Opinião

Os parceiros e os interesses

Adebayo Vunge

Jornalista

É por demais evidente que nenhum Estado hoje, no mundo, pode caminhar de forma isolada. As dinâmicas geopolíticas, as questões económicas e a tecnologia tornam essa evidência cada vez mais incontornável.

23/01/2023  Última atualização 06H15

Mas o que ninguém pode negar, é que cada Estado tem a soberania de decidir, fruto da sua história e dos seus interesses, com quem pretende caminhar e estabelecer parceria. Talvez possamos considerar adicionalmente as lideranças. A dinâmica dos vários países nos permite aferir isso. Sejam eles as grandes potências ou mesmo os pequenos Estados circulares. Veja-se a agenda de cooperação americana dos democratas e dos republicanos. Podemos ser mais concretos. Veja-se a diferença entre a Administração Obama e a Administração Trump.

Embora não seja consensual e diria até ideal, mas a verdade é que estas interferem de modo muito incisivo na definição da agenda da política externa.

Vale tudo isso para assinalar a importância de Angola definir muito claramente, para todos, os eixos da sua política externa e daquilo que podem ser considerados os seus parceiros estratégicos.

De resto, não restam muitas dúvidas sobre o peso de alguns Estados na cooperação com Angola. E hoje também de algumas instituições parceiras multilaterais. E nesse sentido, é claro que países como a França, Estados Unidos da América, China e Portugal desempenham um papel crucial em termos de política externa e de cooperação bilateral seja ela em termos políticos, mas principalmente em termos económicos, sociais e até culturais.

E digo isso a pensar particularmente no peso da cooperação com Portugal que, embora seja uma relação de ex-colonizador, com alguns "irritantes" circunstanciais, mas a verdade é que suscita muito espanto para outros países ex-colonizadores e colónias a forma tão fluída como ocorre essa relação principalmente entre os Povos. Assim, não podemos deixar de assinalar o peso da relação económica, social e cultural com Portugal. Obviamente, há benefícios que poderiam ser mais bem tirados em ambos os lados. E não me refiro, para já, ao humilhante tratamento para a aquisição de um visto.

Gostaria de realçar aqui o peso da cooperação económica entre Angola e a França, tendo o petróleo como o pilar fundamental, para além de outros investimentos de menor monta na indústria transformadora, nesse caso particular liderado pelo grupo Castel que detém hoje a Cuca, Eka, Nocal, Ngola e outras marcas. Mas a cooperação entre Angola e a França está longe de explorar o máximo da potencialidade existente entre os dois países. E falo nisso, propositadamente, pensando no potencial que é a agricultura e a pecuária. De resto, não podemos ignorar o papel que a França desempenhou há algumas décadas para o fomento da produção agrícola no Brasil e em alguns países do mediterrâneo. Obviamente, essa autoestrada tem largas vias para que encontremos benefício mútuo.

Assinalo a seguir o peso da cooperação política e económica com os Estados Unidos da América que já foram os maiores produtores e consumidores do crude angolano. De qualquer modo, e numa altura em que estamos a viver a quarta revolução industrial é fundamental que possamos tirar maior proveito do empreendedorismo tecnológico, fazendo com que os nossos jovens e as nossas start-ups possam beber do manancial de experiências de Sillicon Valey e afins. A era do petróleo está no fim e precisamos efectivamente descortinar novas saídas para uma cooperação benéfica entre os dois lados. Prefiro, por ora, não me ater a dimensão da cooperação no domínio da segurança e do quanto Angola desempenha, para a maioria das potências globais, em particular dos Estados Unidos da América, um papel fundamental.

Reservo uma palavra muito especial à cooperação entre a China e Angola. Nas palavras do Embaixador Gong Tao, no prefácio do livro "Estudo sobre a Posição da China no mundo e em particular na África Subsariana: a China tem sido o parceiro mais importante na reconstrução de Angola depois de 2002. Ora, claramente, essa cooperação é um exemplo do que pode ocorrer de bom e de mau.

Por isso, ela está hoje num outro patamar em que os Estados procuram clarificar o que se espera de ambos os lados. E, para Angola, o interesse é sobretudo em termos de investimento directo possa apoiar Angola a conhecer igualmente e admirável transformação, como esta que ocorreu com a China nos últimos 50 anos. Se a China não é um projecto acabado, Angola muito menos. Precisamos por isso aprender com os nossos e também com os erros dos outros.

É óbvio que, em função da conjuntura, possamos inclinar-nos para outros e novos parceiros. Todavia, não podemos ignorar questões culturais, históricas e estarmos atentos à agenda dos nossos pretensos parceiros.

Os interesses não precisam coincidir, mas não podem ser divergentes. Mais grave: não pode um ter interesse de supremacia sobre o outro. Por isso, não podemos ser ingénuos. Não há amigos, aqui. Há interesses. Cada um faça e defenda os seus.

Poderá parecer estranho para alguns leitores que não refira nenhum país africano. Já o disse em livro e reafirmo: a África do Sul, a RD Congo e a Nigéria são parceiros com os quais devemos aprofundar e privilegiar em termos de cooperação estratégica em África. Voltarei ao tema em breve.

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