Cultura

“Nayola” estreia em circuito comercial

“Nayola” é uma longa-metragem de animação cuja narrativa gravita à volta de uma realidade vivida muito recentemente pelos angolanos, trata-se de um filme histórico em que as personagens têm nos papéis principais e secundários actores angolanos, produção que custou à Europa três milhões de euros. O filme tem estreia marcada para sexta-feira, dia 31, em circuito comercial dos Cinemas Xyami, nas cidades de Luanda, Lubango e Benguela.

26/03/2023  Última atualização 10H09
Salas de cinema nas províncias de Luanda, Huíla e Benguela exibem sexta-feira o filme de animação protagonizado por actores angolanos de várias gerações da Sétima Arte © Fotografia por: DR

O filme conta a história de uma família que vive o impacto dos horrores da guerra civil que assolou Angola: Lelena (a avó), Nayola (a filha) e Yara (a neta), e mais, do tio e sobrinho que se reconhecem em pleno momento de agonia, o tio é capturado – ele e os seus companheiros - pronto para ser degolado. Em contraste, a narrativa apresenta, também, uma crítica social por meio da arte musical, com uma cantora rapper – a Yara - , que divulga as suas músicas nos "candongueiros” (táxis), porque é activista dos direitos humanos, perseguida pela polícia.

A estreia acontece em simultâneo nas três províncias onde ocorreu a antestreia nos dias 25, 26 e 27 de Fevereiro, em Luanda, Huíla e Benguela, respectivamente. Embora os custos de produção tenham atingido os três milhões de euros, a equipa de produção afirmou no mês passado, no Lubango, que o orçamento consta da tabela considerada "low budget”, ou seja, baixo orçamento, aquém dos custos globais para um filme épico no estilo animação, formato longa-metragem.

As sequelas da guerra colonial, que afectou o pai do realizador português José Miguel Ribeiro, estão entre as motivações que o levaram ao desafio de "Nayola”, embora seja uma história angolana. O realizador e membros da equipa de produção, sob patrocínio do DOC-Luanda, estiveram em Angola para apresentação do filme e interacção com os cinéfilos.

José Miguel Ribeiro estudou Belas Artes em Lisboa e Cinema de Animação em França. Objectivo principal da produção, de acordo com o realizador, é mostrar os aspectos históricos que ocupavam e impediam o progresso do país, nos tempos do conflito armado, assim como as grandes transformações que se tem vindo a operar em Angola.

 Entre os actores que dão voz às personagens, Elisangela Rita (Nayola),  Meduza (Yara), Totonha (Avó Lelena), Marinela Furtado (Mascarado) e  Raul do Rosário (Atirador), nos papéis secundários entram os actores Sacerdote, Diogo David, Correia Adão e Adorado Mara.

A história é angolana, mas o filme não, pois, trata-se de uma co-produção Portugal, Bélgica, França e Países Baixos. Tal como "Nayola”, desde os primórdios da independência nacional em que actores angolanos, entre amadores e profissionais, participam em produções cinematográficas de cariz internacional, cujas verbas e técnicos são estrangeiros, uma razão particular para que a autoria da obra cinematográfica não tenha o cunho nacional, não conste do catálogo da filmografia angolana.

"Nayola” é a primeira longa-metragem de animação de José Miguel Ribeiro, inspirada na peça "A Caixa Preta”, de José Eduardo Agualusa e Mia Couto, o argumento é do português Virgílio Almeida, sendo produtores o belga Geert Van Goethem, os franceses Camille Raulo e Jean-François Bigot e os portugueses Ana Estróia e Jorge António.

Em declarações à RFI, o realizador destacou: "Quando descobri a obra que me foi mostrada pelo Jorge António, um amigo realizador que vive em Angola há mais de trinta anos, foi ele que mostrou a peça de teatro antes de ela ser publicada. O que me pareceu interessante nessa peça de teatro era essa dimensão humana destas três mulheres e a forma como tocadas pela guerra, uma guerra imensa que foi a guerra da libertação - são 13 anos mais 27 anos de guerra civil - foi um percurso enorme de sofrimento do povo angolano. O que eu gostei na peça de teatro é essa dimensão humana e quando digo humana é porque todas estas três personagens têm as suas qua- lidades, mas também têm os seus segredos, os seus lados menos positivos e todas elas lutam e mostram-se de uma forma bastante humana. Essa dimensão humana das personagens foi uma das coisas que mais gostei, a forma como eles as escreveram, como nós tentámos depois também trazê-la de uma forma, se calhar, mais simbólica. Acrescentámos a viagem da Nayola ao passado, à procura de marido, que não existia na peça de teatro; introduzimos uma Medusa que é uma 'rapper' que também não existia como 'rapper' na história do Mia Couto e do Agualusa”.

Conquistou os prémios,  Melhor Longa-Metragem de Animação no Festival Internacional de Cinema de Guadalajara, no México, no Animest Film Festival, na Roménia, no Manchester Animation Festival, no Reino Unido, no Anilogue International Animation Festival in Budapest & Vienna, na Hungria, no Afrykamera African Film Festival, na Polónia, onde também conquistou o Prémio do Público. O Prémio do Público também foi para "Nayola” na Mostra de Cinema de São Paulo, no Brasil, assim como no Cinanima – Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho, em Portugal. Houve, ainda, o Prémio BE TV da Melhor Longa-Metragem da Selecção Oficial do Festival Internacional do Filme de Animação de Bruxelas (Anima), assim como o "Cocomics Best Music” e DHL "Diversity prize” no Bucheon International Animation Festival, na Coreia do Sul, e esteve, também, em competição na Selecção Oficial no Festival de Annecy, em França.

 

Sinopse

Três gerações de mulheres numa guerra civil de 25 anos. Lelena (a avó), Nayola (a filha) e Yara (a neta). O passado e o presente entrecruzam-se. Nayola vai em busca do seu marido, desaparecido no auge da guerra. Décadas mais tarde, o país está finalmente em paz, mas Nayola não voltou. Yara tornou-se uma adolescente rebelde e uma cantora de rap subversiva. Lelena tenta contê-la com medo de que a polícia a venha prender. Uma noite, um intruso mascarado invade a casa armado de uma catana. Um encontro como nunca elas poderiam ter imaginado.

 

  "Uma  aventura épica”

Em 2013, quando li a peça teatral de Eduardo Agualusa e Mia Couto, "A Caixa Preta", fiquei sensibilizado com a forma como mostram as consequências de uma recente guerra contra uma família, na perspectiva de três gerações diferentes de mulheres, com os seus segredos, os seus medos e os seus sonhos, e com a forma como a tensão é construída até à revelação final, com um personagem por detrás de uma máscara que não pode tocar o presente.

Mas porque a guerra era apenas uma memória distante, Virgílio Almeida criou a viagem de Nayola através da guerra para o deserto de Namibe, o que acaba por completar a história e expandir a dimensão poética e mágica do filme. Levou-nos 5 anos e 2 viagens a Angola para fazer uma longa pesquisa da história e cultura deste país, se possível a partir da perspectiva feminina, como acontece no livro "Combater duas vezes”, de Margarida Paredes, com testemunhos de mulheres que lutaram na guerra colonial e civil. Para os efeitos visuais fomos influenciados pelas máscaras africanas e pela arte contemporânea que nos inspiraram na criação de personagens e de cenários com cores fortes e pincéis ásperos.

A música angolana é fundamental no filme ao colocar-nos nesse período, com a arte de músicos como David Zé, Mário Rui Silva e o célebre Bonga. Em 2015, Luaty Beirão, um "rapper” angolano, foi condenado por um tribunal da capital, Luanda, juntamente com outros 16 activistas, influenciado por esse acontecimento, percebi que o nosso filme precisava de integrar essa realidade e que a filha de Nayola, Yara, poderia ser uma "rapper” exigindo justiça social. Uma nova geração que luta com a música. Foi então que descobri a Medusa neste youtubevideo.

Medusa tem a energia, a coragem e a fragilidade de que precisávamos. Foi quando percebi a urgência, em termos de elenco, para encontrar os outros atores principais. Seis meses depois, em 2019, fomos para Angola trabalhar com eles, sentir o seu ritmo, conhecer as suas histórias, a sua forma de falar, as suas línguas ancestrais, e deixar que toda esta verdade entrasse no filme. Este importante momento mudou profundamente a 1ª versão do animatic e deu origem à criação de uma 2ª versão mais autêntica e criativa.

 

 

Francisco Pedro e José Miguel Ribeiro

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