Opinião

O processo de reformas só está ainda no início

No longo percurso que tem de fazer para reformar o Estado, Angola tem de prestar particular atenção ao sector da Justiça. Para o nosso caso, em concreto, reformar o Estado não significa apenas introduzir alterações de fundo na estrutura e no modo de funcionamento da Administração Pública.

02/04/2021  Última atualização 07H00
Mal o novo Executivo entrou em funções, o Presidente João Lourenço tratou de deixar claro que a reforma do Estado, além de tocar aspectos de ordem política, visa promover novas práticas no campo económico e social, na forma de fazer negócios, de gerir os bens públicos, na administração da justiça, na melhoria da capacidade de prestar serviços de saúde, na educação e ensino de qualidade, enfim, toda uma série de demandas que é preciso atender.
Desde Setembro de 2017 que Angola fez grandes esforços no sentido de voltar a ganhar a confiança do mundo, dando provas de seriedade no combate à corrupção e à impunidade, de engajamento para instaurar um novo ambiente de negócios, compatível com os padrões internacionalmente aceitáveis. A percepção que se tinha do país lá fora mudou de forma substancial, como resultado das medidas que foram tomadas. O sector da Justiça jogou um papel central, porque a ele coube a tarefa de traduzir, no plano prático, o que os propósitos políticos enunciavam.Dito de outro modo, a Justiça teve como responsabilidade dar corpo à nova vontade política, de não deixar que o tempo se encarregasse de tornar letra morta os anseios há muito alimentados de ver o país conhecer mudanças reais no combate à corrupção e à impunidade.

Promessas antes feitas caíram em saco roto e o país foi vendo a sua reputação a ir a pique. As dificuldades no acesso aos mercados financeiros começaram a fazer-se sentir de forma crescente e com particular acuidade. A governação começou a ser confrontada com dados indesmentíveis sobre a má gestão das verbas colocadas à sua disposição para projectos económicos de envergadura, que era suposto abrirem caminho para relançar a economia e gerar o progresso económico e social duradouro.Num tal contexto, não era possível governar sem pedir responsabilidades. Responsabilidades políticas e responsabilidades judiciais. A Justiça, amarrada aos interesses políticos, via as coisas acontecerem sem nada poder fazer. Era preciso libertá-la. E foi isso que foi feito, pois, na reforma do Estado, ela (a Justiça) tem um papel estruturante a jogar, na medida em que a sua actuação emite mensagens sobre o pensamento social que se pretende seja cultivado, sobre o comportamento cívico que se espera do cidadão, enfim, sobre a formatação que se almeja que a sociedade alcance.

Desengane-se quem pensa que três anos de mandato são suficientes para se conseguir os grandes objectivos que uma reforma do Estado se propõe atingir. São mudanças que levam décadas a ser consolidadas. Elas, porém, não ocorrem sem sobressaltos. Qualquer reforma encontra sempre um terreno favorável, como também uma avenida de resistências. Os interesses estabelecidos nem sempre querem que ela aconteça. Se as reformas implicarem perda de vantagens, são os primeiros a colocar-se na contra-mão. Quanto mais fortes, quanto mais peso tiverem (ou representarem) esses interesses, maiores também podem ser os obstáculos à sua realização. As intrigas políticas fazem parte do jogo de lançar areia para a engrenagem com o único objectivo de impedir que o processo de transformações ganhe estabilidade. 

A possibilidade de os interesses estabelecidos reconfigurarem o seu posicionamento, tecerem novas alianças, para procurar sobreviver, mesmo se as chances forem muito poucas, é uma hipótese que não é um facto novo, se olharmos para a experiência de outras reformas políticas e económicas de fundo, ocorridas um pouco por todo o mundo.

Por isso, funcionou como um aviso a denúncia, feita pelo Presidente João Lourenço, na abertura, terça-feira, do ano judicial, segundo a qual "forças internas e externas, ligadas aos que mais delapidaram o erário, realizam campanhas com vista a denegrir e desacreditar a Justiça e o Estado angolano, em geral, mesmo com tantos exemplos concretos de indiciados, arguidos e alguns já condenados”.

A revolução mental que se pretende com a reforma do Estado vai sempre encontrar, neste seu início de caminhada, forças dispostas a lhe travarem o ímpeto, o andamento. Mas será a persistência, o desejo da maioria de ver Angola tornar-se um país normal, que vai determinar a construção de uma nova sociedade, onde o combate às irregularidades se faça com o mesmo vigor, tanto contra a grande como contra a pequena corrupção, e a distribuição de rendimentos se faça pela via mais justa e merecida: pelo trabalho digno e pelo mérito.

Que a corrupção não vai acabar, isso é um facto. Haverá sempre quem queira seguir por atalhos. No mundo há vários exemplos, mesmo em países desenvolvidos, de casos de corrupção que se sucedem. Uma vez descobertos, a Justiça cai-lhes em cima com todo o seu peso. É nossa missão, de todos os angolanos, lutar para extirpar o cancro da corrupção do nosso "modus vivendis” e dar a ver ao mundo um novo país, uma nova Angola. Temos um longo percurso a fazer. O processo só está ainda no início.

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