Economia

Operadores da cadeia de exportação partilham ideias sobre os desafios do país

Regina Handa

A importância da qualidade e da certificação dos produtos no sector agro-alimentar nacional e o seu papel para o acesso a “mercados premium” é vista como parte indispensável do processo de substituição das importações e fomento das exportações.

27/03/2023  Última atualização 12H53
Participantes do I painel do fórum manifestaram certa unanimidade ao facto de que o desafio de internacionalização ou exportação para novos mercados passa pela certificação dos produtos © Fotografia por: Luís Damião | Edições Novembro

Foi sob este prisma que a Corporação Financeira Internacional (IFC) do Banco Mundial juntou, em Luanda, alguns dos mais bem referenciados exportadores angolanos.

O fórum abordou o tema "A Promoção das Exportações Angolanas – Boas Práticas Agrícolas de Certificação”, tendo como mote de conversa  "A Base da Internacionalização da Agricultura Angolana”.

Esta iniciativa da Corporação Financeira Internacional (IFC) do Banco Mundial contou com a parceria na organização da Associação Agro-Pecuária de Angola (AAPA) e os apoios da seguradora Sanlan, da GlobalG.A.P, a União Europeia e a "From the People of Japan”.

No Painel sobre "A Importância das Boas Práticas e Certificação para os Mercados Locais e Internacionais” estiveram o director técnico da FertiAngola, Armando Osório, o director de compras da NovaAgrolíder, Pedro Furtado, o director Executivo da Turiagro, Filipe Pescada e também o director-geral da Jardins da Yoba, João Saraiva.

A conversa foi moderada por Vasco Nunes, oficial sénior de Operações do IFC.

Pedro Furtado, da NovaAgrolíder, entende que o desafio da certificação é um processo e que o seu grupo, felizmente, abraçou, apesar de todas as dificuldades próprias de processos desta natureza e do mercado nacional. Disse ainda que, em 1999, no início da actividade, a visão era apenas de atender o mercado interno.

Por essa razão, admite que no começo não se tinha a exigência nem a diversidade de produtos detidas actualmente, mas estes tornaram também o desafio mais gratificante e com resultados mais acentuados para a empresa.

"A NovaAgrolíder continua muito focada no mercado ibérico. Agora, estamos a tentar expandir para o mercado francês e também o da Arábia Saudita, sendo que também já fizemos algumas exportações para o mercado da África do Sul. Contudo, temos aumentado, fundamentalmente, a nossa produção, as nossas exportações, porque também temos aprendido, corrigido erros e produzido melhor, uma vez que a quantidade deve ser acompanhada de qualidade”, assume.

Para Pedro Furtado, todos estes processos foram possíveis pela adopção do GlobalG.A.P (conjunto de normas internacionais que reconhece as Boas Práticas Agrícolas), pois a certificação internacional é de todo fundamental para a abertura do mercado nacional às exportações.

 

Exemplo da Nova Agrolíder

O gestor explica, por outro lado, que em todo o mundo há, cada vez mais, preocupações com a certificação dos produtos alimentares e em Angola não pode ser diferente.

Aproveitou a ocasião para anunciar que a NovaAgrolíder já tem em funcionamento o seu laboratório, onde está a produzir defensivos biológicos (produtos desenvolvidos a base de ingredientes activos naturais, como extractos de plantas e os micro-organismos bacterianos). Disse que com esse investimento, "vai-se conseguir produtos com maior sanidade, e com condições para a entrada nos mercados internacionais”. Contudo, lembra, esses processos exigem muita aprendizagem e esforços, de modo a não permitir que se largue de forma abrupta os pesticidas pelos campos.

Visão da Turiagro

Por sua vez, Filipe Pescada, da Turiagro, afirmou que a sua fazenda tem, até ao momento, boas experiências no capítulo da certificação. Admitiu que, anteriormente, tinha a ideia de que o processo do Global GAP – conjunto de normas internacionais que reconhece as Boas Práticas Agrícolas - fosse muito dispendioso e burocrático.

Apesar de reconhecer uma forte pressão com a documentação para o efeito, Filipe Pescada admitiu ter alterado a sua percepção sobre o processo, o que lhe faz ver, actualmente, todo este envolvimento na perspectiva do investimento e não de despesa como se poderia ver antes.


"Os agro-químicos devem respeitar intervalos de 60 dias”

Filipe Pescada diz ver as equipas da Turiagro, responsáveis técnicos e de operações, motivados e também orgulhosos pela obtenção da certificação. Sabemos ser um processo de continuidade, mas é visível já muita eficiência nos resultados culturais e também maior eficácia na qualidade”, disse.

Conforme admitiu Filipe Pescada, a Turiagro ainda não deu início aos processos de exportação, uma vez serem necessários novos investimentos ao nível da área, o mercado angolano ganha muito com a certificação obtida pela banana produzida na fazenda, processo que afecta também, no seu entender, positivamente os clientes.

Outro experimentado produtor presente no painel foi João Saraiva, da Jardins da Yoba.

O director-geral de uma das fazendas bastante promissora, sobretudo na Huíla, onde está a produzir bastante, chamou atenção à necessidade de melhor aplicação dos agros químicos, que, conforme explicou, devem ser aplicados no início das culturas e respeitarem os intervalos de 60 dias.

Deste modo, assegurou, eles não são perigosos, ao contrário, produzem a protecção necessária contra ameaças às plantações.

Ainda assim, João Saraiva disse existir toda uma necessidade, no que diz respeito ao uso dos pesticidas e fertilizantes, de venda certificada e de quem prescreve e também de quem aplica.

No seu entender, actualmente, e em mercados cuja a prática agrícola é feita com mais responsabilidade, olha-se mais para a questão da segurança alimentar. Porém, a questão é que em Angola se dedica maior atenção aos volumes de produção.

"Temos défice alimentar no nosso país e muitas vezes esquecemos que a segurança alimentar não é só uma questão de volumes, mas também dos químicos envolvidos na produção agrícola que chega aos consumidores”, afirmou.

João Saraiva admite existirem casos gravíssimos em Angola de mau uso de agro-químicos, tendo exemplificado situação em que num dado campo de tomate, após recolhidos os produtos, os animais que passam para comer os restos da mesma produção chegam a morrer por causa, aparentemente, "desconhecida”.

 

 

Institucionalização da certificação deve ser priorizada

João Saraiva defende a institucionalização da certificação da venda e do licenciamento de quem aplica os químicos à produção e da sua rastreabilidade como solução para dar-se resposta ao tema da qualidade com foco na exportação.

"O Global G.A.P responde ou ao menos impõe essa disciplina e rastreabilidade ao nível da produção. E é importante o sistema de certificação para o mercado externo, onde é mesmo determinante, pois deixa de haver exportação sem a observação destes procedimentos estabelecidos, mas digo também que para a importação há um trabalho que deve ser feito”, defende.

O investidor agrícola lembra que o país tem trabalhado muito para a substituição das importações, mas isso deve ser feito pela qualidade e nunca pelos volumes. Para ele, pode até existir muita batata pelo país e a estragar-se, mas se não tiverem a qualidade que se exige, nada a fazer e isso também deve-se à qualidade dos químicos que são usados, afectando a qualidade do produto para ser posto no mercado.

João Saraiva disse que os parceiros da "Jardins da Yoba” fazem também um tipo de certificação informal, que consiste na visita de fazenda em fazenda e a impor procedimentos, que possam garantir qualidade ao produto, que é depois remetido às grandes superfícies comerciais para venda.

"A certificação é determinante na exportação e será também na qualidade da segurança alimentar para a produção interna”, afirmou.

Outra opinião é de Armando Osório, da FertiAngola. Lembrou que, neste momento, em Angola são vendidos com autorização formal alguns fertilizantes já proibidos na maioria dos países, o que chega a ser grave.

O técnico agrícola, com mais de 14 anos de experiência, disse estar a desenvolver, neste momento, com a FertiAngola, um aturado trabalho de consultoria junto dos agricultores, muitos deles resistentes às mudanças, mas com o foco de serem melhoradas as técnicas de aplicação de adubos e de utilização de outros mais eficientes.

Conforme disse, a FertiAngola está com 18 lojas por todo o país e apesar dos prejuízos gerados por algumas destas, a aposta mantém e visa garantir que o potencial agrícola das distintas regiões seja plenamente aproveitado.

Conjuntamente com a cadeia de distribuição Maxi, disse, a FertiAngola tem ministrado formações aos agricultores sobre o uso correcto de pesticidas e afinação de pulverizadores.

No entender do especialista, há toda uma necessidade dos produtos que em Angola serem verificados, pois que trazem certificações da origem, mas impõe-se um maior rigor interno na comprovação destas autorizações e isso por via dos laboratórios nacionais.

"Não compro vegetais cá no país, porque nem sempre tenho a certeza da origem. Pelos campos de Angola, é visível um uso abusivo de fertilizantes pelos produtores que dia sim, dia não pulverizam as produções”, disse Armando Osório.

 

Concorrência com o mercado informal é ainda outro grande desafio

Um problema com que se debate a produção em Angola é também a existência de um mercado informal, que vende insumos, muitas vezes de qualidade duvidosa e mal acondicionada, o que torna mesmo perigosa muita da produção que se faz nos campos.

Essa competição "desleal” também chega a ser penalizadora para as casas que pagam impostos e, de certa maneira, as empresas que estão em Angola de modo formal.

Os painelistas entendem que, na maioria das vezes, a certificação é um processo mais ligado aos investimentos que são necessários, do que a definição, de capital ou despesa, considerando de importante essa definição.

 

Visão do Governo

Na abertura do evento, que decorreu, na passada terça-feira, numa das salas de conferência do Hotel de Convenções de Talatona, em Luanda, discursou, em representação do ministro António Francisco de Assis, o director Nacional da Agricultura. Manuel Dias, afirmou, na ocasião, que o Governo angolano reconhece o agro-negócio como o segmento prioritário para o crescimento e diversificação da economia nacional.

Disse, na oportunidade, que o Governo está consciente de que a realização das acções previstas dependerá, entre outros, de programas e acções de sustentabilidade já traçados, e que estarão a ser implementados em breve, entre as quais, o programa de produção de cereais e o desenvolvimento de toda a extensão da sua cadeia , através do PLANAGRÃO.

De acordo com Manuel Dias, o fórum realizado, numa iniciativa da Corporação Financeira Internacional (IFC) do Banco Mundial, vai unir forças, que vão contribuir para o desenvolvimento de políticas, programas e projectos de desenvolvimentos, onde todos serão ouvidos. Deste modo, vai-se traçar um percurso conjunto para facilitar um diálogo aberto e franco sobre as boas práticas dos sistemas alimentares resilientes e sustentáveis.

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