Cultura

Obras de artistas angolanas expostas no Museu de Arte Moderna de Paris

Adriano Mixinge

Escritor e Jornalista

Com cenografia do Atelier Maciej Fiszer, Aliénor Faivre e Gerardo Izquierdo, a exposição foi inaugurada no passado dia 22 de Janeiro, há sensívelmente três semanas, e vai estar aberta ao público até ao próximo dia 30 de Maio.

13/02/2021  Última atualização 21H24
© Fotografia por: DR
Com a certeza de que as mãos, o corpo, as práticas criativas, as ideias, a vida privada e o entorno familiar são os primeiros lugares de poder e de empoderamento da mulher, esta singular e rara exposição de arte reúne a obra de dezasseis artistas africanas de origem anglofóna e lusofóna, vivendo no continente e ou na diáspora e que falam sobre temas como a maternidade, a autorepresentação, a sexualidade, a espiritualidade, as práticas artísticas tradicionais e a invisibilidade, entre outros.

As obras destas artistas africanas estão expostas no Museu de Arte Moderna, em Paris, mesmo ao pé do "Palais du Tokyo”, - um centro de arte dos mais transgressores dos circuitos de arte internacional - um dos eixos mais frequentados pelos amantes das artes e pelos turistas, quando visitam aquela cidade: é um momento alto e de consagração que, certamente, marcará um antes e um depois nas suas trajectórias artísticas.

"The Power of my hands. Africa (s): Women Artists ”/ "O Poder das minhas mãos. África(s): Mulheres Artistas” – cujo título se inspira numa das obras da artista angolana Keyezua - faz parte da "Season Africa 2020”, uma iniciativa do governo do presidente Emanuel Macron, de que faz parte um vasto programa de actividades artísticas e culturais em toda França, - de Bordéus a Paris -, que inclui mais de trezentos projectos pedagógicos e um acordo entre o Ministério da Educação de França e a UNESCO para promover a História Geral de África nas instituições de ensino, entre outras iniciativas, tendo a francesa de origem senegalesa N`goné Fall como Comissária Geral.

Fazem parte especificamente da exposição "O Poder das minhas mãos. África(s): Mulheres Artistas”, comissariada pela curadora independente angolana Suzana Sousa e pela Conservadora de Património do Museu de Arte Moderna de Paris, a francesa Odile Burluraux, as seguintes artistas:
Stacey Gillian Abe (Uganda, 1990), Njideka Akunyili Crosby (Nigéria, 1993), Gabrielle Goliath (África do Sul, 1983), Kudzanai-Violet Hwami (Zimbabué, 1993), Keyezua (Angola, 1988), Lebohang Kganye (África do Sul, 1990) Kapwani Kiwanga (Canada, 1978), Senzeni Marasela (África do Sul, 1977), Grace Ndiritu (Inglaterra, 1976), Wura-Natasha Ogunji (USA, 1970), Reinata Sadimba (Moçambique, 1945), Lerato Shadi (África do Sul, 1979), Ana Silva (Angola, 1969), Buhlebezwe Siwani (África do Sul, 1987), Billie Zangewa (Malawi, 1973) e Portia Zvavahera (Zimbabwe, 1985).

Se olharmos bem para a lista das artistas que participam nesta exposição e se, rapidamente, o leitor fizer uma pequena aproximação através dos motores de pesquisa da internet poderá reparar, em primeiro lugar, que neste grupo estão artistas de diferentes gerações, distintas origens e com variadíssimas técnicas e projectos estéticos utilizando a pintura, a cerâmica, a fotografia, o vídeo, performances e os bordados, fundamentalmente.

Em segundo lugar que, é visível, a obra artística delas sempre discorre por formas e ideias nada ou pouco trilhadas o que tem permitido a muitas delas chamarem atenção e estar em franca ascendência no mercado de arte internacional, particularmente, no mercado primário, pelo interesse que as suas obras tem despertado para algumas das galerias de arte e para alguns dos mais importantes especialistas, que se dedicam a arte contemporânea.

Por exemplo, a galeria Victoria Miro - com sedes em Londres e em Veneza - anunciou, ainda em finais de Dezembro do ano passado, que vai representar a artista zimbabueana Kudzanai-Violet Hwani e logo depois da inauguração da exposição, em Paris, a artista angolana Ana Silva comunicou através das suas redes sociais que a galeria André Magnin passou a ser a sua galeria, em França.
E, em terceiro lugar, mesmo até quando a obra de algumas delas ainda não encontraram o seu nicho ideal de mercado e o reconhecimento que lhe é devido, as artistas em questão têm obra sólida e consistente.

Erodir o paternalismo

Sobre a exposição "O Poder das Minhas Mãos. África(s): Mulheres Artistas” devem ser feitos alguns comentários mais relacionados com as dinâmicas de legitimação em voga no mundo, para além do facto, nada depreciável, de que é muito raro e, portanto, chega a ser surpreendente que este conjunto de artistas exponha no Museu de Arte Moderna de Paris e sejam apresentadas como estão a sê-lo: o facto as coloca na história de arte em pé de igualdade com qualquer outro artista do mundo e, também, contribui para erodir os resquícios do paternalismo e da condescendência, frequentemente presentes nas relações culturais entre a África e a Europa.

Interessante é ainda constatar que a exposição, por um lado, desloca a discussão das questões políticas do lugar da mulher em África e no mundo do espaço privado (atelier das artistas) ao espaço público, sabendo que o primeiro é um lugar de criação artística pouco acessível, mas que, expostas no museu, - um lugar que continua a funcionar como um espaço de consagração e de ressignificação nada negligenciável -, as obras servem também como pretexto para a reflexão e para a denúncia.

Por outro, em rigor, esta exposição como outras com um formato de co-curadoria similar que fazem dialogar especialistas com origens, educação e visões diferentes, - no caso, a curadora independente angolana Suzana Sousa e a conservadora de património Odile Burluraux - o que faz, de um modo que não é frequente acontecer, é dar espaço e deixar fluir a voz e a cosmovisão das artistas, bem como a abordagem das especialistas fora do contexto habitual do eurocentrismo, pondo em harmonia, em diálogo e ou em tensa coabitação o pensamento de ambas pondo-os sobre a balança, numa espécie de equílibrio global de legitimação e respeito pelos saberes e pelas perspectivas diferentes.

Também é preciso assinalar que, com a co-curadoria desta exposição, Suzana Sousa posiciona-se, sem lugar a dúvidas, como uma das curadoras de arte africana contemporânea mais influente, o que nos obrigará a olhar de outro modo ao seu precurso e muito particularmente aos textos especializados que vem publicando, - em catálogos e revistas especializadas de alto nível -, para tentarmos definir melhor qual é o seu contributo tanto para a criação do gosto e dos valores do mainstream global como para produção de pensamento crítico a partir do espaço lusófono, passando pela sub-região da África Austral e daí, mais concretamente, para a promoção da arte contemporânea africana no mundo.

Ainda reparando bem para a lista das artistas da exposição "O Poder das minhas mãos. África(s): Mulheres Artistas” notamos que nela constam duas artistas angolanas que estão na mó de cima desde há algum tempo, tanto no panorama da arte angolana contemporânea como no da arte africana e da arte internacional, nomeadamente, a Keyezua e a Ana Silva.
"The Power of my Hands” (2015), a obra de Keyezua que dá título a exposição é uma tapeçaria, em fibra sintética que faz alusão ao cabelo e às esteiras como signos de poder e como símbolo de tradição, remetendo-nos com a sua textura ao acto criativo, a partilha e à cumplicidade tanto dos actos de trançar e de tecer como do que eles implicam como acto social.

Enquanto que "O Fardo” (2020), a obra de Ana Silva é uma bela instalação com luz e bordados, com a qual a artista passeia entre as histórias de familia e a ressignificação estética deste ofício que passa a ser parte de um texto que lhe permite criar diferentes narrativas a volta do abraço e da cumplicidade ou que lhe ajudam a retratar determinados hábitos e costumes.

Recomendo, pois, ao leitor atento, ao coleccionador de arte, aos especialistas, aos outros artistas e ao público, em geral, a seguir as pistas da trajectória pessoal e artística delas pela originalidade, pela força, pela sensibilidade, pelo conhecimento do ofício, pela estética e pelas ideias sobre as quais reflexionam com as suas obras nesta exposição, mas não só: segui-las permitirá saber o lugar que, de certa forma, vamos ocupando no contexto da arte contemporânea no mundo.

*Historiador e Crítico de Arte

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Cultura