Opinião

Paz e segurança nacional

Apusindo Nhari

Jornalista

"Mas, Kota, na crónica anterior nem se dignou mencionar o edifício da Academia de Pescas do Namibe?" Começava assim com esta pergunta o e-mail que recebemos da Luquene, jovem estudante universitária da cidade de Moçâmedes.

14/02/2021  Última atualização 11H00
E tem razão, pois reagia à breve enumeração de "investimentos" por nós feita nessa crónica. O imponente edifício com os seus mármores, e o destino enviesado que se lhe deu, são um símbolo lapidar das incoerências e inconstâncias do que fomos fazendo com o nosso ensino superior.

Um dia destes, quem sabe, reagirá um estudante da Universidade LuejiA'Nkonde, partilhando a profunda tristeza que paira no ar, depois do que aconteceu em Cafunfo. Vidas lamentavelmente sacrificadas.
No meio de tudo o que temos ouvido e lido (do que se discursa, comunica, cronica...) ocorre-se-nos pensarem como se sente o cidadão angolano das várias latitudes violentamente assimétricas do nosso país, perante a nossa elaborada Constituição... Será que conseguimos realmente perceber o que sente a gente humilde, discriminada e fragilizada por tantos anos de privações e de promessas?

Estamos ainda longe de uma Constituição que represente a consciência e o sentimento de pertença de todos os angolanos. E, como já há uns meses, um outro jovem estudante de Direito em Luanda nos perguntava se os juristas e associados que organizaram o pacote deste Art.º 21 que temos estado com ele, trabalharam mesmo bem ao separar as alíneas "a)" e "j)"...– achámos que, no fundo... vem mesmo a calhar a complementaridade do "garantir” e do "assegurar” que elas evocam.
Diz a (a): "Garantir a independência nacional, a integridade territorial e a soberania nacional; "enquanto a (j) diz: "Assegurar a paz e a segurança nacional". Sem tirar nem pôr. Ambas proclamadas obrigação do nosso Estado.

Reforçando aquilo que considerámos já fundamental sobre este tema, quando há dois meses escrevemos, sobre a alínea a):a segurança nacional (e também a paz e a soberania) não é apenas a ausência "visível” de guerra ou de conflitos. É ausência de razões para que as guerras e os conflitos violentos tenham lugar: falta de educação, saúde e habitação decente para todos, fome, discriminação, barreiras ao usufruto pleno da liberdade e de acesso justo a oportunidades.
Resta-nos pois avaliar como estamos nós em relação a essas "razões subjacentes” à violência: até que ponto persistem no nosso país? A paz assegura-se com a sua minimização e não com a passividade imposta pelo poder dissuasor que a força letal sempre tem, que só gera mais razões para erupções cada vez mais violentas.

Mas a paz que defendemos é compatível com a existência de conflitos de ideias, de interesses, de prioridades, de visões do mundo. Permitindo que essas diferenças se explicitem e se disputem, num ambiente de tolerância e respeito. A paz duradoura assenta na capacidade de manter as condições para que os confrontos se resolvam de forma construtiva, num contexto em que as instituições devem garantir a segurança dos cidadãos que servem.

O país enfrenta grandes dificuldades, todos reconhecemos. E já que Roma e Pavia não se fizeram num dia, devemos perguntar: como é que os sucessivos governos se têm aproximado do cidadão? Que consciência tem este de que se não estamos melhor, não é por falta de empenho nem por erros graves que se poderiam ter evitado? Têm-se preocupado em demonstrar-lhe o quanto têm transpirado para criar um país de justiça e igualdade de oportunidades? Um país com projectos consistentes e ambições realistas?

Se se partilhasse com o cidadão o que os membros do governo realmente fazem (e como o fazem), explicando-lhe o empenho que aplicam em superar as dificuldades e limitações, talvez se instilasse na sociedade um sentimento colectivo de confiança. Fazendo com que a incompetência e os desvios não se pudessem disfarçar. A sociedade compreenderia que têm estado a fazer o melhor que podem e sabem, criando confiança que muito ajudaria a caboucar a paz.
Quanto à segurança nacional, sabemos todos que herdámos fronteiras territoriais desenhadas por quem não legislava nem governava para o bem estar dos angolanos. Não nos restou alternativa senão com essas fronteiras criar um país e montar um Estado (baseado em leis assentes nos preceitos da língua e da cultura que nos deixaram e que ainda dominam).

Mas criar uma nação é ainda mais premente. Por via de um debate em que aprofundar o conceito do que é "ser angolano" não constitua um álibi, nem desculpa para desviar a atenção dos problemas urgentes que o país vive num dado momento... Evitando cair no ridículo de querermos instantânea e mediocremente definir identidades, quando se trata de uma questão permanente na edificação da nação, que se resolve pela implementação de um verdadeiro Estado de Cultura, de Direito e de justiça social para todos.
A exclusão de cidadãos, na base de qualquer tipo de discriminação, é uma forma de criar conflitos absolutamente estéreis e desnecessários, moral e psicologicamente errados, e muito violentos para todos.
O Estado deve trabalhar arduamente para o desenvolvimento de uma sociedade onde todos possam usufruir não apenas de segurança física mas também de segurança em relação ao futuro.

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