Opinião

O que temos de melhorar

Apusindo Nhari

Jornalista

Promover a melhoria sustentada dos índices de desenvolvimento humano dos angolanos, é a obrigação do nosso Estado, inscrita na alínea o) do Artigo 21º da Constituição.

21/03/2021  Última atualização 10H51
Os números têm essa magia: quantificam, classificam, ajudam a ordenar. E o homem sofre dessa ansiedade: gosta de contar, de classificar, de se auto-incentivar através da sua posição numa tabela, através da comparação com os números de competidores. Num mundo feito tão à imagem de um enorme tabuleiro onde todos competem com todos    , a existência de números que permitam avaliar a posição de cada um torna-se quase imperativo. Mas havia um defeito: os números que apareciam para qualificar os países, ou regiões, reflectiam apenas a realidade económica.

Mahbub ul Haq, economista, considerava essa classificação claramente insuficiente, pois não reflectia o seu entendimento de "desenvolvimento humano”. E, em 1990, após ter elaborado um "Relatório de Desenvolvimento Humano”, com a colaboração de uma plêiade de economistas de referência, pretendeu condensar num número, uma imagem do que as políticas públicas haviam alcançado no conjunto da população da região considerada. E foi assim que, com Amartya Sen, criou o "Índice de Desenvolvimento Humano”. Este indicador utiliza três critérios para a sua obtenção: o "índice de educação”, a "longevidade da população”, e o "rendimento per capita”.

Procura assim reflectir quer a taxa de analfabetismo, quer a de escolarização, assim como a expectativa de vida ao nascer (de certa forma relacionada com o acesso a cuidados de saúde), não deixando de incluir também um critério económico na avaliação. Não é um indicador perfeito, pois muitos  outros aspectos poderiam ser considerados na análise da condição de vida da população. No entanto, o IDH teve o mérito de fazer evoluir a discussão, quando se fala em desenvolvimento,para campos não meramente económicos. Angola apresenta-se na posição 148 entre 189 países.

Como temos extensamente vindo a abordar em artigos anteriores, as preocupações com a qualidade de vida dos angolanos são muitas e justificadas. E essas preocupações são de toda a índole: no campo da educação, no da saúde, e no do mais elementar combate à pobreza, quando uma parte considerável da nossa população passa por necessidades extremas, no seu dia-a-dia, mesmo ao nível da alimentação das crianças. Para não falar das limitadas oportunidades para um desenvolvimento pessoal pleno.

O facto de Angola já apresentar 66,8% de população urbana, leva a duas reflexões: por um lado, seria, teoricamente, mais fácil a construção de infra-estruturas para atender às suas necessidades básicas, pois está concentrada, mas, por outro, na selva citadina, as leis são mais cruéis, e não há os recursos tradicionais para a ajuda às pessoas em dificuldade, já que essa rede de apoio, que assenta normalmente na família e na comunidade, é destruída com a movimentação para os centros urbanos. No mundo rural, as pessoas têm mais controlo sobre a sua vida, e a sua actividade, pois retiram directamente dela uma parte fundamental dos recursos que os ajudam a sobreviver.

Embora seja de reconhecer que as sociedades rurais podem obrigar a uma submissão a estruturas mais rígidas, de cujo espartilho muitos jovens procuram fugir, quando preferem a incerteza de uma vida que sentem mais livre, nas cidades. Provavelmente não imaginando o que virão a encontrar, pois na cidade estarão completamente dependentes de factores externos, que em grande medida não controlam. Para além de terem que lidar com um conjunto de estruturas (instituições) com as quais não estão familiarizados, sendo frequentemente prejudicados no balanço do seu relacionamento com elas.

A necessidade de se investir no Homem, a partir da sua gestação, e olhar carinhosamente para o seu crescimento,promovendo um cidadão completo com condições para poder escolher, como almejava Amartya Sen, deve ser um objectivo central da governação. Pois não se pode escolher, se a vida for uma luta constante pela sobrevivência!! Como se pode escolher sem educação? Sem saúde? Sem habitação?Sem uma rede que assista o cidadão a quem o infortúnio atinja? Sem emprego?Sem justiça?

Esta parece ser a forma adequada de olhar para uma sociedade quando se pretende avaliá-la: ver até que ponto se está a proporcionar aos seus integrantes a possibilidade de perseguirem os caminhos que crescem dentro deles, única forma de poderem sentir a satisfação de estarem a cumprir com o que acham realmente importante na sua vida. E isso leva-nos, uma vez mais, ao questionamento quanto ao que deve ser entendido por "desenvolvimento” de um país, de uma região,de uma sociedade, de um indivíduo.

Olhando para a história, mormente a recente, onde podemos encontrar muitas sociedades que conseguiram resolver os problemas básicos das suas populações, deparamo-nos com muitos exemplos em que tal não foi suficiente para que a mesma fosse feliz ("humanamente desenvolvida”), pois os ditames do crescimento económico, com uma acentuada liberalização, levou a um aumento exponencial de insegurança individual criada pela necessidade de competir, que se traduziu em depressões e em sociedades sequestradas.

O desenvolvimento humano só é possível com a existência de uma alargada teia que nos una como comunidade, sem impedir que possamos ser cada um de nós. E a felicidade, último objectivo, só acontece quando não tenhamos que olhar para o futuro com uma preocupação permanente. Quando possamos ter confiança nas instituições. Nas lideranças. No país.

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