Opinião

O bilinguismo e o biculturalismo como factos sociais e como factores de desenvolvimento

Filipe Zau

Jornalista

Antes da Proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) que, entre outros aspectos, consagrou o direito de cada cidadão poder ser educado de acordo com o seu “modus vivendi”, os povos que se expandiram para além das suas fronteiras de origem, levaram consigo a sua cultura e também a sua língua, acabando por impô-las nos lugares onde se fixaram.

24/03/2021  Última atualização 08H10
Apesar de as bolsas populacionais se manterem impenetráveis e resistirem às novas influências culturais e linguísticas, de um modo geral, as populações acabaram por esquecer a sua antiga língua de origem e passaram a utilizar, em exclusividade, a língua dos ocupantes. A difusão do latim na Europa constituiu a expansão dos romanos e as populações sujeitas à ocupação que tiveram de aprender um novo idioma e abrir espaço para a emergência de várias gerações bilingues.

Define-se bilingue a pessoa que para além da sua primeira língua, tem competência comparável numa outra língua e é capaz de utilizar uma e outra em todas as circunstâncias com eficácia semelhante. Esta definição propõe afirmar que o bilingue possui dois sistemas linguísticos, sendo capaz de dominar e utilizar ambos de forma semelhante. Assim, o bilinguismo é entendido pela existência de equilíbrio entre dois sistemas linguísticos:

- Uma das línguas pode ser materna e a outra oficial;
- Uma pode ser de uso corrente e a outra de cultura;
- Uma pode ser do país de origem e a outra estrangeira;
- Uma ainda pode ser apenas expressa oralmente e a outra viabilizar a comunicação de forma escrita.

Mas, tal como os casos de bilinguismo resultantes de processos de expansão, há também a considerar os casos provenientes de unificação política, que deram origem à constituição de Estados europeus, durante a época moderna e, em certa medida, a Estados pós-coloniais, em África e na Ásia.

Muitas vezes, a unificação é imposta por um determinado grupo societal, que tenta impor o seu idioma como língua oficial. A unificação linguística impõe-se a partir da política linguística, onde a língua oficial é também língua de escolaridade. Uma política de unificação linguística pode encontrar resistências por parte das populações de outros grupos etnolinguísticos e o conflito entre as forças de unificação e as resistências autónomas podem conduzir a um leque de políticas linguísticas. Em todo o caso, os processos de unificação linguística são um dos outros casos históricos de maior evidência de situações bilingues.

A imigração consiste na deslocação de um país para outro, de pessoas que são portadoras da sua cultura e da sua língua e, de um modo geral, os emigrantes, após um período mais ou menos longo de transição e de bilinguismo, acabam por se integrar completamente na sociedade que os recebe e vão esquecendo a sua língua de origem. Outras vezes, os imigrantes instalam-se na sociedade de acolhimento e mantêm-se como um grupo fechado, conservam os seus hábitos e a sua língua, procurando encontrar formas que lhes permitam assegurar a integração culturalmente intacta, no seio da sociedade de acolhimento.

Em todos os tempos, a actividade comercial e os meios de comunicação criam lugares onde os intermediários bilingues abundam e onde, ao mesmo tempo, o uso de línguas internacionais se vai difundindo. Hoje, as grandes cidades, os centros dos organismos internacionais, os centros turísticos, os aeroportos… são grandes centros de cosmopolitismo. Paralelamente, o desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação vêm criando a necessidade de, a nível planetário, as pessoas terem necessidade de dominarem línguas de comunicação internacional.

Por fim, há os países, que, após a II Guerra Mundial, foram adquirindo a sua autonomização política com um número elevado e diferenciado de línguas maternas nos seus respectivos territórios. Na lógica da expansão, os regimes coloniais introduziram as suas línguas nos seus respectivos domínios, tornando-as idiomas de escolarização e de utilização na função administrativa, bloqueando o desenvolvimento de línguas de cultura, sob o pretexto de, grande parte das mesmas, serem consideradas ágrafas ou não estarem normalizadas. A maioria destes países herdou situações plurilingues extremamente complexas, às quais procuram responder através de uma política de equilíbrio entre:

- O natural desejo de desenvolver as próprias línguas de cultura, como património e símbolos de identidade;
- A dificuldade que representa, num mesmo país, a existência de um número elevado de línguas faladas na comunicação entre cidadãos de diferentes regiões, quando o efeito centrífugo para a coesão interna dos novos Estados se faz também necessária e a maneira mais cómoda de conservar a língua herdada da situação colonial, que é também a mesma que é utilizada nas relações internacionais, na administração e no ensino.

Contudo, o carácter endógeno de desenvolvimento leva-nos a "desmontar uma ideia feita da sociedade industrial, a de que tudo o que é tradição é cristalizado, antiquado, substituível, e de que o que se apresenta como novidade, moderno, é em si mesmo bom e adoptável para melhorar a qualidade de vida das populações.” Nesta ordem de ideias, para além da competência na língua oficial há também a necessidade de se educar os cidadãos africanos com competência em uma outra língua de convívio, de modo a respeitar as dinâmicas individuais, grupais e comunitárias de desenvolvimento, não tratando de igual modo o que à partida é diferente.

Frederico Mayor, ex-director geral da UNESCO, no início da década de 90, no seu "Programa Especial para África", afirmou: "os indivíduos e os grupos visados pelas acções de desenvolvimento, não se sentem implicados, nem se interessam verdadeiramente pela sua realização, se não tiverem motivações de ordem cultural (promoção de línguas nacionais, defesa das identidades culturais). Convém, portanto, ter em conta as especificidades locais, as mentalidades e a visão do mundo das populações envolvidas.”

* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre
 em Relações Interculturais

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