Opinião

Orgulho de cultivar

Sousa Jamba

Jornalista

O motorista que vai para a baixa do Huambo, perto do bairro Académico, depara-se com algo altamente deprimente: jovens a correrem agressivamente por trás de viaturas para poderem lavar as mesmas para serem pagos migalhas.

26/02/2021  Última atualização 09H51
O desespero nas caras destes jovens, que estão naquela fase mais produtiva da sua vida, é altamente visível. Desespero e também uma certa falta de dignidade parece ser um clichê, mas o trabalho dignifica o homem — e a mulher, claro.  
Conversei com alguns jovens que tentavam lavar as viaturas, no outro dia. Eles são maioritariamente oriundos dos bairros menos favorecidos do Huambo.

Alguns tinham vivido em outras partes do país, incluindo Luanda. Uma boa parte deles consumia álcool exageradamente e notava-se, também, alguns com algumas  perturbações mentais. Parte do problema é que há secções do Huambo, dos chefes com viaturas americanas matulonas e mansões gigantescas, que alimentam as ilusões. Existe uma espécie de mentalidade que anima, às vezes, um frenesi à volta da lotaria,  cada um vai esperando pela a sua vez de ganhar.

Quando perguntei aos jovens se pretendiam regressar para as suas aldeias, quase todos disseram que não sabiam onde ficavam as mesmas. Perguntei, então, se alguém sabia "charruar" com bois e a resposta foi ninguém. Dois disseram que sabiam conduzir tractores, já que tinham trabalhado numa fazenda no Cuanza Norte. Não muito longe de onde estávamos a falar, havia um terreno no meio da cidade do Huambo altamente fértil.

Na capital queniana, Nairobi, havia uma área perto do centro das Nações Unidas de Girigiri, onde os jovens desempregados faziam dinheiro vendendo plantas. Eu sugeri aos jovens que, já que havia muita água perto deles, que tal se eles fossem a criar plantas e vender as mesmas. Sugeri, também,  a criação de flores naquele terreno fértil. Os jovens me ouviram atentamente; mostrei-lhes no meu celular clipes na YouTube de jovens quenianos a criarem plantas e flores. Os jovens responderam-me que a minha sugestão era boa — mas que eles receavam que, depois de começarem a vender as plantas e flores, iria logo aparecer um Kota a insistir que o terreno e a água era dele. Segundo eles, este Kota ou Kotas acabariam, no fim, por passar a controlar tudo para o seu benefício.

Nas minhas andanças pelo o país, tenho encontrado muitas iniciativas que servem para ajudar a juventude. No Katchilengue, aldeia onde nasci, no Katchiungo, há uma secção com casas que tinham sido construídas somente para jovens da JMPLA. Houve, até, jovens vindos de outras províncias para viver naquela localidade que até tinha furos de água (agora inoperantes) sustentados por energia solar. Nenhum jovem vive naquela localidade estes dias porque todos foram para a cidade à procura de emprego.

Imaginemos só que em vez das casas — que beneficiaram— houvesse um programa sério de oferecer terreno aos jovens e capacitássemos ao mesmo tempo para  os tornar produtivos? Em 1976, quando os refugiados angolanos foram para o campo de Meheba, no Nordeste da Zâmbia, as Nações Unidas davam um lote de terreno, enxadas, machados e muito conselho de como fazer agricultura. Meses depois, havia camiões e camiões que vinham para o Meheba a procura de produtos alimentares. Estudei num internato mas durante as férias ficava no campo de refugiados na casa do tio Jeremias Bândua. Eu via como os mais velhos usavam estrume de boi, como eles construíam as valas de irrigação. Nós participávamos na irrigação, laçando água das valas com pratos. Nós sabíamos exactamente qual era o solo mais fértil. Em outros casos, criávamos galinhas que íamos vender nas cidades. Tínhamos muito orgulho de sermos refugiados, que eram vistos como mestres da agricultura.

Noto que os jovens no Huambo não possuem o mesmo orgulho em serem agricultores. Para eles, a agricultura é para gente do mato. Algumas semanas atrás, no Mercado do Cambiote, ainda no Huambo, vi uma cena que me marcou bastante. Uma motorizada com três rodas, os ditos caleluyas, chegou cheio de produtos vindos do campo. As senhoras que vendem no mercado quase lutavam para terem o controlo dos sacos. Isto fez-me lembrar cenas que vi em Kinshasa, Agricultores traziam produtos ao longo do rio Congo e umas senhoras corriam para pegarem os produtos e negociar a preços elevados. Como no Cambiote e em Kinshasa, estas senhoras não estavam a fazer nada do que aumentar o preço do produto. Em Kinshasa perguntei-me porque razão as senhoras não iam para o interior para cultivar. A resposta, claro, tinha a ver com o apego profundo que elas agora tinham com Kinshasa. Da mesma forma, as comerciantes do Cambiote não queriam ir ao campo para produzirem as couves, repolho, batata doce etc, elas queriam obter lucro rápido.

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