abriu as portas para adquirir muita experiência e para ser um bom empreendedor no ramo das plantas, produzindo e vendendo plantas. Mas revelou que a sua maior dificuldade actual é a falta de apoio financeiro para adquirir bolsas para a conservação das plantas, motobomba, regadores e um espaço com mais de 10 hectares para multiplicação de plantas.

"A experiência adquirida ao longo do tempo dá-me o estatuto de técnico médio, estou em condições de instruir outros neste trabalho, mas me está a faltar algum  apoio para alargar a multiplicação de plantas”, queixou-se.

Pinto José, que já deu oportunidade de trabalho a dois dos seus irmãos, disse que em cada época multiplica mais de duas mil plantas de diversas espécies. Os seus dois irmãos desempenham o papel de alinhadores das pequenas estufas e dos regadores, bem como separam as plantas dos alfobres para as bolsas.

"O trabalho tem sido bom, trabalhamos unidos, temos repartido os rendimentos. O que ganhamos aqui sustenta as nossas famílias, por isso abraçamos forte a experiência do nosso irmão mais velho e queremos mais apoios para darmos também oportunidade de trabalho a outros jovens”, disse Rui Merge.

O mano ajudante informou que na época seca, as plantas que mais vendem são as hortícolas, nomeadamente,  salsas, manjericos, couve, berinjelas grandes, alho, cenouras e pepinos, enquanto na época chuvosa   aumenta a produção de plantas ornamentais e medicinais. "Este trabalho tem sido rentável. É a maior fonte de sustento para nós”, reforçou Rui Merge.

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