Cultura

Muzonguê da Tradição de volta ao Kilamba

Analtino Santos

Jornalista

Como convidado dos Kiezos, Botto Trindade, mais uma vez, revisitou alguns instrumentos originais de Marito. Os vocalistas Zé Manicoe Manuelito partilharam o palco com Hildebrando Cunha (solo), Gegé Faria (ritmo), Habana Mayor (congas), Tony Samba (teclados) e Sabino (bateria).

28/05/2023  Última atualização 06H10
© Fotografia por: Vigas da Purificação | Edições Novembro

A Banda Movimento mostrou por que merece confiança para ser grupo de acompanhamento aos artistas individuais. A introdução de sucessos do passado domina os seus espectáculos, numa combinação com os temas autorais. Mister Kim, Massoxi, Gigi e Beth dividiram os vocais, mas Teddy Nsingui e Kintino, os guitarristas, também mostraram que cantam. Com a dupla de teclistas Nininho e Chico Madne, na percussão Correia e Romão na bateria, esteve ausente o baixista Mias Galheta, substituído por um jovem. 

Eddy Tussa, autor de "Kassembele”, foi o último a subir ao palco. A sua missão, que cumpriu muito bem, era   revisitar a obra de  José Matias "Mamukueno”.  Cantou "Eza Kumguiable”, "Tambuleno”, "Rei do Palhetinho”, "Idimakaji”, "Wanga” e outros temas. E ainda teve espaço para encaixar "Pequenina” de Dominguinho. Eddy Tussa, o rapper que "bazou” para o Semba tem conquistado terreno ao interpretar temas sonantes da música angolana do passado. O cantor tem três obras discográficas: "Kassembele”, "Grandes Mundos” e "IzenuMu Tale”, lançadas depois de deixar os Warrant B, grupo de hiphop onde actuou ao lado de Kenny Bus, Papetchulo e Meyv.

Outro jovem que tem feito carreira com interpretações de músicas do passado éLolito da Paixão, que foi escalado para recordar Bangão, também homenageado.  Ao palco também levou a banga do cantor do Sambizanga, que, dentre outros temas que o consagraram, deixou para a posteridade "Dioguito”, "Sembele”, "Kibuikila”  e "Kalumba selecta”. 

Lolito da Paixão segue também a veia do compositor Lulas da Paixão, seu pai, que actualmente lidera a Banda Yetu.

Do bairro Golfe surgiu em palco Suzanito, convidado, geralmente, para cantar sucessos de Nick, artista que interpretou pela quinta vez no Muzonguê da Tradição. Manuel Constantino "Nick” recordou "Avô Kumbi”, passeou por "Zungulube” e provocou roda com "Nguma”. Suzanito foi acompanhado pelo Conjunto Os Kiezos, que nos anos 80 e 90 teve Nick como colaborador.

 
"Invasão” de gringos

Esta edição do Muzonguê da Tradição registou uma "invasão” de gringos ávidos de vivenciar a essência do Semba e da Kizomba. A comitiva de turistas de várias nacionalidades está em Angola em busca das raízes do Semba e da Kizomba guiados pela agência de turismo cultural Kunangas Life. Fora desta comitiva mas vinda das estranjas também curtiu o Muzonguê a angolana Stella Marlene, que há mais de uma década vive em Barcelona. Com raízes na Conda, Cuanza-Sul, mas caluanda de nascimento, no último dia das suas férias voltou a um ambiente que há muito não vivenciava.   Invisual, Stella afirmou ao Jornal de Angola que queria voltar a "ver” o ambiente que irá descrever e promover aos seus amigos em Espanha.

Os turistas inspirados pela febre mundial da Kizomba partilharam a pista de dança com passistas à moda antiga como Salas Neto, Van-Dúnem, Teófilo Moniz, as bessanganas e outros convivas.

 
Mulheres de respeito

Mestre Geraldo cantou e tratou a bessangana como mulher de respeito num célebre tema de Rebita e elas são uma das marcas do Muzonguê da Tradição. Esse estatuto sempre esteve na génese do espaço que no passado acolheu grupos de Massemba como o Rebita Dr. António Agostinho Neto, onde as bessanganas estavam em destaque.

No passado domingo, no Centro Recreativo e Cultural Kilamba, a mesa das agora reconhecidas pelo Executivo angolano como Património Imaterial  Nacional deixou "sandacanhados” os nguetas e os irmãos africanos.  Está comprovado que a mesa das bessanganas é um dos símbolos mais fortes do Muzonguê da Tradição. Essas respeitáveis mulheres carregam consigo a vaidade das mulheres do litoral de Luanda: Ilha do Cabo, Samba, Coreia e Mussulo.

Se a Kizomba é febre internacional, agora a dikanza tem temperatura alta a nível nacional, reconhecida que está como Património Imaterial Nacional. Manuelito pelos Kiezos e Massoxi pela Banda Movimento, em palco confirmaram a frase do mestre RaúlTollingas: "Semba sem Dikanza perde a autenticidade”.

 

Precursor dos "Caldos”

Domingo passado  ficou patente que a antiguidade é um posto e que a marca Muzonguê da Tradição é a principal referência para o surgimento e manutenção de outros projectos semelhantes, em espaços como Weza Paradise, Salão do João Adilson (Kuimbila NiKukina Semba), KinenuClub (Muzonguê do Ngolô), Café Platina Lounge (Praça do Semba) e outros, que estão a preencher os espaços deixados pelo Muximangola, Cantinho de Catete e outros eventos que no passado levavam a animação  a vários bairros de  Luanda. Atenção que noutras paragens do país existem iniciativas semelhantes, como a Casa Rosa no Lobito e, no Namibe, os entusiastas liderados por Zeca do Bigode.

"Muzongué da Tradição” é um programa que arrancou em Fevereiro de 2007, com o objectivo de promoção, divulgação e valorização da música angolana. Na fase inicial o evento teve a parceria da Rádio Nacional de Angola, com o projecto Caldo do Poeira. O Centro Recreativo e Cultural Kilamba, inaugurado a 20 de Dezembro de 2002, era antes conhecido como Salão Maria das Escrequenhas e posteriormente Centro de Rebita Dr. António Agostinho.

Ao longo da sua existência as principais referências da música angolana passaram pelo palco do local ou foram homenageadas. Da longa lista constam Teta Lando, Lourdes Van-Dúnem, Mamukueno, Zecax, Zé Keno, Bangão, Chico Montenegro, André Mingas, Bonga, Joãozinho Morgado, Botto Trindade e Elias DyaKimuezo.

Na primeira década de existência, o espaço teve como gestores culturais figuras como Carlos Flores "Cabé” e Sabú Guimarães, ambos já falecidos. Fora  das actividades ligadas aos espectáculos musicais, além do "Muzonguê”, "Farrar ao Antigamente” e "Show à Sexta-Feira”, promoveu debates coordenados pelo falecido escritor e etnomusicólogo Jorge Macedo. No espaço também já foram exibidas peças  de teatro.

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