Opinião

Pequenos hábitos (culturais) que interferem no desenvolvimento

Adebayo Vunge

Jornalista

Quando olhamos para o atraso em termos de desenvolvimento económico e social em que se encontra a maioria dos países africanos, ficamos muitas vezes intrigados e procuramos perceber as razões desta estagnação e retrocesso mesmo.

01/02/2021  Última atualização 07H29
Veja-se que, em muitos países africanos, a geração que conquistou ou beneficiou da independência, num primeiro momento, por vezes hesita em assumir o inestimável valor da autodeterminação devido aos resultados do processo: guerras, fome, golpes de Estado e raros exemplos de progresso.  Então temos vindo, com alguns amigos e colegas, a reflectir largamente sobre o tema, apropriando-nos do título oportuno do livro "Por que falham as Nações”, para tentarmos perceber o que justifica esse atraso africano. E essa comparação tem maior sentido quando olhamos para a realidade equiparável em países asiáticos e da América do Sul, que se tornaram igualmente independentes no século passado.

Não são raras as vezes que o senso-comum nos leva a encarar um certo fatalismo histórico para explicar o nosso atraso económico. Eu assinalo aqui alguns hábitos (culturais quiçá, mas não apenas tradicionais) que resultaram da prática instalada em alguns países, obviamente que em Angola a realidade não é excepcional, pelo que teremos, obrigatoriamente, de repensar se quisermos galgar novas etapas para o nosso desenvolvimento económico e social.

Em primeiro lugar chamo atenção para a confiança ou auto-confiança. Ou seja, nós não confiamos nos nossos próximos. Não confiamos nos nossos governos e nem já nos nossos parentes. Isso explica, por exemplo, como refere José Maria Neves no prefácio do livro "Pensar África” de nossa autoria, que "a escravatura, a colonização e os sistemas políticos instituídos após a independência acabam por explicar a situação de estagnação e a pobreza do continente”.

O africano não acredita no seu semelhante. Tem uma desconfiança estrutural, legado secular da escravatura, com as guerras e capturas de escravos que eram posteriormente levados à América, vendidos pelos seus semelhantes. Aquilo que Acemoglu e Robinson colocam como possibilidade eu acredito que seja verdadeiro: "Pode ser verdade, hoje, que os Africanos confiam menos uns nos outros do que os indivíduos de outras partes do mundo. (…) a possibilidade de serem capturados e vendidos como escravos influenciou, seguramente a confiança que os africanos depositaram uns nos outros ao longo da história”.

Será esta a origem do atraso das trocas comerciais entre os próprios africanos? Vem daí a maior confiança no estrangeiro do que no seu compatriota? Vem daí o permanente bota-abaixo, roçando em larga medida anti-valores como a inveja? Virá daí a necessidade de procurar outras oportunidades no além-mar, em detrimento de espaços como o do vizinho?

Um outro factor que explica grandemente o nosso atraso tem a ver com alguns hábitos culturais e a forma como lidamos com eles ainda hoje. Refiro-me, por exemplo, aos óbitos que, sem dúvidas, têm um impacto exacerbado nos níveis de produtividade dos nossos trabalhadores. Gostaria de salientar que não me refiro, em si mesmo, à veneração que devemos aos mortos. Não é a solidariedade que prestamos àqueles que perderam os seus entes-queridos, uma vez que os óbitos tornaram-se num lugar de práticas verdadeiramente contra-natura. Acredito que, com tudo o que tem de negativo a volta do Covid-19, a forma de realização dos funerais talvez devesse permanecer como legado. Entre o palco de vaidades, algum espalhafato, o óbito, em particular o funeral, deveria ser visto como um momento de recolhimento. Por que razão "a prima do vizinho” precisa de faltar ao serviço para acompanhar o funeral?

A talho de foice, aproveito referir a nossa relação com o tempo. Ou melhor, o nosso sentido e compromisso com a pontualidade. Certa vez, em Londres, deveria receber uma mercadoria e a entrega estava apontada para as 13h00. Tendo na altura outras coisas para fazer, decidi engajar-me nestas e regressar a casa pouco antes da hora marcada. Para meu espanto, quando eram 12h30, a equipa de entrega e montagem estava nos meus aposentos. É claro que eu tentei explicar-lhes e lembrar-lhes que a hora marcada era as 13h00 e não as 12h30. E então o homem da entrega e montagem deu-me uma explicação lapidar.

Na altura ainda achei que fosse preconceito da parte dele uma vez que sou africano. Mas depois os meus próprios parentes esclareceram-me. A entrega não começa as 13h00. A entrega começa alguns minutos antes e termina às 13h00. É uma noção de tempo completamente diferente, muito restrita e pragmática. A produtividade é medida exactamente pelas horas de trabalho, repito de intenso trabalho na medida em que as pessoas estão no local de serviço para realizar as suas tarefas.

Não são raras as vezes em que ouvimos a expressão: o trabalho nunca acaba, pretendendo-se com isso que possa ser adiado. Na verdade, o tempo de trabalho corresponde ainda muito pouco em termos de produtividade ora por falta de organização, método, acompanhamento e controle em vários níveis. Os especialistas costumam reduzir isso em 3 P: pessoas, processos e procedimentos.
Portanto, o nosso trabalhador não tem a mínima preocupação com o tempo e os atrasos. Tem tolerância para a entrada, mas é pontual na saída. Essa ausência de rigor leva-nos, a título de exemplo, a assistir à realização de reuniões longuíssimas, intermináveis e improdutivas porque absolutamente mal preparadas ou com objectivos pouco claros para os seus participantes.

Marie-Louis Ropuvia, investigadora canadiana, tem uma tese interessante sobre esta problemática da cultura e o desenvolvimento na África negra, aprofundando três noções fundamentais que passam pela mudança de mentalidade, a gestão racional do tempo e dos recursos, assim como o aumento da produtividade.

Deixo para uma próxima ocasião um olhar sobre este tema da mudança de mentalidade que conduzirá, inevitavelmente, para uma reflexão sobre a instabilidade institucional e o papel das elites. As constantes mudanças na liderança das instituições obrigam-nos a constantes recomeços de projectos estruturantes, o que interfere na qualidade dos processos e atrasa cada vez mais o desenvolvimento.

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