Opinião

O que correu mal...?

Apusindo Nhari

Jornalista

“O Quim sempre fora um aluno brilhante. Foi doutorar-se numa boa universidade no estrangeiro, com o intuito de voltar para o corpo docente da nossa. Mas não voltou. A Paula foi formar-se com o propósito de contribuir para a gestão do desenvolvimento institucional da Universidade, mas também ficou.

07/02/2021  Última atualização 11H07
Tal como aconteceu com o Américo, o Dimo, o Félix, o Vitinho, o João, o Henrique, e tantos outros. Alguns voltaram. Poucos para a Universidade. Ou só secundariamente. E não se atingiu o objectivo de criar um corpo docente nacional sobre o qual se pudesse alicerçar um ensino superior institucionalmente forte, com a base científica e a qualidade que arrastasse o país na direcção certa. Não se criaram condições que os atraíssem, dando-se-lhes motivos para escolhas que os afastaram dos objectivos para os quais tinham ido adquirir formação de qualidade excepcional.”

"Saímos de Malanje, passámos a antiga Casa dos Gaiatos, e curvámos à direita, em direcção à Missão do Quéssua. Quando chegámos, nesses idos de 80, deparámo-nos com uma nova construção que nos deixou positivamente siderados. Era o novo Instituto Médio Agrário! Mais tarde, as feridas da guerra afectaram-no, e não sabemos como estará hoje, mas naquele momento, foi uma visão que impactou. Como nos foram impactando ao longo dos anos, a descoberta do Instituto Médio no Negage, na estrada para o Bungo, ou o do Wako, perto da zona industrial criada com o Aldeia Nova. Ou das Mediatecas que se distribuíram por muitas das capitais de província. Ou da infra-estrutura criada para o campus da Universidade Agostinho Neto, ou o impressionante edifício, recém-inaugurado, do Arquivo Histórico Nacional. E tantos outros investimentos em betão que também abrangeram os sectores da saúde, como hospitais de referência, ou da formação profissional, como o CINFOTEC, o Centro Integrado de Formação Tecnológica, em Talatona.”

Houve um prolongado silêncio. O Basílio, que nos contava todos estes seus pensares, de olhos baixos, deixava que uma ruga se aprofundasse na testa, emoldurada por ralos cabelos brancos. E terminou perguntando-se: "O que falhou na estratégia nacional, mesmo quando havia um indisfarçável esforço por querer construir uma Angola melhor, para que chegássemos a este estado?”
Efectuar investimentos estratégicos, massivos e permanentes no capital humano, com destaque para o desenvolvimento integral das crianças e dos jovens, bem como na educação, na saúde, na economia primária e secundária e noutros sectores estruturantes para o desenvolvimento auto-sustentável, é obrigação do nosso Estado, estabelecida pela alínea i) do artigo 21º da Constituição.
Como justificar que os investimentos massivos não tenham resultado num país melhor?

Verificamos que muito do investimento realizado não teve uma estratégia coerente por trás, permitindo que cada acção fizesse parte de um todo que carregasse o país para os patamares almejados. Apesar dos estudos, dos planos gizados, muitas vezes por técnicos muito capazes, não se conseguiu que todos se envolvessem num esforço nacional que assegurasse que o que cada um fazia, tivesse em conta o outro, para que a resultante fosse no sentido desejado.

As acções foram sendo realizadas como um conjunto pouco harmonioso que, tantas vezes, eram executadas com o simples objectivo de se utilizar recursos que estavam disponíveis. Não se tiveram suficientemente em consideração aspectos básicos da análise de investimentos:  a sua oportunidade, a adequação da tecnologia introduzida às condições do país, a capacidade de serem mantidos com custos razoáveis, e como catalisariam o desenvolvimento, permitindo a formação de angolanos, criando empregos, novas empresas, riqueza.

A viciante apetência pelo novo, em detrimento da manutenção do existente, traduziu-se num desperdício permanente, dirigindo os investimentos para projectos faraónicos, que, na grande maioria das vezes, ou não eram concluídos, ou tinham um período de vida muito curto, pois estavam dissociados do todo. Esquecendo-se a principal recomendação desta cláusula das obrigações do nosso Estado: o investimento massivo e permanente no capital humano. Só nos resta aprender com os erros. Ser humildes e começar de novo. Ter paciência, e fazer bem feito. Abandonar a "mania das grandezas” e buscar as soluções que não deixem ninguém para trás, sobretudo os mais desfavorecidos...

Reformar a educação: apostando no ensino primário, sem estar preocupado com ter universidades no topo das classificações internacionais. Reformar a saúde: com prioridade para a prevenção, estabelecendo um verdadeiro sistema nacional que atenda os cuidados primários, sem a corrida para hospitais de referência super-especializados. Reformar os serviços básicos: levando a água e a energia a todos, tendo em atenção as soluções mais adequadas a cada localidade, e não necessariamente as que incorporam o ápice da tecnologia. Reformar a acção na agricultura: priorizando a familiar, em vez de nos obcecarmos com grandes complexos agrícolas que, depois, jazem semi-abandonados um pouco por todo o país. Reformar as vias de comunicação: desenvolvendo e cuidando da rede nacional de estradas, primárias, secundárias, terciárias, sem estar preocupado com a construção de auto-estradas.

E, sobretudo, criar sistemas para manter  o que for sendo feito (que deve durar o que é devido) retirando do nosso vocabulário palavras como "obsoleto” e "reinauguração”, e tendo como absolutamente prioritárias a melhoria e a manutenção do capital humano: valorizando-o, desenvolvendo-o, acarinhando-o. O que só será possível com uma preocupação constante pelas condições de trabalho, o salário adequado, e a formação contínua dos quadros angolanos.
Esse país adiado, só por nós poderá ser construído.

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