Sociedade

Páscoa em tempo de Covid-19 reforça fé e aproximação a Deus

Augusto Cuteta

Jornalista

Os joelhos de dona Ana Neves parecem muito familiarizados com o piso do templo. Nem a força dos cerca de 70 quilos de peso corpóreo depositada sobre esses membros demonstra algum desgaste físico durante os dez minutos que se prostra junto de uma exposição de Cristo crucificado.

04/04/2021  Última atualização 06H59
© Fotografia por: DR
O olhar é fixo para o alto da cruz, enquanto os braços são jogados para cima. Às vezes, tem as mãos sobrepostas uma à outra e concentradas no centro do peito, numa altura em que as expressões labiais são mais visíveis. Porém, as palavras indecifráveis saem de um coração que roga o perdão do Senhor.

Cumpridos os minutos de reza, depois do conhecido sinal da cruz, a senhora, vestida de blusa branca e panos timbrados com imagens de Maria, a Virgem Mãe de Jesus, e lenço à cabeça com ilustrações do Papa Francisco, levanta-se. Já em pé, inclina-se para o altar e sai do templo sagrado de Nossa Senhora de Fátima, ex-São Domingos.

Ainda descia as escadas, quando a abordámos. Numa conversa rápida, uma vez que se esgueirava naquela manhã de quinta-feira para a labuta, ao bairro São Paulo, a mulher, de 52 anos, refere que virou costume passar à igreja antes de ir ao serviço. A constante devoção a Deus diz ser, também, o cumprimento de uma orientação dos sacerdotes, principalmente nesta fase da pandemia do novo coronavírus, para que se sinta mais próxima e protegida de Cristo.

"Meu irmão, esses joelhos já andam calejados. Mesmo em casa, ninguém come nem vai à cama sem antes fazermos uma corrente de adoração e preces ao Senhor.
Os dias estão difíceis e precisamos cada vez mais de Deus. Necessitamos de estar com Deus, para que O sintamos em nós”, refere, enquanto se despede da nossa equipa de reportagem.

Antes de partir, naquele caminhar a passos lentinhos, que a facilitava desfazer-se e guardar o pano numa pasta azul-escuro, para exibir uma saia preta, que combina com a cor dos sapatos, Ana Neves revela que "a Covid-19 não pode matar a fé dum verdadeiro cristão. Aliás, essa pandemia veio mostrar que estamos mais unidos a Deus, porque, se estamos vivos, é porque Ele quer mostrar o Seu amor por nós”.

E essa aproximação a Deus, através da acções benéficas ao próprio homem e da oração, deve ser uma constante, tal como defende o arcebispo de Luanda, D. Filomeno do Nascimento Vieira Dias, minutos a seguir à celebração da Missa Crismal, uma espécie de renovação de votos sacerdotais, na quinta-feira, na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima.

O líder da Igreja Católica em Angola salienta que é desta forma que os cristãos devem encarar a Páscoa como o despertar do homem, que, no caminhar, no meio da visibilidade, da materialidade das coisas, não deve se afastar da realidade certa, que é Deus.
"Deus é a nossa origem e o nosso destino. É Nele que existimos, é Nele que nos movemos e é para Ele, de modo definitivo, que nós caminhamos”, aponta D. Filomeno Vieira Dias, para quem "essa é uma boa notícia, por ser evangelho”.

Tal como faz Ana Neves, o arcebispo de Luanda apela os outros cristãos, católicos ou não, quer nos dias antecedentes quer nos posteriores à Páscoa do Senhor, a viverem no espírito de confiança em Deus, na fraternidade, na irmandade, bem como no desejo de bondade e de perfeição.


Fé na presença de Jesus
entre os homens

A Páscoa não é uma celebração católica apenas, mas de toda a profissão cristã, em homenagem à ressurreição de Jesus, que encerra, no calendário cristão, a conhecida Semana Santa, que é a última semana da Quaresma, tal como explica o reverendo Diogo Raimundo, da Igreja Metodista Unida.
O pastor metodista avança ainda que, durante a Semana Santa, os fiéis cristãos devem permanecer por 40 dias em penitências e períodos de jejum, embora realce que as práticas neste tempo variam de acordo com a denominação religiosa. "Por exemplo, os católicos e os protestantes têm práticas diferentes durante a Páscoa”.

Mas, apesar dessas diferenças, na conversa amena e descontraída com os jornalistas, o pastor Diogo Raimundo deixa claro que a Páscoa trás para os cristãos a certeza de que Jesus está vivo entre os homens. "Ele está presente em cada gesto de amor, gentileza e preocupação com o próximo”, salienta.

Antes de fazer uma abordagem sobre o comportamento da Igreja face à situação da pandemia da Covid-19, o reverendo garante que Cristo Ressuscitado sorri cada vez que os homens praticam a empatia e seguem Seus mandamentos, sem julgar os irmãos, ao reforçar a ideia de que Jesus ama a todos sem qualquer exclusão.

Tal como os católicos, os cristãos metodistas, antes da Páscoa vivem com intensidade o período da Quaresma, através da prática de penitência, como jejuns e obras de caridade. Esse tempo, agora com 44 dias, por iniciar à Quarta-Feira das Cinzas e encerrar no Domingo de Ramos, vem do século IV depois de Cristo.

O pastor Diogo Raimundo esclarece que a Páscoa acontece uma semana depois do Domingo de Ramos, esta última, uma comemoração que marca a entrada triunfal de Jesus à Jerusalém, onde o povo O recebe com ramos de árvores e estende tecidos no chão por onde passa, em cima de um jumento e canta: "Hosana ao filho de Davi. Bendito o que vem em nome do Senhor. Hosana nas alturas”.

Essa alegria dos cristãos do mundo inteiro, tem sido, nos últimos tempos, colocada em provação, com o surgimento da pandemia da Covid-19. Sobre isso, o pastor metodista lembra que os filhos de Deus não devem temer, embora devam se prevenir, assegurando que a Igreja deve celebrar a Páscoa, sem descartar as medidas de biossegurança.

Por exemplo, o reverendo Diogo Raimundo salienta que aqueles, cuja a situação os coloca em situação de risco de contágio elevado, devem estar em oração com a família em casa, onde podem prestar o culto através de meios tecnológicos, como a Internet, (Facebook, WhatsApp ou outra ferramenta).


Viver Cristo com intensidade

Na Quinta-Feira Santa, em dia ensolarado, o cônego Apolónio Graciano, um dos participantes da referida missa de renovação sacerdotal, considera a Páscoa como uma celebração com significado bastante positivo, por estar ligada à ressurreição de Jesus Cristo, Àquele que chegou ao mundo para cumprir a verdadeira missão de Deus Pai.

O pároco de São Carlos Luanga, na Urbanização Nova Vida, realça que, desde então, Deus prometeu que renovaria e reconciliaria os homens Consigo próprio, tendo usado Jesus para essa missão espinhosa de facilitar esse processo. "Mas, isso custou a Cristo uma paixão e uma morte, que, felizmente, culminaram com a Sua ressurreição”. O padre explica que essa missão de Cristo tem ramificações com os desejos de Deus de dar a vida em abundância aos homens do mundo inteiro. Daí, refere, a Páscoa mexer de forma incomparável com as pessoas, marcando a vida de todos e de suas gerações, há mais de dois mil anos.

Para celebrar com dignidade a Páscoa, que se assinala hoje em todo o mundo cristão, o cônego pede que as pessoas deixem de encarar a data como uma questão rotineira e de lembranças.
O sacerdote diz que não é em vão que a Igreja, antes desse dia, prepara os cristãos em 40 dias de Quaresma e uma Semana Santa, que termina com a Vigília Pascal, no sábado.

"Dado o impacto da celebração, esses dias todos são para preparar os cristãos, no sentido de viverem com intensidade a Páscoa”, menciona ao avançar que, antes, os religiosos submetem-se a penitências, à oração e à meditação intensas da Palavra de Deus e no reviver dos ensinamentos de Jesus com maior profundidade.

Apolónio Graciano acrescenta, igualmente, que os ensinamentos de Cristo vieram ensinar aos homens e às mulheres uma forma de saber, de viver e de estar.
Por isso, defende o padre católico, cada cristão deve viver com maior intensidade esses momentos, para no dia de hoje cantar o "Aleluia” com satisfação.

"Vamos cantar com alegria, porque a nossa vida ganhou sentido com a morte e a ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo”, anima-se o sacerdote da Arquidiocese de Luanda. Para o sacerdote, a situação pandémica que assola o mundo é uma preocupação permanente e inquietante, por não se ter uma ideia de quando o novo coronavírus pode ser combatido na totalidade.

Mas, apesar disso, o cônego Apolónio Graciano alerta sobre a necessidade das pessoas se transformarem.
"Devemos deixar de viver as coisas indignas, uma vez que há situações que nos acontecem por causa dos nossos pecados”, realça para avançar que, como homem de Deus, sabe que "quando  o  mundo peca demais, podem surgir coisas que achamos más para corrigir a nossa forma de estar e de ser”.


Visão dos adventistas
do 7º Dia

A Páscoa do Senhor dá-se num domingo. Daí os cristãos adoptarem esse dia da semana como o de maior devoção e adoração a Deus.  Porém, essa Páscoa dos cristãos, que está relacionada com a crucificação, morte e ressurreição de Jesus, é diferente da comemorada pelos judeus.

Para os cristãos, como refere o reverendo Diogo Raimundo, da Igreja Metodista Unida, a Páscoa é uma das principais comemorações da tradição cristã, quiçá a maior, por evidenciar a importância da crença da ressurreição de Cristo, com respaldo no Novo Testamento.

Ao destacar a importância da Páscoa do Senhor para o cristianismo, o pastor socorre-se a uma fala do apóstolo Paulo, em I Coríntios 15:14, segundo a qual "E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e, também, é vã a nossa fé”.

Porém, explica que a manifestação é da tradição judaica que relembra a libertação do povo hebreu da escravidão no Egipto. Para os hebreus, a realização da referida festa acontece por uma ordem enviada por Javé a Moisés, que, em seguida, a transmitiu para esse grupo de pessoas.

"A Páscoa judaica tem a ver com a passagem do anjo da morte durante a execução da décima praga do Egipto”, avança. Por isso, explica ainda que a Páscoa, para os judeus, é chamada de "pesach”, que significa "passagem” em português, fundamentada no Antigo Testamento.

Embora a Páscoa se celebre num domingo, a Igreja Adventista do Sétimo Dia, que tem o sábado como o grande dia do Senhor, não deixa a data passar despercebida, assegura o pastor Isaac Geraldo Rafael, secretário ministerial da União Nordeste de Angola, afecta à mesma congregação religiosa.

Mesmo reconhecendo a importância da comemoração da morte e ressurreição de Cristo, por remeter os cristãos à uma maior aproximação a Deus, o pastor adventista sublinha que "não há relevância para se pensar que, talvez, essa Páscoa do Senhor venha substituir o que o próprio Soberano instituiu como Seu dia de adoração: o sábado”.


Reconciliação entre o céu e a terra
O secretário ministerial da União Nordeste de Angola da Igreja Adventista do 7º Dia refere que a Páscoa do Senhor proporcionou um momento de reconciliação entre o céu e a terra, o que levou o homem para mais próximo de Deus.

"A Páscoa leva o homem a entender o sacrifício de Jesus Cristo”, daí defender que os cristãos nesta fase da celebração da ressurreição do Senhor devem pautar pela reflexão, principalmente para avaliarem se a morte e a retoma à vida do Filho de Deus valem, para que cada um se sinta mais próximo do Pai Celestial.

Em poucos minutos, num diálogo com início claudicante, o pastor Isaac Geraldo Rafael acrescenta que a Páscoa deve servir para os fiéis reavaliarem as suas vidas, o nível da relação com Deus e, no fundo, examinarem as suas consciências. "A Páscoa aponta o calvário no passado, o que obriga para a necessidade de se analisar os passos que temos dado na vida”.

Numa fase em que as pessoas vivem preocupadas com a pandemia da Covid-19, tal como a devota católica Ana Neves, o reverendo da Igreja Adventista do 7º Dia vê nessa experiência um momento para os homens agradecerem a Deus.

"Nas nossas casas e nas famílias, cada membro continua a reconhecer que a graça e a protecção de Deus são um facto. Por essa vida, devemos louvar e bendizer o santo nome de Deus”, aconselha. "Apelo aos líderes deste país e do povo a desempenharem bem o seu papel e colocarem Deus em primeiro lugar  ”, rematou.


Cálculo sobre
a data da Páscoa?

Como se sabe, a Páscoa, por norma, é comemorada nos dias que estão entre 22 de Março e 25 de Abril. As fórmulas existentes calculam o que se convencionou chamar de "Cálculo Eclesiástico”, definido pelo Concílio de Nicea, no ano 325 depois de Cristo.
O Carnaval acontece 47 dias antes da Páscoa, podendo acontecer entre 4 de Fevereiro e 9 de Março, segundo informação do sítio www.bibliotecavirtual.sp.gov.br.

A Quarta-Feira de Cinzas ocorre 46 dias antes da Páscoa e, portanto, a Terça-Feira de Carnaval ocorre 47 dias antes da Páscoa. Esses dias que antecedem à Páscoa são do período da Quaresma.
Ora, os estudiosos referem que a sequência de datas varia de ano para ano, sendo, no mínimo, em 22 de Março e, no máximo, em 24 de Abril, transformando a Páscoa numa festa "móvel”. E essa continuação exacta de datas da Páscoa repete-se aproximadamente em 5.700.000 anos no calendário Gregoriano.

Há dois casos particulares que ocorrem duas vezes por século: Quando o Domingo de Páscoa cair em Abril e o dia for 26, corrige-se para uma semana antes, ou seja, vai para dia 19. E, se for o Domingo de Páscoa o 25 de Abril, e o termo "d” for igual a 28, simultaneamente com "a” maior que 10, então o dia é corrigido para 18.

Neste século, os especialistas avançam que estes dois casos particulares só acontecerão em 2049 e 2076. Para calcular a Terça-Feira de Carnaval, explicam, basta subtrair 47 dias do Domingo de Páscoa.


Outros rituais na Páscoa
Na tradição católica, os cristãos celebram o Tríduo Pascal (em latim: Triduum Paschale), que é o conjunto de três dias comemorados no Cristianismo e composto pela Quinta-feira Santa (Instituição da eucaristia e lava pés), Sexta-feira Santa (Dia da morte de Jesus, em que se faz beijo da cruz) e o Sábado Santo (vigília Pascal).

Desde 1955, com a reforma litúrgica, o Tríduo Pascal, que é celebrado em memória da paixão, morte e ressurreição de Jesus, conforme os evangelhos, é um tempo litúrgico mais bem definido. Por exemplo, após o "Glória” da Missa da Ceia do Senhor, na quinta-feira, todos os sinos e instrumentos da igreja são silenciados e só voltam a ser escutados na proclamação da "Glória” na Vigília Pascal, no caso, ontem à noite.

Nessa mesma Quinta-Feira Santa, após a homilia, ocorre o ritual da lavagem dos pés pelo sacerdote, conforme Jesus. A missa termina com a transladação do Santíssimo Sacramento para um lugar menor. A adoração eucarística é recomendada, mas deve ser feita sem solenidades. Todos os altares da igreja ficam desnudados, excepto onde se está o Santíssimo.

Na Sexta-feira Santa, que relembra a paixão e a crucificação de Jesus, invés da habitual missa, há apenas uma celebração litúrgica. As imagens dos santos e crucifixos devem estar encobertos e suas respectivas luzes apagadas. Os cristãos devem obedecer o jejum e abstinência de carne.

No dia do Sábado Santo, também conhecido Sábado de Aleluia, é celebrado na noite de Vigília Pascal, em que se faz a lembrança de Jesus morto, mas onde se cultiva a esperança e perseverança. Por isso, nessa noite, a cor litúrgica já é a branca, tal como a de Domingo da Páscoa. Mas, os costumes da Páscoa, festa celebrada há mais de dois mil anos, para lembrar o êxodo dos judeus do Egipto, depois de 300 anos de escravidão, vão mais longe das comemorações dentro dos templos cristãos. Há outros símbolos, além dos litúrgicos.

É comum se ouvir histórias sobre o cordeiro (representa o sacrifício do Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo), as luzes, velas e fogueiras (significam a chama da luz e da esperança); os ovos (simbolizam o nascimento, a nova vida que retorna à natureza), os coelhos (também representam o nascimento e a nova vida, em razão de sua fertilidade).

Mas, a história dos "ovos da Páscoa” é das mais conhecidas. É uma tradição que vem da China. Há vários séculos, segundo vários contos, os orientais preocupavam-se em embrulhar os ovos naturais com cascas de cebola e cozinhavam-nos com beterraba. Ao retirá-los do fogo, ficavam com desenhos mosqueados na casca. O produto era dado de presente na Festa da Primavera.

O costume chegou ao Egipto. Assim como os chineses, os egípcios distribuíam os ovos no início da nova estação. Só depois da morte de Jesus Cristo, os cristãos consagraram esse hábito como lembrança da ressurreição e, no século XVIII, a Igreja adoptou-o oficialmente como símbolo da Páscoa.

Depois, apareceram os chocolates, em substituição, às vezes, dos ovos. A explicação que se dá sobre isso é que a Igreja proibia, durante a Quaresma, a alimentação que incluísse ovos, carne e derivados de leite.

Hoje, os ovos de Páscoa são um costume típico de muitos países. Eles são servidos quer como ovos de galinha pintados, tradicionais, quer como ovos de chocolate envoltos em papel decorativo brilhante, recheados de amêndoas e enfeitados com bonitas fitas.

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