Entrevista

“Nós estaremos onde o cidadão precisar de assistência pré-hospitalar e a custo zero”

Alexa Sonhi

Jornalista

O director-geral do Instituto Nacional de Emergências Médicas (INEMA), José Azevedo Ekumba, garantiu que a instituição está a melhorar as condições para marcar presença em todos os lugares onde o cidadão precisar de assistência pré-hospitalar.

24/02/2023  Última atualização 08H49
© Fotografia por: Vigas da Purificação| Edição de Novembro

O responsável avançou que a instituição, que tem 407 trabalhadores efectivos e 190 colaboradores, precisa de mais meios de trabalho e de recursos humanos. Em entrevista ao Jornal de Angola, José Ekumba salientou que os serviços prestados pelo INEMA são gratuitos e os pacientes assistidos que forem vítimas de cobranças devem denunciar os prevaricadores

 

Quais são os propósitos que estiveram na base da criação INEMA? 

O INEMA foi criado, em 2009, à luz do Decreto Presidencial nº 40/9, de 21 de Agosto, com o objectivo de colmatar uma das lacunas que havia, na altura, relacionada com a falta de estrutura que se encarregasse de resgatar os doentes que estão em casa e nas vias públicas a precisar de assistência médica urgente e, depois, serem levados às diferentes unidades hospitalares a fim de darem continuidade ao tratamento. 

 

Onde começam e onde terminam as funções do INEMA?

As funções do INEMA só começam e nunca acabam. Se o cidadão precisar de intervenção médica, nós estamos disponíveis, porque a nossa função é garantir a assistência pré-hospitalar. Qualquer utente que esteja em casa ou na rua em iminente risco de vida pode recorrer aos serviços da instituição e, a partir de casa, garantimos de imediato os procedimentos médicos, desde a ambulância até ao hospital, com toda a segurança possível, no sentido de dar seguimento ao tratamento. 

 

Desde Março do ano de 2021  que dirige o INEMA, o que mudou naquilo que é o conhecimento que as pessoas têm dos serviços da instituição?

Os nossos serviços notam-se pela quantidade de chamadas ao INEMA, sinal de que as pessoas estão a dar maior valor aos nossos préstimos. Notámos também que as pessoas começam já a ter noção prévia da sua condição de doente, e para quem devem socorrer-se. Mas, isso só não basta. Ainda não estamos satisfeitos. A população precisa de conhecer cada vez mais os nossos serviços.

 

Que estratégias existem para tornar os serviços do INEMA cada vez mais próximos da população?

Primeiro, prosseguir com os objectivos que uma instituição desta natureza deve ter no panorama nacional e internacional. Isso quer dizer que devemos fazer os possíveis para que os nossos profissionais estejam cada vez melhor preparados, quer técnica quer cientificamente, para podermos nos equiparar às demais congéneres espalhadas pelo mundo. Isso requer um trabalho aturado, ter meios e pessoal adequados e sabemos que  esta preocupação já está com o Executivo e, dentro em breve, todas essas condições serão criadas.

 

Quando levanta a questão da melhor preparação do pessoal, quer falar exactamente da formação específica do pessoal?

Sim, sem dúvida! A formação especializada é um factor determinante e, depois, a aquisição de meios e, sobretudo, mantê-los sempre a funcionar é outra preocupação. Por isso, a renovação dos mesmos é, igualmente, importante. Essa questão se levanta porque se trata de equipamentos muito rotativos e o desgaste é grande. Logo, precisam de ser equacionados sempre, para que os trabalhos corram bem e sem interrupções.  

 

Há patologias específicas que o INEMA assiste ou qualquer pessoa que se sinta mal pode contactar a instituição?

O INEMA não assiste determinadas patologias em específico. Quem precisar de nós, é só nos contactar. Mas, agora, estas chamadas têm de ser bem racionalizadas, porque as pessoas, às vezes, chamam por qualquer coisa, mesmo por causa de uma simples dor de dente. Esta instituição é para aquelas pessoas que estão em perigo iminente de vida, aqueles casos em que se não aparecermos, o paciente pode morrer. E, nós, existimos para salvar vidas.

 

Como tem sido a vossa actividade em cidades como a de Luanda, onde não existe estruturas devidamente específicas para facilitar a circulação?

Gostaríamos muito de poder atender a todas as chamadas. Mas, infelizmente, não é assim que acontece, porque a falta de estruturação da própria cidade condiciona o nosso trabalho. Às vezes, o local onde o doente se encontra não é de fácil acesso, a nossa ambulância não entra e não temos meios mais versáteis para lá chegar como, por exemplo, as motolâncias (motorizadas com kits de primeiros socorros). Ou seja, a motolância é uma unidade de atendimento, onde possuímos a disponibilidade de um atendimento especializado, com deslocamento rápido, garantindo diminuição de sequelas e morbidades. O INEMA não tem essas motorizadas, um meio que faz toda a diferença ali onde as viaturas não chegam para salvar o doente. Por norma, essas motorizadas já estão acopladas com a mala dos primeiros socorros, para se prestar toda a assistência possível até tirar o paciente da zona de perigo.

 

 Como se explica o facto de uma instituição de cerca de 14 anos não dispor de pelo menos uma motolância, apesar da importância que as mesmas têm?

Nós já tivemos motorizadas, mas acabam por se estragar com a utilização. Infelizmente, não há materiais de reposição e os meios tornam-se obsoletos. E as primeiras motorizadas que tivemos, de facto, não demoraram muito tempo, tendo em conta que percorriam muitos quilómetros. Era muito mais fácil enviar a motorizada por causa da acessibilidade.

 

Para garantir eficácia na vossa actuação, além das motolâncias, que meios são urgentes para o INEMA?

As motolâncias que tivemos também não eram muitas para servir o país. Ao todo, deveriam ser umas 20 motorizadas, mas confesso que davam muito jeito. Precisamos, também, de helicópteros. É necessário! Por exemplo, temos as estradas nacionais, onde todos os dias ocorrem acidentes. Se enviarmos para lá uma ambulância, até chegar ao local, pela distância e a demora, se for uma situação de gravidade, o doente pode morrer antes da assistência. Mas, se tivéssemos um helicóptero, muito facilmente chegaríamos aos locais do acidente com a equipa médica para socorrer a vítima. Ainda que sejam muitos, os mais graves seriam transportados de helicóptero e os demais podem ser atendidos num destacamento de apoio aos sinistrados, até serem levados a uma unidade hospitalar mais próxima.  

 

Actualmente, quantas ambulâncias tem o INEMA?

Neste momento, temos 183 viaturas para servir todo o país. Mas, este número não é suficiente. A nossa intenção é atingirmos todos os 164 municípios, para garantir uma cobertura total. 

 

Isso quer dizer que o INEMA não está presente em todo o país?

A nossa pretensão é termos representação em todos os municípios do país. Mas, sem meios suficientes nem pessoal, para fazer esta cobertura, fica difícil. Queremos formar as pessoas. 

 

Qual é o número de efectivos que o INEMA possui?

O instituto tem 407 efectivos e mais 190 colaboradores. Estes números são bastante ínfimos para atender às solicitações que chegam de todo o país.

 

Mas, qual seria a necessidade real de pessoal?

Estatutariamente, a previsão seria de 2.770 funcionários, mas estamos a fazer a advocacia para que, dentro em breve, consigamos atingir pelo menos ao número aproximado. Com esta falta de meios e de pessoal, há muito trabalho que fica por ser feito. E o que me constrange é saber que pessoas que podiam ser salvas pelos nossos serviços não o são, por conta das nossas limitações. 

 

E esse nível de constrangimentos é muito frequente, tendo em conta as solicitações diárias que o INEMA recebe?

Sim, tem sido. E nós fazemos todos os possíveis para atender a todas as solicitações. Mas, por falta de meios e pessoal suficiente, por vezes, é difícil atendê-las. Isso quer dizer que se surgirem dez ocorrências em simultâneo, apenas seis ou sete serão resolvidas, porque é a capacidade actual que temos no INEMA de Luanda e, também, representa que estamos já a fazer, inclusive, recurso aos meios que dispomos no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro. Mas, também, sabemos que muitas pessoas dificilmente ligam para nós, porque não conhecem os serviços do INEMA. E esta é a nossa grande preocupação. Queremos chegar onde há sofredor, para mitigar todas as suas necessidades de saúde e levá-los às diferentes unidades hospitalares.                                                                                    

 

Quantas ocorrências são atendidas, em média, a nível nacional pelo INEMA?

Em média diária, recebemos mais de 100 ligações a nível das 18 províncias do país. E, apesar das dificuldades já mencionadas, gostaríamos de ser mais solicitados pela população. Dessa forma, sentiríamos que estamos a cumprir o nosso real papel, que é de salvar o maior número de pessoas possível. Repito: é doloroso ver na televisão pessoas que precisavam de ajuda e acabam por morrer.

 

Nessa batalha pela salvação de pessoas, o INEMA não trabalha sozinho. Tem parcerias com o Serviço Nacional de Protecção Civil e Bombeiros?

Sim, mas não nos termos em que as pessoas pensam. O Serviço de Protecção Civil e Bombeiros também tem uma área pré-hospitalar, mas não vou falar sobre isso, porque não tenho conhecimentos sólidos para o fazer. Mas, temos trabalhado juntos. Por exemplo, se acontecer um acidente de grande proporção, onde haja pacientes encarcerados, o INEMA não tem meios para desencarcerar esses feridos, daí a intervenção necessária dos bombeiros. Depois disso, nós damos a assistência médica e encaminhamos os pacientes às unidades hospitalares, para as vítimas serem seguidas.

 

E, em relação à Polícia, de que forma têm trabalhado?

A Polícia Nacional é um parceiro sempre presente, por ser a instituição que organiza e orienta o trânsito no local do sinistro, para permitir que o INEMA chegue e desempenhe o seu trabalho sem constrangimentos. Temos boas relações com a Polícia, daí estarmos prestes a executar um projecto para darmos formações básicas de salvamento a efectivos dessa corporação, o que foi bem acolhido. Assim, vamos avançar com a realização de palestras e seminários em unidades policiais, para garantir maior orientação dos efectivos de socorrerem vítimas de acidentes. Nós estaríamos mais seguros se tivermos noção de que as forças parceiras podem garantir os primeiros socorros aos pacientes, antes da chegada dos técnicos do INEMA.

 

Por norma, como o INEMA chega até às vítimas?

O contacto para solicitar os serviços do INEMA é o 111, que é uma linha disponível para o Centro Integrado de Segurança Pública (CISP). Todas as províncias, onde existe CISP, no caso de Luanda, Benguela, Huíla e Huambo, funciona também o pessoal do INEMA. Quer dizer que o CISP recebe todas as chamadas e, atendendo a natureza do caso, eles fazem os devidos encaminhamentos. 

 

Além do número 111, há outros contactos disponíveis?

No caso das demais províncias do país, sim. Pode-se ligar nos vários números específicos existentes nessas localidades disponibilizados pelos responsáveis do INEMA.

 

Quais as províncias que mais solicitam os vossos serviços?

São as províncias de Luanda, Huambo, Benguela, Huíla, Bengo, Malanje e Zaire. 

 

Há serviços do INEMA que são pagos? Se sim, quais?

Nem se atrevam a cobrar, porque se o fizerem vão direitos à cadeia. Todos os serviços do INEMA são gratuitos. Quem souber de alguma ocorrência que tenha sido paga, deve informar-nos imediatamente, para que possamos accionar o Serviço de Investigação Criminal (SIC) e a Inspecção Geral da Administração do Estado (IGAE). Desde já, deixa-me esclarecer que não importa a patologia, nós tratamos tudo a custo zero. Aliás, nem todos os pacientes precisam de ser encaminhados a um hospital. Durante a entrevista com o nosso pessoal, pode-se chegar à conclusão que o paciente precisa apenas de uma simples medicação sem necessidade de transferência hospitalar. 

 

Os trabalhadores do INEMA são apenas médicos ou, também, contam com enfermeiros e pessoas voluntárias?

Temos médicos clínicos gerais, especialistas em Cuidados Intensivos, Traumatologia, Medicina Interna, Ginecologia e Obstetrícia, estes últimos para atender os partos feitos na rua. Contamos com pediatras e outros profissionais de outras áreas da Saúde, como enfermeiros e voluntários. Quanto às pessoas voluntárias, eles devem ter uma formação específica de Emergências Médicas. Gostaríamos de absorvê-las todas, mas não podemos, porque há normas a seguir. Neste momento, existe um acordo entre os ministérios da Saúde e das Finanças, para permitir que os que estão em estatuto de colaboradores passem, definitivamente, para a folha do INEMA. Este é um ganho enorme.

 

Falou dos partos feitos na rua. Durante a vossa gestão, tem em mente quantos partos foram realizados nestes termos por técnicos do INEMA?

A cada duas semanas, temos pelo menos dois partos feitos na via pública em todo o país. Por exemplo, só na semana passada, os nossos técnicos realizaram um parto no Cuanza-Sul. 

 

Para cumprir com os objectivos do INEMA, que orçamento a instituição recebe, anualmente, do Estado?

Prefiro não precisar valores, mas é bastante exíguo para atender aquilo que são as nossas necessidades. Vamos esperar, pelo novo OGE, aprovado recentemente. 

 

Se comparada com instituições congéneres do continente, como olha para o trabalho desenvolvido pelo INEMA?

Infelizmente, estamos muito longe das outras instituições homólogas. É preciso formar mais pessoal e lutar para que consigamos a certificação internacional do INEMA e, isso, exige muito trabalho. O papel do INEMA é ser o responsável, fiscalizador e certificador de toda a actividade de emergências médicas, quer a nível da informação, quer do transporte. Em outras palavras, qualquer instituição que tenha uma escola de formação de pessoal em Emergências Médicas teria de ter o aval do INEMA. Não é o que acontece cá. Mas, estamos a caminhar para isso e, pouco-a-pouco, chegaremos a esse nível. Temos que ter formações e certificações afins para, também, exigirmos de outras instituições.

Qual é a periodicidade de formação do vosso pessoal em matéria de Emergências Médicas? 

Receberam formação apenas uma vez, aquando da formação do INEMA. Tivemos um grupo de 16 médicos angolanos que recebeu formação de formadores portugueses e brasileiros e, no fim, deram certificação internacional. E estas certificações requerem actualizações de dois em dois anos, para transformar estes mesmos profissionais em formadores a nível nacional a fim de replicarem os seus conhecimentos. Mas, desde a primeira formação até agora nunca mais participaram em nenhuma.

 

  "O nosso maior sonho é atingirmos os níveis de outros países”

 

Quais os constrangimentos para não se dar continuidade a este programa de formação?

Nesse momento, nós estamos em conversações preliminares com a SAMUL, que é o Serviço de Atendimento Médico de Urgências do Brasil, e existe contactos com o Hospital Albert Einstein, que têm certificações internacionais. Essas unidades têm a missão de certificar os técnicos em Emergências Médicas. Existem outras, mas estamos a trabalhar com o Brasil, por causa do factor língua. 

 

Quer dizer que, em breve, este problema da formação fica resolvido?

Sim. Esperamos resolver este problema em breve. Vamos receber aqui no país alguns formadores para actualizar o conhecimento dos efectivos em Emergências Médicas para depois dar certificação. Posteriormente, os técnicos angolanos também poderão ser enviados ao exterior para continuarem a receber mais conhecimento. Por outra, temos o Banco Mundial como nosso parceiro, que está a apoiar a formação de formadores. Estamos a limar as arestas e a formação pode iniciar muito em breve. 

 

Que outros projectos o INEMA tem?

O nosso maior sonho é ver o INEMA muito próximo do nível das congéneres de África e de outras partes do mundo. Quando atingirmos esse patamar desejado, a nossa população vai ser melhor servida, porque as condições, também, serão bem melhores. 

 

Que mensagem deixa à população? 

Caso encontrar alguém no chão desacordado e for vítima de acidente, o melhor é não o tocar, pois, deixe o profissional de saúde fazer esse trabalho. As pessoas, por falta de treinamento, ao tentarem salvar o paciente, podem acabar por piorar o estado de saúde, agravar uma fractura já existente e matar o doente. Se encontrar alguém caído e desacordado de barriga para baixo, que não seja vítima de acidente como tal, convém virá-lo na posição lateral e estender um pouco o pescoço para trás, para facilitar a respiração e prevenir que vomite na posição de barriga para cima e aspirar o conteúdo do vomito, que pode provocar uma morte súbita inevitável. Ou seja, este caso pode resultar em bronco-aspiração, porque este conteúdo vai para as vias respiratórias e é fatal. Logo estes gestos simples, de virar para o lado, podem salvar muitas vidas. E, se tiver que vomitar, vai sair ao lado e nunca vai engasgar.

 

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