Entrevista

“O canto lírico dá uma abertura para fazer qualquer outro estilo musical”

Katiana Silva

Jornalista

Agustina Bunga, de nome artístico “Tina Bunga”, actua hoje, às 19H, na Casa de Viana, em Luanda, numa sessão de karaoke na qual pretende interpretar vários temas da música nacional e internacional, organizado pelo Atelier de D´Artes Lucengomono, que, com a Casa Viana pretende com isso, a partir da interpretação de diversas canções populares angolanas, como de Yola Semedo, Matias Damásio, e clássicos internacionais do Jazz, viajando pelos géneros musicais kizomba, semba, bolero e bossa nova, proporcionar momentos de lazer e inspiração, bem como divulgar o concerto de apresentação da cantora, agendado para o dia 7 de Dezembro deste ano, no Instituto Guimarães Rosa.

29/06/2023  Última atualização 08H50
Agustina Bunga, de nome artístico “Tina Bunga”, é estudante de música, no Instituto Superior de Artes de Luanda © Fotografia por: DR

Quando precisamente se envolve no mundo da música?

Todas as vezes em que sou interrogada sobre o meu primeiro contacto com a música, torna-se difícil responder a questões como estas. Sou nata de uma família do primeiro grau de músicos, que são os meus pais. É da inteira responsabilidade deles todo esse trabalho. Os meus pais são coristas, os meus irmãos também. Um dos meus irmãos é baixista, e tenho uma outra irmã que também canta, ou seja, todos em casa são artistas e pertencem a uma banda. Os meus pais fazem parte do grupo coral pertencente à Igreja Baptista. Começo a cantar desde que me conheço como pessoa.

 

Conta-nos um pouco das suas primeiras experiências enquanto artista?

No início de carreira, ainda me via satisfeita, mas com o passar do tempo, cantar apenas já não era suficiente. Queria fazer uma formação, queria aprender mais sobre música, daí veio essa minha decisão em fazer música e seguir carreira. Mas, no início, não foi fácil a aceitação dos meus pais. Sempre senti que os meus pais apoiavam, de alguma forma, mas não aprovavam. Para os meus pais, não era suficiente, eles querem sempre o bem para os seus filhos, eles queriam saber como funcionava o mercado musical, para aprovar a minha decisão em ser artista.


Foi difícil convencê-los?

Houve, no princípio, muitos entraves, tanto que eu não conseguia sair para cantar. Havia vezes em que tinha de fugir ou mentir para ir cantar, não conseguia sair à noite para participar em apresentações de bares, e quando os meus pais começaram, de certa forma, aceitar a minha condição como artista musical, surgiram os terceiros: os meus tios e vizinhos, que interrogavam aos meus pais a razão de me terem permitido ser artista de musical. Sentia, por parte dos meus familiares, olhares de desdém, zombavam de mim perguntando se seria mesmo uma artista musical. Com o decorrer do tempo as coisas foram melhorando, as pessoas passaram a levar a sério minha decisão em seguir uma carreira musical após as minhas aparições na imprensa.

 

Fala de quais aparições na imprensa?

Participei no concurso Pé no Palco, programa realizado pela Palanca TV, onde cheguei até às semifinais. Por conta desse concurso, ganhei um curso de canto na Malpshow , ministrado pelo professor Mossoxi Max. Após essa formação, entrei para a Faculdade de Artes em 2018. No segundo ano do curso, infelizmente, surge o mal que afectou o mundo inteiro, a Covid 19. Vi-me obrigada a estagnar. Voltei a retomar os meus estudos e estou agora a fazer o terceiro ano. Durante este período de formação, participei em diversas actividades. Fiz parte do elenco do programa da LAC, em parceria com a TPA, no Mini Estrelas ao Palco, no ano passado. Representei a Faculdade de Artes numa actividade do Ministério do Ensino Superior, e fui também uma das convidadas do concerto Omele, da cantora Melvi Lumbungululo, também convidada do concerto da cantora Mars Luise, bem como participei no Jango da Opera na pele de Lourdes Van-dúnem, numa produção do Atelier D´Artes Lucemgomono e da CNOPERA, companhia de artes de que faço parte, dirigida pelo Emanuel Mendes. Também tive participação no espectáculo "Entre Rosas”, que foi um concerto dedicado às mulheres.

 

Qual é o seu estilo musical?

Na verdade, antes de ingressar na faculdade, gostava (e gosto muito até os dias de hoje) de soul, do jazz, de blues e trova, que é a poesia cantada. Porém quando chego à faculdade, encontrei uma outra realidade, visto que a única especialidade que tenho é o canto lírico, não tinha como recuar, queria muito fazer música. No princípio, não era uma coisa que eu gostava de fazer, mas no decorrer do tempo, fui me acostumando. Hoje, percebo que o canto lírico dá uma abertura para fazer qualquer outro estilo musical que eu queira fazer. Nesse momento, apresento-me mais como cantora lírica, entretanto tenho diversificado em algumas apresentações.

 

No que toca à inspiração, nutre alguma admiração por algum artista nacional ou internacional?

Sim, pela artista americana Tori Kelly. Comecei a ouvi-la há dois anos e gostava muito de um dia poder partilhar o palco com ela. A nível nacional, a minha fonte de inspiração, pela pessoa, pelo dom, é a artista Melvi Lumbungululo. Também admiro o trabalho da renomada artista Sandra Cordeiro, que oiço desde muito nova, tanto que algumas pessoas diziam que tenho o mesmo timbre vocal, sem me esquecer do meu professor Emanuel Mendes, de quem eu sou fã incondicional.

 

Fale um pouco de artistas que marcam a sua carreira musical...

Durante muito tempo, a partir do ano de 2018, fui muito influenciada pela artista brasileira Kell Smith. Fui muito influenciada até no canto e representação, qualquer pessoa que me ouvisse cantar dizia logo que parecia com a cantora Kell Smith, por outros era comparada também à cantora portuguesa Sara Tavares. Essas artistas marcaram o início da minha carreira musical.

 

Quais foram as suas apresentações mais marcantes?

Todas elas foram muito marcantes. Mas destaco, se a memória não me atraiçoa, a minha apresentação na Zona Económica, numa actividade dirigida a oficiais da Polícia Nacional e Bombeiros. Para mim, foi muito emocionante porque interpretei em palco as músicas "Crucifixo”, da autoria dos Irmãos Kafala, e "Velha Xica”, do artista Waldemar Bastos. Enquanto cantava, o público que ali estava cantava comigo e chorava. Para mim foi muito marcante e emocionante, não consegui conter as lágrimas, eu chorava e cantava ao mesmo tempo. A outra foi a primeira vez que partilho o palco com a cantora Melvi Lumbungululo, isso foi na Rádio Cultura Angola, no Dia da Cultura Nacional, há dois anos, foi também muito marcante.

 

O público tem sabido entender a escolha pela música lírica?

No início da carreira, foi difícil. Já houve algumas vezes em que, posta em palco a cantar, ninguém prestava atenção para mim. Mas agora já consigo perceber uma certa atenção por parte do público. Também porque sou versátil, esse poder que tenho de diversificar, jogar o lírico com o soul, com jazz, eu acho que também chega a ser uma coisa interessante de se ouvir e chamar a atenção do público.

 

Como olha hoje para o desenvolvimento da música no mercado angolano?

Ainda não estamos 100 por cento bem. Porque eu acho que os nossos artistas, incluindo a mim, precisam de olhar muito para aquilo que já foi feito antes da nossa chegada. Infelizmente, muitos artistas se esquecem de que existiram outros artistas que cantavam e contavam histórias do povo angolano. Eu acho que nós precisamos mesmo de passar a olhar mais para a riqueza musical do cancioneiro angolano, porque faz parte de nós.

 

Como tem sido a sua agenda por Luanda? Tem ministrado alguma formação?

Sou professora de Canto  para além de cantar, mas acho que 80% ou 75% por cento dos meus dias são mesmo como cantora. Tenho me apresentado em diversas actividades. A minha agenda em Luanda está consideravelmente boa.

 

Qual é seu maior sonho no ramo musical?

O meu maior sonho é viver inteiramente da música.

 

Sabemos que esteve recentemente no programa "Conversa à Sombra da Mulemba”, onde recebeu muitos elogios. Conta-nos um pouco como foi essa experiência?

O programa "Conversa à Sombra da Mulemba” é um programa de rádio que sempre apreciei e chegou uma vez em que eu já me perguntei quando é que seria a minha vez de participar no programa. Ter participado como convidada no programa foi muito emocionante, principalmente por ver os mais velhos a falarem de mim com um certo respeito. Eu sou jovem, sou muito nova, mas sinto que as pessoas que consomem o meu trabalho têm um enorme respeito por mim. Foi muito emocionante ver Raimundo Salvador, Orlando Sérgio, Reginaldo Silva e outros nomes de referência do jornalismo e das artes falando de mim com uma boa dose de orgulho, a elogiar e apreciar o meu trabalho, me incluindo como uma dessas vozes que abraça o legado da renovação estética da música popular e urbana angolana. Foi um momento muito especial.

Neste momento, está envolvida em algum projecto musical?

Estamos a trabalhar para brevemente realizarmos a "Ópera Kilamba”, que será a primeira ópera realizada no país. Estamos igualmente a programar o meu concerto de apresentação, até agora agendado para o dia 7 de Dezembro no Instituto Guimarães Rosa.

 

Que conselho deixaria aos jovens que pretendem entrar para o mundo artístico?

Para todo o mundo que pretenda entrar para o mundo das artes, desejo força e foco. São duas ferramentas que tenho utilizado todos os dias para o input da minha carreira, principalmente para nós, mulheres, que passamos por diversas situações. Infelizmente, o mundo está cada vez pior. Hoje encontrar alguém que queira trabalhar contigo profissionalmente sem esperar algo em troca, é muito difícil.

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