O continente africano é marcado por um passado colonial e lutas pela independência, enfrenta, desde o final do século passado e princípio do século XXI, processos de transições políticas e democráticas, muitas vezes, marcados por instabilidades, golpes de Estado, eleições contestadas, regimes autoritários e corrupção. Este artigo é, em grande parte, extracto de uma subsecção do livro “Os Desafios de África no Século XXI – Um continente que procura se reencontrar, de autoria de Osvaldo Mboco.
A onda de contestação sem precedentes que algumas potências ocidentais enfrentam em África, traduzida em mudanças político-constitucionais, legais, por via de eleições democráticas, como as sucedidas no Senegal, e ilegais, como as ocorridas no Níger e Mali, apenas para mencionar estes países, acompanhadas do despertar da população para colocar fim às relações económicas desiguais, que configuram espécie de neocolonialismo, auguram o fim de um período e o início de outro.
No quadro dos últimos desenvolvimentos políticos na República Democrática do Congo, onde a procura de uma solução para a instabilidade militar causada pelo movimento M-23, no Leste do país, tem levado as autoridades regionais, e, em particular, Angola, a desenvolver uma série de iniciativas diplomáticas, chamou a atenção o alerta, lançado segunda-feira pelas Nações Unidas, sobre a possibilidade de ocorrência de um novo genocídio na região Nordeste.
De acordo com esse alerta, "há civis que estão a ser massacrados em razão da sua etnia, mais uma vez”. Para Alice Wairimu Nderitu, conselheira especial da ONU para a Prevenção do Genocídio, "as condições necessárias para serem cometidos crimes hediondos ainda estão presentes numa região onde já ocorreu (o genocídio) em 1994”.
A notícia sobre este facto, que ocupou espaço diminuto na imprensa africana e foi praticamente ignorada na media internacional, teve como base a descoberta pelos "capacetes azuis”, a semana passada, de 49 corpos de civis, incluindo doze mulheres e seis crianças, em valas comuns em duas cidades de Ituri. Os dedos acusadores apontam para o grupo armado Cooperativa para o Desenvolvimento do Congo (CODECO), um grupo armado que opera na região e terá perpetrado os ataques que resultaram nessas mortes.
O tema das divisões étnicas na RDC volta a estar em cima da mesa, de onde, aliás, nunca terá saído. A par de motivações de ordem religiosa, constitui, aparentemente, a razão principal das recorrentes situações de recurso à violência armada, que tem preocupado de modo muito particular países fronteiriços que, como Angola, desejam ver uma RDC estável e em franco desenvolvimento.
A República Democrática do Congo é um país com mais de 250 grupos étnicos e uma população estimada de 89 milhões de habitantes. É o segundo maior país africano em termos de extensão territorial, com 2.344.858 quilómetros quadrados, com vastos recursos minerais e hídricos, mas com uma agricultura muito pouco desenvolvida. A extrema pobreza é a nota dominante em várias regiões do país. Entendida em sentido restrito, essa pobreza expressa-se na falta de recursos por parte das populações para se alimentarem, garantirem uma refeição condigna. Em sentido mais abrangente, incorpora a falta de acesso à assistência médica e medicamentosa, à água tratada, electricidade e à educação e ensino.
A luta pelo acesso aos parcos recursos é, assim, apontada como a razão fundamental porque o país está, volta e meia, mergulhado em conflitos de cariz étnico, em que a pertença a este ou aquele grupo funciona como factor de exclusão. Esta é uma realidade que, no continente africano, infelizmente ainda perdura em muitos países e é uma potencial ameaça à unidade e à construção, no plano material, do conceito de nação.
As autoridades congolesas têm, diante de si, o enorme desafio de encontrar e implementar soluções político-institucionais capazes de induzir todo um processo de ajustamentos destinado a responder, ao mesmo tempo, às aspirações locais e do poder central, procurando esvaziar/combater a ideia de que, pela força das armas, o grupo étnico consegue alcançar os seus objectivos e sobreviver.
Levá-los a entender que a existência e sobrevivência só é possível na base do respeito e compromisso com valores por uma causa comum e maior do que a do grupo étnico, passa, necessariamente, por implementar instituições que representem, sirvam e defendam, de modo exemplar, os princípios que lhe dão corpo.
Um problema que se arrasta há décadas, a RDC precisa de encontrar um norte para a solução dos conflitos étnicos que assente numa base forte e que garanta estabilidade duradoura. Os líderes dos grupos étnicos têm um papel importante a jogar. O seu envolvimento em campanhas de esclarecimento e de educação cívica das populações é fundamental para evitar situações como as que tiveram lugar em vésperas das eleições presidenciais de 30 de Dezembro de 2018, quando confrontos entre grupos étnicos rivais, no nordeste do país, deixaram um saldo de mais de 100 pessoas mortas e mais de 70 feridos. Tudo porque, de acordo com o que foi noticiado na altura, os líderes batende decidiram apoiar a coligação do Governo, enquanto os da etnia banunu se aliaram à oposição, envolvendo-se os respectivos seguidores numa refrega que durou uma semana e provocou, além de mortos e feridos, a fuga de milhares de pessoas para a vizinha República do Congo.
No actual estágio do problema, são necessárias medidas combinadas de política, de força e de programas económicos e sociais susceptíveis de alterar, a médio prazo, o quadro da situação no nordeste da RDC, onde a presença de 16 mil capacetes das Nações Unidas tem se revelado insuficiente para conter as vagas de violência e de terror que os grupos armados têm estado a promover.
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