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ONU ameaça retirada do Mali por falta de condições de segurança

A missão de paz da ONU no Mali “não é viável” sem aumentar o número de forças de paz, de acordo com um relatório preliminar, daquela organização, obtido pela AFP, que menciona uma possível retirada de tropas se as principais condições não forem atendidas.

05/02/2023  Última atualização 06H30
© Fotografia por: DR

 A MINUSMA foi criada em 2013 para ajudar a estabilizar um Estado ameaçado de colapso sob pressão jihadista, proteger civis, contribuir para o esforço de paz e defender os direitos humanos. Mas, a situação de segurança continuou a piorar.

"A MINUSMA é uma operação de manutenção da paz onde não há paz para manter”, resume o secretário-geral da ONU, António Guterres, neste documento entregue aos membros do Conselho de Segurança e que deve ser publicado em breve. Com a extensão do seu mandato em 2019 no centro do país particularmente afectado pela violência, a missão, agora privada do apoio de operações estrangeiras, em particular de França, que se retirou em Agosto passado, "fez o seu melhor”, mas "foi empurrada para além dos seus limites”, observa.

O relatório solicitado pelo Conselho de Segurança em Julho - quando a missão foi renovada por um ano - considera, assim, que "a situação actual não é viável” e propõe três séries de opções para remediá-la. A primeira seria dar-lhe os meios para cumprir plenamente o seu mandato, aumentando o seu pessoal militar e polícia em 3.680 pessoas, ou 2 mil numa versão mais modesta. Em meados de Dezembro, a missão contava com 12.388 soldados (contra 13.289 autorizados pelo mandato) e 1.598 polícia (para 1.920 autorizados).

Mas, essa primeira opção requer que "todos os parâmetros” sejam atendidos. Entre estas condições, o secretário-geral cita o progresso na transição política que prevê, após dois golpes militares, o regresso de civis ao poder em Março de 2024, bem como a liberdade de circulação das forças de paz, enquanto a ONU denuncia os obstáculos impostos pelas autoridades malianas. Aumentar os números também levanta a questão de encontrar tropas, já que vários países contribuintes (com um total de 2.250 soldados da paz) anunciaram sua retirada da MINUSMA, que pagou um alto preço com 165 mortos desde 2013.

Opção oposta, "se os parâmetros-chave para que a missão possa operar com o seu actual mandato não forem cumpridos”, o secretário-geral evoca a "retirada das unidades em uniforme” e a transformação numa "missão política especial”, com presença apenas em Bamako. Entre os dois extremos, o relatório propõe a manutenção do número de capacetes azuis, mas a alteração do mandato, com o encerramento de certos campos ou uma redução da presença no centro do país.

Se António Guterres não recomendar uma ou outra das três opções apresentadas ao Conselho de Segurança, sublinha que "o objectivo da presença da ONU no Mali continua a ser tão relevante como há dez anos”. Ainda mais, por causa das "imensas necessidades de protecção de inúmeros civis, as exigências da transição política em curso e o lugar central da trajetória do Mali na estabilização do Sahel”.

"Nenhum esforço deve ser poupado para impedir a renovação de um ciclo de instabilidade política e a deterioração da situação de segurança, humanitária e de direitos humanos”, defende o secretário-geral. Ele também observa que a maioria dos Estados-Membros e outros parceiros consultados insistiu no facto de que uma "retirada seria prejudicial ao Mali e à segurança regional”, sublinhando o "risco existencial” representado por grupos terroristas além da África Ocidental. Mas, alguns estão preocupados com o custo humano e financeiro da missão, com um orçamento anual de 1,2 bilião de dólares. "O Mali é um dos ambientes operacionais mais desafiadores para a manutenção da paz”, resume o relatório, destacando a vasta área de operações, o estado dea infra-estrutura e as ameaças "generalizadas” de vários grupos que operam na região.

Entretanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) denunciou ontemo sequestro de um dos seus trabalhadores no Mali e pediu uma investigação às autoridades daquele país para que o médico "possa, em breve, voltar para a sua família”.

"Os profissionais de saúde nunca devem ser alvo de um conflito”, lamentou o director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. O médico Mahamadou Diawara foi parado por desconhecidos enquanto viajava no seu carro na cidade de Menaka. O médico trabalha na zona desde o início de 2020, com o objectivo de apoiar a saúde de comunidades isoladas numa área frequentemente atingida por inse gurança e violência.


Junta recebe mais material de guerra

A junta militar que governa o Mali recebeu, esta semana, mais aviões de guerra e helicópteros da Rússia, noticiou ontem o correspondente da AFP, sublinhando que se trata da mais recente de uma série de entregas de armas. Oito aviões e dois helicópteros foram contados numa cerimónia que contou com a presença do embaixador russo, Igor Gromyko, e do chefe da junta militar do Mali, coronel Assimi Goita.

Os militares do Mali disseram que o carregamento incluía aviões de ataque Sukhoi Su-25 projectados para apoiar as tropas terrestres; e o Albatros L-39, fabricado pela República Tcheca. Bamako também recebeu Mi-8s, um helicóptero de transporte russo que, além de transportar tropas e equipamentos, pode ser equipado com armas para defender as forças terrestres. Esta é a mais recente de uma série de entregas russas semelhantes de equipamentos militares, após outras em Março e Agosto de 2022.

O Mali tem lutado contra uma insurgência jihadista, bem como enfrenta uma crise política e humanitária desde 2012. Depois que os coronéis actualmente no poder realizaram o seu golpe de 2020, as relações com a ex-potência colonial, França, rapidamente romperam-se, e a Rússia interveio para preencher o vazio.

Os militares malianos negaram as acusações, dizendo que simplesmente reviveram laços de longa data com a Rússia e o seu exército.  Na cerimónia de quinta-feira, o actual chefe da Força Aérea do Mali, general Alou Boi Diarra, saudou as últimas entregas como o mais recente estágio da modernização "sem precedentes” das forças do país.


 Aumento da insegurança

Outra consequência da indefinição sobre a segurança na região, é o aumento da actividade jihadista. Na sexta-feira, 28 pessoas morreram em novos ataques no Burkina Faso, incluindo 15 que foram sequestradas no fim-de-semana, disseram as autoridades. Quinze corpos com impactos de balas foram encontrados perto de Linguekoro, um vilarejo na província ocidental de Comoe, disse o governador regional, coronel Jean-Charles Some, em comunicado citado pela Efe.

 Eles estavam entre as 24 pessoas a bordo de dois mini-autocarros que foram parados por homens armados, disse ele. "Os passageiros, oito homens e 16 mulheres, foram instruídos a descer”, "oito mulheres e um homem foram liberados e orientados a caminhar até Mangodara”, a 30 quilômetros de distância, acrescentou.

Separadamente, 10 polícias militares, dois membros de uma força auxiliar que apoiava o exército e um civil morreram no norte de Burkina Faso num "ataque terrorista na localidade de Falangoutou, disse o exército.

Estes ataques marcam uma nova escalada na insurgência que assola o Burkina há mais de sete anos. A violência ligada à Al-Qaeda e ao grupo Estado Islâmico matou milhares de pessoas e forçou cerca de dois milhões a fugir de suas casas. Mais de um terço do país está fora do controlo do governo, de acordo com um enviado da CEDEAO.

Desde o início do ano, pelo menos 77 pessoas morreram, segundo um balanço compilado pela AFP a partir de declarações oficiais e fontes de segurança.

Também em Janeiro, 62 mulheres e quatro bebés foram sequestrados enquanto procuravam comida em Arbinda, no norte do país. A frustração dentro do exército com o número crescente de vítimas das forças de segurança desencadeou dois golpes no ano passado.


Exército acusado de matar 25 civis

Uma ONG de Direitos Humanos Burkina Faso acusou o Exército do Burkina Faso de matar esta semana pelo menos 25 civis, incluindo uma mulher e um bebé, no leste do país, de acordo com um comunicado divulgado pela AFP nesta sexta-feira. Nem o exército, nem o governo reagiram inicialmente a essas acusações. O leste de Burkina Faso é uma das regiões mais afectadas pela violência de grupos jihadistas, combatidas pelo exército e seus auxiliares.

Na noite de quarta-feira, "o Colectivo contra a Impunidade e a Estigmatização das Comunidades (CISC) foi confrontado por vários parentes das vítimas”, relatando "alegações de execuções sumárias de civis atribuídas às Forças de Defesa e Segurança de Burkina Faso (FDS) nas localidades de Piega, Sakoani e Kankangou”, disse um comunicado do CISC recebido pela AFP na sexta-feira. As execuções ocorreram quando uma caravana de "mais de uma centena de veículos” partiu na quarta-feira para a mina de ouro de Boungou, "escoltado por dezenas de caminetas 4x4 transportando vários FDS em uniformes militares”.

Outros casos de execuções extrajudiciais são regularmente relatados pela população em várias regiões do país, disse o CISC. Na véspera de Ano Novo, auxiliares do exército civil foram acusados de matar 28 pessoas no noroeste de Burkina Faso.


Médico da OMS  libertado no mali

Um médico da Organização Mundial de Saúde (OMS), raptado em 23 de Janeiro no Mali, foi libertado quinta-feira em Gao, a 300 quilómetros de distância, segundo fontes oficiais e das Nações Unidas. O homem, identificado como Mahamadou Diawara, foi raptado por homens armados não identificados na cidade de Ménaka, no nordeste do Mali.

Até ao momento não são conhecidos detalhes sobre as condições da sua libertação na área, onde operam grupos de extremistas islâmicos. Diawara tem trabalhado no escritório da agência da ONU em Menaka desde o início de 2020.

A OMS disse, após o incidente, que o condutor do seu carro foi agredido durante o rapto. Até agora, não houve qualquer reivindicação de responsabilidade pelo rapto, que aconteceu dois meses após o rapto em Gao de um trabalhador da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), mais tarde libertado.


Crimes que chocam o país

As investigações sobre uma série de decapitações no sul do Mali que chocaram a nação do Sahel marcaram um avanço no modo como o país reage às situações que lhe são colocadas, disseram fontes judiciais e da polícia.

 Dez pessoas na cidade de Fana, produtora de algodão, foram decapitadas desde 2018, gerando temores de assassinatos rituais. "Prendemos o principal suspeito”, disse à AFP o promotor local Boubacar Moussa Diarra por telefone. Ele é um maliano desempregado de 42 anos, sem endereço fixo. "Os detalhes que ele deu dos crimes correspondem à natureza dos assassinatos”, sublinhou

 As vítimas incluíam um ex-soldado, uma dona de casa, uma criança albina de cinco anos e uma menina de dois anos, e aparentemente nada tinham em comum. Na maioria dos casos, as suas cabeças foram encontradas, mas o seu sangue havia sido colhido, gerando temores de assassinatos rituais.


Terreno aberto que desafia governos muito fragilizados

Medicamentos disponíveis na região do Sahel estão abaixo do padrão ou desactualizados, alertou o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). As drogas inferiores são retiradas da cadeia de abastecimento na Europa e, em menor grau, da China e da Índia. Muitas vezes passam por portos marítimos na República da Guiné, Ghana, Benim e Nigéria antes de serem transportados para a região do Sahel.

O relatório do UNODC publicado, na terça-feira, destaca a Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Níger e Tchad como os países mais atingidos. Mesmo que não haja dados confiáveis sobre todas as quantidades traficadas em várias formas e rotas nos países do Sahel, estudos indicam uma percentagem de medicamentos abaixo do padrão ou falsificados no mercado variando de 19 a 50%.

Pior, uma vez que os medicamentos são desviados da cadeia de suprimentos oficial, há pouca orientação sobre como eles devem ser usados pelo paciente. "Se você quiser obter um antibiótico do mercado, você pode tê-lo. É o certo para ser usado ou não? Tem que ser controlado”, disse François Patuel, chefe da unidade de pesquisa e desenvolvimento do UNDOC, citado pela Reuters. Essas deficiências contribuem para a resistência microbiana e antimalárica, acrescentou.

Aqueles que mantêm esse comércio variam de funcionários de empresas farmacêuticas a vendedores ambulantes e seguranças. Mas, embora a região do Sahel seja assolada pela violência extremista islâmica, os grupos armados estão menos envolvidos nesse tipo de tráfico. "Apesar do envolvimento frequentemente anunciado de grupos terroristas e grupos armados não estatais no tráfico de drogas no Sahel, muitos casos documentados mostram que é limitado”, disse o relatório. Também apontou para uma diminuição da confiança no sistema de saúde e no governo quando esses tratamentos menos eficazes falham com as pessoas que optam por tomá-los.

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