Entrevista

Pedro Ivo Cristóvão : “Quem deve ter terreno é aquele que quer construir e tem capacidade”

Helma Reis

Jornalista

Quem compra um terreno infra-estruturado não está autorizado a revender, sem que tenha construído. O alerta é do presidente do conselho de administração da Empresa de Gestão de Terrenos Infra-estruturados (EGTI), Pedro Ivo Cristóvão.

05/06/2023  Última atualização 08H37
© Fotografia por: Edições Novembro

Numa entrevista ao Jornal de Angola, Pedro Ivo Cristóvão avisou que, depois da aquisição de um terreno, o comprador tem um prazo para erguer o seu imóvel, quer seja moradia ou para outro fim.  Se o prazo não for cumprido, o terreno é-lhe retirado e volta para a esfera da EGTI, para ser vendido a uma outra pessoa.

O objectivo da medida, de acordo com o responsável, é impedir que, depois da cedência ao comprador, qualquer terreno infra-estruturado seja revendido, configurando especulação. Na entrevista, o PCA da EGTI explicou as razões por que ainda não foram distribuídos terrenos infra-estruturados, cujo processo de comercialização começou, em 2019, na cidade do Kilamba.

 

A Empresa Gestora de Terrenos Infra-estruturados (EGTI) foi criada em Março de 2015 e deu início ao processo de comercialização de terrenos apenas em Dezembro de 2018. O que esteve a empresa a fazer entre Março de 2015 e Novembro de 2019?

A EGTI foi criada em 2015. E, durante este tempo, estivemos a corporizar o bordo de funcionários,  bem como tomar contacto com aquilo que seria a gestão dos terrenos infra-estruturados. A nossa gestão efectiva só começou em 2017,  porque a gestão de terrenos é feita mediante atribuição por Decreto Presidencial. Somos uma empresa de gestão de terrenos infra-estruturados em áreas atribuídas por Decreto Presidencial. Portanto, era necessário tomar contacto com os terrenos e averiguar a situação legal. Fizemos o estudo todo para que, quando tivéssemos a gestão efectiva e legal, pudéssemos agir.  Este processo foi desenvolvido entre 2015  e  2016, o que levou à criação dos instrumentos de gestão previsional que, de acordo com o nosso estatuto, é que orienta toda a nossa gestão, do ponto de vista financeiro e comercial. A primeira aparição pública da EGTI aconteceu no dia  4 de Dezembro de 2017, nove meses depois de terem sido publicados os activos relacionados com a nossa gestão. O que aconteceu, em 2019,  foi, na verdade, uma jogada de marketing, que serviu para a EGTI dizer à sociedade que a empresa está pronta para começar a comercializar terrenos infra-estruturados. Achamos que 2019 é o ano que marca o princípio e o conceito de terrenos infra-estruturados no país de forma mais abrangente e incisiva.

 

A EGTI pode ser caracterizada como empresa imobiliária, no verdadeiro sentido da palavra?

Sim. Os terrenos são activos que estão relacionados com o direito imobiliário. A EGTI é uma empresa imobiliária do Estado.

 

A esfera de actuação da EGTI resume-se à execução de políticas urbanas ou é extensiva à elaboração de propostas?

As duas. O nosso ordenamento jurídico orienta que, para se comercializar um terreno, tem de haver instrumentos de ordenamento do território, como Plano Director Municipal, Plano de urbanização, Plano de Pormenor e esquema de ocupação dos solos. Dos activos entregues à EGTI para gestão, boa parte deles não tem estes instrumentos. Sendo assim,  a EGTI passa a ser uma extensão voltada para a promoção da elaboração e apresentação de propostas. Os instrumentos de que falei não são propriedade da EGTI, mas, sim, das administrações locais. Mas nós precisamos de ter esses instrumentos para podermos pôr, por exemplo, uma igreja, um hospital ou uma habitaçãoo no local correcto. Fazemos esta dualidade porque, ao fazermos a comercialização de terrenos infra-estruturados, estamos a fazer aquilo que é a gestão racional destes activos, que fazem parte da execução da política do ordenamento do território do nosso país.

 

Qual é a relação da EGTI com as administrações locais?

A EGTI faz gestão de terrenos e o carácter do seu trabalho é estratégico, razão pela qual grande parte dos activos que estão sob a sua gestão são as centralidades. Existem territórios específicos e estratégicos onde foi posta a EGTI. Levanta-se muito a questão das competências da EGTI e das administrações. As centralidades não são municípios. O que a EGTI tem, em termos de gestão territorial, dentro de um município representa apenas  0,01por cento do território. Mas a impressão que se tem é de que esta percentagem é a amplitude.  É preciso perceber que a EGTI,  enquanto empresa, tem que fazer publicidade dos seus produtos, porque precisam de ser comercializados. Na relação com as administrações, a EGTI acaba por ser um elemento complementar, porque a empresa não está fora daquilo que é o sistema geral. A única coisa que nós temos de atribuições é a questão da cedência dos direitos fundiários da forma correcta e racional. Fora isso, as administrações têm todas as competências de emitir as licenças de construção, assim como as de limpeza e vedação de terrenos. Quando as coisas estão devidamente regularizadas, o que acontece é a criação de mais activos ou mais fontes de receitas para o Estado.

 

Como é aplicado o dinheiro que a EGTI arrecada com a venda de terrenos?

Cerca de oitenta por cento do valor que a EGTI arrecada com as vendas destes terrenos serve para replicar as infra-estruturas. Isso hoje já é visível. Por exemplo, há cerca de dois anos, a EGTI reparou, junto ao prédio A16 da cidade do Kilamba, uma ruptura sem ter sido preciso ir aos cofres do Estado. Resolvemos o problema, embora a responsabilidade não estivesse ligada directamente à empresa. Houve uma intervenção pontual, para a qual a administração local não tinha cabimentação. A EGTI, enquanto empresa, cumpriu com o seu papel. Ainda na cidade do Kilamba existe um outro problema, relacionado com a Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR). A EGTI está a comprar novos equipamentos para pôr a funcionar a ETAR em condições normais sem fazer, mais uma vez, recurso aos cofres do Estado.

 

Actualmente, quais são os limites de intervenção da EGTI? Esta pergunta é feita por saber que a EGTI apenas gere os espaços que lhe são atribuídos pelo Estado e com direitos fundiários regularizados.

Como já disse, a actvidade principal da EGTI é a gestão de terrenos, que estejam no domínio público ou privado do Estado.  A nossa tarefa é tratar da parte imobiliária, tendo em conta as políticas de desenvolvimento urbano. A EGTI, quando faz a organização do território com os devidos instrumentos, tem reservado terrenos para os órgãos públicos. A EGTI tem também a atribuição de regularizar os direitos fundiários. Se nos for entregue uma área com terrenos ocupados por pessoas que já tenham constituídos direitos fundiários antes de serem atribuídos à EGTI, não podemos anular estes direitos, mas temos que reconhecer, porque, quando entramos na gestão destes terrenos, assumimos a responsabilidade do Estado. Se o Estado cedeu antes ou depois da atribuição à EGTI, a empresa deve reconhecer e dar tratamento como deve ser. O que não quer dizer que a EGTI entra e anula. Não se anula nada! Não podemos anular os actos anteriores das entidades que tinham competência. Isto para dizer que aquelas pessoas que tinham um processo a meio do caminho e precisam de regularizar devem recorrer à EGTI. Os nossos limites de intervenção são aplicados de forma muito precisa e local. Por exemplo,  a primeira fase da cidade do Kilamba tem um plano de urbanização que, de certa forma,  já orienta o uso predominante dos terrenos que estão circundantes. Mas há outras centralidades, como a do Lobito, que têm Plano Director Municipal já aprovado,  mas não têm Plano de Urbanização.

 

O que se deve fazer quando há essas lacunas?

Quando há lacunas, a EGTI faz o papel de braço promovedor,  auxiliando as administrações, na criação destes instrumentos. A nossa acção só vale se estes instrumentos existirem. E quando não existem, criamos condições para que eles existam. Por isso é que os nossos limites são aplicados à medida das necessidades,  para se chegar ao produto óptimo, que esteja com as condições de segurança jurídica e de segurança técnica para podermos comercializar. Se for, por exemplo, um terreno que não tem ainda infra- estrutura,  a EGTI vai infra-estruturar.

 

A Administração do Distrito Urbano do Kilamba está preocupada com a cedência de espaços pela EGTI, por alegar que o processo não passa também por ela. Em declarações à Rádio Nacional de Angola, o administrador Hélio de Aragão manifestou, recentemente, o receio de a cidade do Kilamba transformar-se num musseque. Faz sentido o receio manifestado pelo administrador da cidade do Kilamba?

É legítima a preocupação do administrador. A EGTI tem o cuidado de manter sempre informadas as autoridades. O plano que a EGTI tem seguido para comercializar os terrenos que estão na cidade do Kilamba foi apresentado ao administrador cessante. Por estar o novo administrador a tomar   contacto com a cidade do Kilamba, ainda não teve, provavelmente, penso eu, tempo para um encontro com a EGTI para, a nível técnico, apresentarmos tudo quanto tem sido feito.

Como é feita a fiscalização depois da cedência de terrenos?

A fiscalização é feita pelas administrações locais. Mas, quando a equipa técnica da EGTI verifica alguma anomalia, comunicamos imediatamente às administrações municipais. Quando fazemos uma cedência para um determinado fim e o promotor faz de forma diferente, a administração e a EGTI actuam. O que tem acontecido também é a administração, quando encontra algum movimento, do qual ela não tem conhecimento, também interagir connosco. Se a actuação da administração não consegue coibir esta prática,  apegámo-nos àquilo que são as nossas regras contratuais e,  se mesmo assim o promotor não cumprir com as cláusulas,  rescindimos o contrato e não lhe é devolvido o valor que desembolsou para a aquisição do terreno. A EGTI, quando faz qualquer cedência, deve comunicar à administração, para ela ter conhecimento das áreas vendíveis e não vendíveis, assim como dos espaços verdes. O que fazemos é comunicar que o lote X ou Y foi comercializado para este fim.  Este princípio visa evitar a falsificação de documentos.

 

O défice habitacional continua a ser um problema sério em Angola. A EGTI pode ser encarada como um caminho seguro para o Estado solucionar este problema?

Pode sim, mas à medida que os terrenos,  que estão sob a gestão da EGTI,  cumprirem com os pressupostos do ordenamento do território. É preciso que tenhamos disponibilidade de terrenos, com segurança jurídica, para se fazer habitação,  seja unifamiliar ou multifamiliar. Em 2019, quando lançámos a campanha de novos preços de terrenos infra-estruturados na cidade do Kilamba, percebemos que cerca de 95 por cento das inscrições destinava-se à construção de moradias. Actualmente, a maior parte das solicitações continua a ser para habitação.

 

Quando se fala do processo de urbanização do período pós-guerra, a cidade do Kilamba é mencionada como o "epicentro da gestão urbana em Luanda". Há uma razão especificamente técnica para que a primeira fase de gestão de terrenos infra-estruturados tivesse começado na cidade do Kilamba?

Sim.  A cidade do Kilamba é que se apresentou com instrumentos prontos,  o que facilitou a comercialização de terrenos. A cidade do Kilamba é uma cidade constituída. Tem floral constituído,  plano de urbanização,  unidade de gestão e mais instrumentos técnicos e jurídicos. Depois da comercialização de terrenos na cidade do Kilamba, o processo foi desenvolvido na cidade do Sequele, por ser também uma cidade constituída e por ter floral constituído, assim como plano de urbanização.

 

O número de pessoas colectivas e singulares interessadas em comprar terrenos na cidade do Kilamba foi superior à quantidade de terrenos que estavam disponíveis na primeira fase de comercialização. Por esta razão, foi realizado um sorteio, transmitido pela Televisão Pública de Angola (TPA). A opção por sorteio é definitiva?

O sorteio apresentou-nos dois cenários, um bom e outro mau. O lado bom é a eliminação da desconfiança de que possam existir pessoas pré-seleccionadas. A questão da imparcialidade acaba por trazer, de certa forma,  alguma segurança para quem vai concorrer. O lado mau é o facto de pessoas com capacidade financeira garantida de adquirir terrenos não serem sorteadas. O sorteio não foi feito só para a habitação unifamiliar. Foi feito para todos os tipos de usos que uma cidade permite, seja, por exemplo, para educação, saúde ou comércio.

 

Quantos lotes foram comercializados na primeira fase?

Na cidade do Kilamba foram comercializados cerca de  360 lotes. Mas ainda não foram entregues por falta de infra-estruturação. Em 2020, tínhamos todas as condições de fazer as infra-estruturas, mas o trabalho não foi feito por causa da pandemia da Covid-19. Tudo ficou fechado e não conseguimos fazer nada. Em 2021,  quando se começou a ter alguma abertura,  tivemos que cumprir as regras da Lei da Contratação Pública. Nesta altura, aquilo que é a relação custo/benefício, principalmente para a empreitada, mudou drasticamente. Se, em 2020, era possível infra-estruturar 300  lotes, já, em 2021, não era possível fazer com o mesmo valor, cenário que piorou em 2022. Temos recebido muitos telefonemas e muitas críticas.

 É normal que isso aconteça. No ano passado, demos continuidade ao processo de infra-estruturação. Já não é possível fazer com a velocidade que se deseja, porque as nossas condições financeiras e técnicas são outras. Ainda no ano passado, conseguimos o visto do Tribunal de Contas e, neste momento, estamos já a infra-estruturar cerca de 96 lotes do processo de comercialização de 2019. Nós estamos à procura de outras formas de financiar as infra-estruturas para,  de certa forma,  ser cumprido o compromisso de 2019. Por esta razão, acreditamos que,  até ao fim do ano,  muito mais infra-estruturas serão feitas para atender os lotes já sorteados e ainda não entregues.

 

Qual é a disponibilidade actual de terrenos infra-estruturados na província de Luanda?

Em Luanda, temos a gestão de terrenos nas cidades do Kilamba e Sequele, no Camama,  na encosta da Boavista,  na zona do antigo Mercado Roque Santeiro, na centralidade do Km-44, no Zango 0, que, na verdade, é Vida Pacífica, no Zango 5.000, na península do Mussulo e no Futungo de Belas.

Em todos os espaços já com direitos fundiários regularizados estão disponíveis lotes para a construção de habitações sociais, como as que vão ser erguidas na cidade do Sequele, no âmbito do projecto "Kizwa Kyobe", destinado a empregadas domésticas e vendedoras ambulantes?

A nossa ideia é de que, em todos os terrenos que fazemos gestão, tem de haver bolsas para a classe trabalhadora daquela área. É assim que existe o projecto "Kizwa Kyobe”, destinado a empregadas domésticas e vendedoras do município de Cacuaco. Há uma questão que é importante perceber: a nível de empregadas domésticas, só podem concorrer aquelas mulheres inscritas no Instituto Nacional de Segurança Social, enquanto as "zungueiras” têm de estar cadastradas,  como vendedoras ambulantes,  nas administrações municipais.

 

Qual é o maior desafio do projecto "Kizwa Kyobe”?

Estamos a enfrentar vários desafios, que começaram com o lançamento do projecto, surgindo depois as fases de infra-estruturação e de inscrição das candidatas. A nossa expectativa era de que as inscrições fossem o mais abrangente possível,  mas direccionadas para aquelas pessoas que, realmente, precisam de terreno para construir uma moradia. Foi realizado um sorteio porque é necessário vincar a nossa imparcialidade. Se não houver imparcialidade, o processo fica minado. A fase mais fácil é a da entrega dos lotes e dos contratos. Mas a melhor fase será quando estas mulheres construírem as suas casas. A EGTI vai acompanhá-las em todas as fases de construção e todas elas já têm o modelo referente ao tipo de casas que devem ser construídas dentro de uma cidade com condições urbanas condignas.

 

A EGTI tem dado algum tratamento especial a pedidos de aquisição de terrenos feitos por empresas de construção civil e por cooperativas habitacionais?

Temos dado sim, tanto a empresas de construção civil como a entidades imobiliárias e a cooperativas habitacionais.

 

A construção de condomínios é permitida pela EGTI?

Sim. Estamos abertos a este tipo de projectos.

 

Qual vai ser a posição da EGTI se surgirem, depois da entrega dos primeiros terrenos, intenções de compradores no sentido da utilização de toda a área bruta?

O que a EGTI faz, assim como as formas como o faz, está tudo nos manuais e no ordenamento jurídico vigente.  Uma das dificuldades que temos está, por exemplo, na questão da mudança cultural. Ao longo destes anos, foram comercializados terrenos pela área de terreno, enquanto os nossos manuais de ordenamento do território orientam que deve ser comercializado pela área bruta de construção. Vou dar um exemplo, mencionando a cidade do Kilamba, cuja centralidade tem já estes instrumentos,  sendo um deles o Plano de Urbanização. Numa área cedida, a área para a construção não deve ultrapassar os quarenta por cento. Ou seja,  o facto de se ter [um terreno] 20 por  30 metros quadrados não significa que se deve construir nos  600 metros quadrados.

Por que razão?

Em 600 metros quadrados, deve ser ocupada para construção uma área de 210  metros quadrados, porque existem nos terrenos áreas permeáveis e impermeáveis. Nas áreas permeáveis são feitos os jardins e as zonas verdes. As áreas impermeáveis são as áreas que estão pavimentadas. Nós não podemos cobrar estas áreas porque elas não demandam das infra-estruturas. Muitas vezes, nós somos incompreendidos por aquilo que são as limitações. As infra-estruturas são feitas com diâmetros específicos para atender [diferentes] cargas. Se olharmos para uma área que tenha ductos de saneamento feitos com diâmetro de 600 milímetros ou 800 e, se nesta área estiver um hospital, o que pode acontecer é o sistema entrar em colapso em pouco tempo. Isto para dizer que o que aconteceu junto ao prédio A16 da cidade do Kilamba deve-se ao facto de o ducto de saneamento instalado ser de 800 milímetros quando o recomendável é de 1.200  milímetros, porque naquele ponto do A16 está a intersecção de todas as águas que vêm da cidade do Kilamba para a ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais). Muitas das vezes, quando vamos comercializar, os promotores não têm isto em consideração.

 

O sistema criado pela EGTI, para a comercialização de terrenos infra-estruturados, está preparado para detectar e impedir que terrenos sejam vendidos de forma irregular ou ilegal?

Está sim preparado,  porque a EGTI só faz gestão de terrenos que são atribuídos à empresa por Decreto Presidencial. De outra forma não. Com base naquilo que são os instrumentos que criámos,  para a comercialização de terrenos, rapidamente podemos prevenir. Isto porque, quando se observa a comercialização irregular de terrenos, muitos desses terrenos acabam por ocupar vias projectadas. As vias projectadas são vias públicas que não permitem a ocupação de terrenos. Há uma forte tendência de comercialização de terrenos de forma ilegal, algo que só é detectado quando se começa a construção. Quando procuramos saber o que o promotor tem e o que não tem, em matéria de documentação, percebemos que, realmente, a construção está irregular. Lançamos mãos dos meios administrativos para fazer a devida demolição.

 

O desenvolvimento urbano só se faz dentro das cidades?

A questão do desenvolvimento sustentável das cidades passa muito pela mudança de mentalidade. Nós, enquanto EGTI,  não estamos fora da problemática habitacional do país. Fazemos gestão de terrenos específicos, e sabemos que não estamos numa bolha. A grande questão é saber que, quando se cria uma área específica e com uma gestão que funciona e se torna sustentável, é preciso preocupar-se com as áreas adjacentes,  porque o desenvolvimento urbano,  na verdade,  não se faz só dentro das cidades. Deve expandir-se. Esta é a nossa preocupação. Não queremos ter só zonas específicas, como a cidade do Kilamba, porque, se assim acontecer,  vamos criar uma espécie de condomínios, habitados por quem tiver algum poder financeiro. Não é isso que queremos. Volto a acentuar que o desenvolvimento urbano não deve ficar pelas cidades.

 

Quem compra um terreno infra-estruturado fica inibido de o revender?

Quando se compra um terreno, a EGTI faz o seu acompanhamento. Há prazos que devem ser cumpridos. Caso não se verifique nenhum avanço, o terreno volta para o Estado, para ser entregue a quem realmente estiver a precisar. Quem deve ter terreno é aquele que quer construir. O objectivo é impedir que, depois da compra, o terreno seja revendido.

 

As reservas fundiárias do Estado foram invadidas por populares, sendo prova disso a existência de bairros que surgiram sem um plano-director nas imediações das centralidades. Quem ocupou ilegalmente terrenos e construiu nas reservas fundiárias não deveria ser cobrado pela EGTI?

A EGTI tenta perceber os fenómenos para tentar resolvê-los. Por exemplo, o Zango 0  tornou-se um desafio para nós. O realojamento torna-se mais dispendioso e complicado, porque têm de ser construídas, num outro lugar, novas habitações com infra-estruturas para evacuar o espaço onde há casas que deveriam ser demolidas por terem sido construídas sem autorização. Hoje em dia, o que se aconselha é que não sejam feitos mais realojamentos. O realojamento cria transtornos na vida das famílias porque são movimentadas de uma área residencial onde já criaram laços para uma outra área. As crianças passam a percorrer grandes distâncias para irem à escola, assim como os pais, para chegarem aos locais de trabalho. O realojamento cria, igualmente, outros fenómenos que podem destruir a família.

 

O que se passa, afinal, no Zango 0?

O Zango  0  tem apenas  30  por cento do território ordenado. A EGTI fez uma reorganização do território sem ter movimentado moradores. Quando se faz esse tipo de trabalho, o normal é haver sempre movimentações de pessoas. Nós queremos fazer o inverso: manter as pessoas lá, mas de forma organizada. Este desafio vai significar que podemos transformar as nossas cidades e bairros desordenados com as pessoas dentro. Muitas destas pessoas não têm segurança jurídica. Nós vamos dar a estas pessoas segurança jurídica.

 

A compra de terrenos infra-estruturados não deveria estar reservada, numa primeira fase, às pessoas que não têm casas nos projectos habitacionais construídos pelo Estado?

Não concordamos com esta ideia, porque entendemos que é de exclusão. A ideia de se vender terrenos apenas a pessoas que não têm casa em projectos habitacionais do Estado só se manteve em 2019. Nessa altura, uma das condicionantes era não ter casa. Mas esta ideia já faz parte do passado. Nós devemos vender terrenos para aquelas pessoas que queiram. Em 2019, no acto de inscrição, perguntámos aos concorrentes se já tinham casa e notámos que boa parte já tinha realizado o sonho da casa própria, mas vivendo em edifícios. Estas pessoas diziam-nos que tinham necessidade e o desejo enorme de saírem dos apartamentos e terem uma casa com quintal. Nós, angolanos, gostamos de ter quintal. É importante dizer que não comercializamos terrenos só para as pessoas que têm algum poder financeiro. Quem tem menos poder financeiro não fica de fora.

 

A actuação da EGTI não interfere nem anula a actividade dos governos provinciais e das administrações municipais e distritais, mesmo quando se trata de terrenos para a auto-construção dirigida de habitações sociais?

A EGTI, para muitos, é um corpo estranho. Em vez de se olhar para o lado positivo das coisas,  olha-se para o negativo. Não é mentira quando se diz que há muitas entidades que fazem concessões de terrenos. De acordo com a Lei de Terras, várias entidades podem fazer concessão de terrenos. Há, portanto, vários níveis de intervenção. A EGTI é só um pouco disso, mas com uma actuação mais abrangente por causa das centralidades. Mas as centralidades têm que ser pensadas como áreas infra-estruturadas estratégicas. O seu desenvolvimento depende disso.

O que falta para que os instrumentos de ordenamento do território a nível dos municípios funcionem de facto?

Nós estamos aqui para trabalhar juntos, porque o cidadão quer ver o seu assunto resolvido, uma vez que tem o desejo de viver numa área com boas condições. Como as administrações é que estão mais próximas da população, temos que trabalhar mais vezes juntos. O diálogo é o caminho.

Que apelo faz às pessoas que ainda teimam em comprar terrenos ocupados ilegalmente e sem escrituras?

Devem procurar as entidades do Estado,  para estarem informadas sobre a segurança jurídica da parcela que pretendem adquirir.


Perfil

Pedro Ivo Canga Cristóvão

 Nacionalidade

 Angolana

Naturalidade

Rangel/Luanda

Data de nascimento

15/1/1981

 

Estado civil

Casado

Filhos

2

Habilitações académicas

Licenciado em Direito, pós-graduação em Direito Empresarial e pós-graduação em Direito Ambiental

Percurso profissional

Docente, na Universidade Jean Piaget, assessor jurídico do gabinete de apoio ao director-geral do IGCA-Luanda, consultor do gabinete do ministro do Urbanismo e Habitação, membro do conselho de administração da EGTI e presidente do conselho de administração da EGTI

Passatempo

Mini golfe e ver filmes

Religião

 Católica

Prato Preferido

Muamba de galinha

 

Bebida

Água

 

Músicos (nacional e Internacional)

Yuri da Cunha

e John Legend

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Entrevista