Opinião

O ónus da exploração mineira na RDC

Prestimoso leitor, se olhar à sua volta, poderá identificar aparelhos electrónicos sem os quais julgaria a vida impossível. Provavelmente, o aparelho que nos está a permitir esta conversa silente, através dos olhos, seja um deles.

29/01/2023  Última atualização 06H00
Ao se imaginar passar dias e dias à distância dos mesmos, dar-lhe-ia a entender que houve uma regressão da espécie humana. Mas para quem vive na República Democrática do Congo (RDC), sobretudo nas áreas de extracção dos minerais que sustentam a vertiginosa evolução tecnológica do mundo, o recuo da humanidade não é imaginário.

Acredita-se que um dos países mais ricos do planeta, em termos de recursos naturais, seja a RDC. Há quem já a tenha considerado uma ‘aberração geológica’ por possuir absolutamente tudo. As maiores reservas de alguns minerais preciosos encontraram-se no solo e subsolo deste país. Há tantos anos que a RDC tem sido mencionada pela mídia de todos os continentes, por força dos conflitos armados que a enorme demanda por tais minerais tem despoletado. Nos dias que correm, o coltan e o cobalto colocam a RDC nos destaques dos órgãos de comunicação social – principalmente dos sites, jornais e revistas – devido  ao facto de a exploração desses minerais estar aliada aos danos múltiplos, muitos dos quais irremediáveis, à população congolesa.

Hodiernamente com um número de habitantes à volta dos 92.378.000 – segundo dados de 2021 da Organização das Nações Unidas –, a RDC localiza-se no Centro-Oeste do continente africano, ao longo de uma extensão de terra de 2.344.858 quilómetros quadrados, que a coloca na segunda posição da lista dos maiores países de África. Já foi designada República do Zaíre – deixou-o de ser em 1997, por iniciativa de Laurent Kabila, à altura Presidente da República – e tornou-se independente da colonização belga em 1960.

A denominação ‘Congo’ advém da língua Kicongo, pertecente à maior etnia que habita naquela região africana, cuja tradução para o português significa ‘caçadores’. Entretanto, tal denominação tem sido directamente relacionada ao rio Congo, segundo rio mais caudaloso do mundo, que atravessa o território desse enorme país antes de desaguar no Oceano Atlântico.

O coltan, também chamado de ‘tântalo de sangue’ ou ainda ‘ouro azul’, é um mineral constituído por outros dois minerais, columbita e tantalita, imprescindível para o fabrico de aparelhos electrónicos, tais como telemóveis, computadores, iPods e etc. Significativa parte das peças dos mesmos bens detêm o coltan na sua composição. As reservas de ‘ouro azul’ estão localizadas, até então, no Brasil, Austrália, Egipto, Rwanda e na RDC. Considera-se que a maior reserva mundial, entre 70% a 80%, encontra-se no último país.

Outro mineral igualmente indispensável para a produção de aparelhos electrónicos, sobretudo no que concerne à fabricação de baterias, é o cobalto. Trata-se de um mineral cujas características permitem-lhe alta resistência ao calor e à ferrugem. Ele existe em certos países, porém a maior quantidade situa-se na RDC, numa percentagem acima dos 60.

Para além do coltan e do cobalto, esse que é igualmente o terceiro pais africano mais populoso, é detentor de outros minerais de preciosidade inquestionável, como ouro, diamantes, cobre, urânio, estanho, só para citar alguns. Devido à abundância de minerais diversos, a RDC vem sendo cobiçada por pessoas, empresas e até por governos que, à socapa, criam condições para se apoderarem dos mesmos minerais. Tais condições implicam a corrupção a funcionários seniores do Governo e das forças de defesa e segurança da RDC, bem como o provimento de armas aos grupos armados que transfiguram a exploração dos minerais num inferno à superfície.

Amiúde, o desgaste do meio ambiente, as violações sexuais, o trabalho infantil, a escravidão, o tráfico de seres humanos, os assassinatos, as más formações congénitas preenchem o rol de atrocidades associadas à exploração mineira. Desprovidos de equipamentos de segurança, os congoleses que trabalham nas minas, entre homens mulheres e inclusive crianças, fazem-no durante largas horas sob o olhar de seguranças armados até aos dentes e com dedos no gatilho. Se os mineiros demonstrarem algum comportamento suspeito de roubo, são mortos na hora. Os sortudos enfrentam investigações ou interrogatórios que geralmente retardam a morte, somente por poucos dias. Nem sempre são os seguranças quem trucidam os mineiros. Há ocasiões em que quem mata é a mãe natureza, através dos delizamento de terra. Os populares que vivem nas áreas onde se descobre potencialidades para a exploração de minerais preciosos, são obrigados a abandonar as suas casas e lavras rumo a locais menos inseguros, se antes não forem exterminados pelos grupos rebeldes. As lavras, assim como o habitat da fauna são transformadas em minas que, por sua vez, dão lugar a enormes cavidades, buracos. Em funcão da exploração desenfreada, desordenada, deterninados animais e plantas estão em vias de extinção. A água, fruto dessa actividade, é contamida com resquícios de diferentes minerais, acabando por ir aos rios que servem de abastecimento para a população.

Segundo o The Guardian, num artigo publicado no dia 6 de Maio de 2020, pesquisadores da Universidade de Lubumbashi (RDC) e de duas universidades da Bélgica compararam 138 crianças recém-nascidas oriundas de famílias que habitavam no cinturão de cobre (uma extensa região fértil em cobre, cobalto e outros minerais) com outras 108 crianças residentes em Lubumbashi, distante das zonas mineiras. Terminada a pesquisa, a equipa descobriu que os pais que trabalhavam nas minas de cobre e cobalto ou que viviam ao redor das mesmas tinham maiores probabilidades de gerarem filhos com má formação congénita. O estudo foi accionado depois de os académicos das universidades atrás referidas lerem os relatórios – enviados por médicos, ONG e autoridades locais – que apontavam para o crescimento de filhos de mineiros congoleses "nascidos com condições tais como anomalias nos membros, lábios leporinos e defeitos do tubo neural com espinha bífida”.

O conflito armado que devasta a pátria de Laurent Kabila há vários decénios, principalmente na região Leste, deriva da disputa pelo controlo das regiões prósperas em minerais, tendo o coltan e o cobalto no topo da procura. Inúmeros grupos rebeldes que aí operam salvaguardam interesses que em nada se refletem na melhoria das condições de vida da população. Pior que isso, elas ainda são arrastastas para um ciclo de violência, cujo fim parece invisível, em proveito de países ditos do primeiro mundo.

Para que essa realidade mude para melhor, é importante que haja convergência de vontades e esforços à escala mundial, mais essencialmente dos próprios congoleses. O Governo da RDC precisa fazer das tripas o coração para elevar o patriotismo, acautelando as condições mínimas para a população, de modos a que ela resista ante à corrupção. Tal esforço necessita do apoio da gigantesca diáspora congolesa – académicos, empresários, artistas, desportista - que vêm se destacando noutras latitudes. Aqueles nacionais que possuem alguma capacidade técnica, académica, financeira, entre as demais possibilidades, também devem dar o seu contributo. Exemplos como o do Dr. Denis Mukawege, ginecologista congolês que criou um hospital especializado em reconstrução interna do órgão genital feminino após violação sexual, carecem de multiplicação. O hospital Panzi, já operou quase 80 mil mulheres nos últimos anos, numa média diária de 10 cirurgias. Por conta do impacto das reparações, o médico, que presumivelmente as circunstâncias tornaram-no também activista dos direitos humanos, é hoje considerado como o maior especialista mundial no sector e, em 2018, foi agraciado com o Prémio Nobel da Paz.

Edson Kassanga 

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