Entrevista
Os resultados da estratégia para o turismo ainda são incipientes
O director-geral do Infotur (Instituto Nacional de Fomento do Turismo) afirma ser “lamentável e doloroso apreciar a grandeza e beleza dos nossos recursos turísticos em estado de abandono”. Em entrevista à Angop, o responsável admite que os resultados da estratégia de promoção do turismo ainda são incipientes. Porém, aponta alguns que poderão servir de trampolim para o incremento desta actividade no país
31/08/2021 Última atualização 08H00
© Fotografia por: DR
Há quem diga que a promoção do turismo em Angola passa pela profissionalização dos quadros e pelo aumento do investimento em infra-estruturas. Afinal, quais são as grandes fragilidades deste sector?
Actualmente, as grandes fragilidades deste sector são a carência de medidas concretas de apoio e incentivo, difícil acesso aos lugares, potenciais recursos e atractivos turísticos, falta de valorização dos recursos turísticos, falta de flexibilidade do sistema bancário ao financiamento de projectos turísticos, défice em termos de estabelecimentos de formação hoteleira e turística, dependência excessiva das importações, por força do défice na produção interna, falta de cultura turística, falta de uma maior abertura na concessão dos vistos de entrada nos principais mercados emissores de turistas do mundo e reduzido poder de compra dos angolanos.
Identificadas essas lacunas, considera que Angola está no bom caminho, na política de promoção do turismo?
Falar de turismo em Angola é, sobretudo, abordar a cultura e a diversidade de belezas naturais deste país. Angola reúne, inegavelmente, todas as características que os amantes de viagens procuram: património histórico e cultural, recursos turísticos naturais e derivados e a gastronomia. Com todo esse potencial, devemos reconhecer que as políticas de promoção ainda não estão ao nível desejado, capaz de levar ao conhecimento do mundo a existência desse manancial turístico a ser transformado em produtos turísticos.
Que resultados palpáveis já foram obtidos no âmbito da actual estratégia?
Os resultados palpáveis ainda são incipientes, mas podemos aqui destacar alguns, poucos, que poderão servir de trampolim para o incremento da actividade turística no país e, consequentemente, outros benefícios: em primeiro lugar, temos o mecanismo de facilitação de vistos, com vista a viabilizar os negócios em Angola e dinamizar o desenvolvimento do turismo (precisa ser melhorado, direcionado em termos de países e mais aberto). Em segundo lugar, temos o reconhecimento do Turismo como sector estratégico no Plano Desenvolvimento Nacional 2018-2022, como garantia de mão-de-obra intensiva, a par da agricultura, das indústrias diversas e das pescas.
O que precisa de ser mudado para vender, cada vez mais, a imagem de Angola?
A crise é conjuntural. No entanto, existe uma grande vontade política por parte do Executivo Angolano, que elegeu o sector como uma das prioridades para alavancar a economia nacional. Mas essa vontade política precisa de ser transformada em acções concretas, com vista a seguirmos a dinâmica de outros países. São vários os factores que impedem uma verdadeira promoção da imagem de Angola e destacamos aqui algumas, que consideramos cruciais. Se olharmos para alguns países como a África do Sul, Cabo Verde, Ruanda, Moçambique e outros, vamos notar que o nível e a forma de promoção desses países são brutais. Do benchmark (técnica que consiste em acompanhar processos de organizações concorrentes, ou não, que sejam reconhecidas como representantes das melhores) , notamos que nós não gastamos nem 5% do que esses. Daí que precisamos incrementar o nosso orçamento de promoção e estruturação do turismo. Outro factor que importa referir é o processo de facilitação de vistos que ainda não é o desejado, pelo menos para o nosso sector.
O que pretendem as autoridades, com a campanha "Juntos & Todos pelo Turismo”?
O projecto "Juntos & Todos pelo Turismo” visa, fundamentalmente, sensibilizar as várias franjas da sociedade, "da base ao topo”, para a importância do sector do turismo no processo de desenvolvimento sócio-económico. Para que este sector desempenhe o seu verdadeiro papel, é necessário que todos os sectores andem de mãos dadas. Por outro lado, o projecto possui um pendor de valorização da oferta turística, com a transformação dos recursos em produtos turísticos de excelência.
Como foi elaborado este Plano Estratégico?
O projecto foi elaborado numa visão objectiva, que iniciou com a criação de uma música do turismo, depois, com a gravação de um videoclipe promocional, que envolveu todos os "players” do sector e não só, criação de placas com a inscrição "Visite Angola, Juntos e Todos pelo Turismo”, em línguas nacionais e estrangeiras, e, posteriormente, com a consagração, a 25 de Junho último, da supermodelo internacional Maria Borges como Embaixadora do Turismo de Angola. Várias etapas constam desse projecto e paulatinamente serão executadas e difundidas.
É uma campanha a nível de todo o país ou em províncias específicas?
É uma campanha a nível nacional. Angola é um país com 18 províncias repletas de paisagens incríveis que cativam o olhar de todos. Trata-se de um território com grande potencial turístico, invejável, onde encontramos desde praias magníficas a florestas tropicais encantadoras, além do seu fabuloso património histórico e cultural.
Quais são as "linhas de força” desta campanha?
As "linhas de força” passam pelo despertar de consciência de toda a contextura social sobre a importância do sector no plano sócio-económico e também a valorização e promoção da oferta turística do país.
Acredita que o momento actual do sector venha a proporcionar uma oportunidade para se olhar o turismo de Angola com maior atenção?
A Covid-19 trouxe consigo todos os problemas possíveis para a humanidade, mas, também, trouxe o despertar de diversas oportunidades. Para este sector, os países deram conta da grande vantagem de estruturar o turismo interno, como factor de desenvolvimento local. Consta do Plano de Desenvolvimento Nacional algumas acções pontuais, tais como a melhoria na comunicação com os Pólos de desenvolvimento Turísticos, a elaboração de projectos de construção e reabilitação de infra-estruturas hoteleiras e turísticas, estatais e mistas, a identificação de zonas de desenvolvimento prioritário, com o intuito de recuperar e desenvolver todo o património da rede hoteleira e turísticas.
Existe um processo de actualização do plano orientador, para melhor exploração do sector. Que pontos concretos se prevê mudar?
O Plano Director do Turismo está a ser actualizado pelo sector, com o apoio técnico especializado da Organização Mundial do Turismo. Dos pontos concretos a serem actualizados constam as metas, acções concretas, assim como o período de execução.
O que se pretende com a implementação do processo em causa e que ganhos traz para as operadoras nacionais e internacionais?O que se pretende é um plano verdadeiramente orientador. Um plano que sirva de guião para as modalidades de actuação no sector, suas etapas, prioridades e intervenientes, de modo a garantir o crescimento sustentável, ordenado e harmonioso do turismo no país.
Como o sector lida com a situação da pandemia da Covid-19, uma vez que os operadores clamam por ajuda?
O sector do turismo criou, com apoio do Ministério da Saúde, guias de boas práticas, com medidas de biossegurança, que foram distribuídas em todos os empreendimentos turísticos dos países, com vista a facilitar a actuação dos nossos profissionais. Relativamente às medidas de alívio económico, foi criada uma comissão técnica, composta por quadros do Ministério da Economia e Planeamento, Ministério das Finanças, Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente e Banco Nacional de Angola, para enquadramento do sector do turismo nesse processo.
Com o lançamento da campanha "Juntos & Todos pelo Turismo”, como será operacionalizada a actividade, numa altura em que se verifica a abertura dos serviços a nível do turismo, a funcionar com 50% da força de trabalho?
A implementação do projecto ”Juntos & Todos pelo Turismo” prevê ser a curto, médio e longo prazo, visando alcançar a criação de cultura turística na sociedade angolana, entrada do sector do turismo de facto na agenda nacional até 2022 e entrada de Angola na lista dos principais destinos turísticos africanos até 2025.
Em relação ao fomento do turismo, foi aberta a rota turística Luanda-Cabo Ledo. Em que consiste esta rota?
Podemos entender este roteiro turístico como um itinerário caracterizado por vários elementos que lhe conferem identidade. O mesmo está definido e estruturado para fins de planeamento, gestão, promoção e comercialização nas localidades que formam o roteiro.
O que nos pode avançar sobre o projecto "Rota dos Museus”?
A iniciativa desta rota é despertar e aumentar a cultura de visitas a museus, a fim de se criar identidade patrimonial. Esta rota contempla o Palácio de Ferro, Museu Nacional de História Militar (Fortaleza São Miguel), Museu Nacional de História Natural e o Museu Nacional da Escravatura, passando por várias unidades hoteleiras. Esta rota deverá servir de modelo para implementação em todas as províncias do país.
Associa-se a esta campanha um rosto conhecido no mundo da moda, Maria Borges. Como surge a ideia de a escolher como embaixadora do turismo angolano?
A ideia da escolha da supermodelo internacional Maria Borges não foi premeditada. Surge de uma conversação, na qual ela foi convidada a assumir este desafio. Ela predispôs-se, de forma patriótica e a custo zero, a contribuir pa-ra o crescimento do seu país, emprestando a sua dimensão internacional para a promoção do turismo, da cultura e das belezas naturais, com vista a captar turistas e potenciais investidores.
O que se pretende, de facto, atingir com essa parceria?
Com essa parceria, pretende-se alcançar mercados de elevada dimensão internacional, sobretudo, ligados à moda, cultura e ao desporto. De relembrar que a supermodelo Maria Borges desfila em palcos de referência internacional da moda.
Que ilações estão a retirar do périplo que acontece em algumas províncias do país?
Angola tem uma vantagem e uma oportunidade excepcional para transformar o turismo num sector estratégico, que possa impulsionar o desenvolvimento económico e social, protegendo e valorizando os recursos ambientais, apoiando-se num crescimento importante do fluxo de turistas internacionais. Precisamos de trabalhar mais e melhor na estruturação dos recursos turísticos do país. É lamentável e doloroso apreciar a grandeza e beleza dos nossos recursos turísticos, em estado de abandono.
Venceslau Mateus
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