Cultura

Música angolana no feminino: Vozes do presente e divas do passado

Analtino Santos

Jornalista

A jovem Chelsea Dinorath é a actual grande revelação da música angolana. Prova disto é o seu destaque no Top Rádio Luanda, onde conquistou o prémio em duas categorias: Melhor Voz Feminina e Voz Feminina Revelação.

26/03/2023  Última atualização 09H37
© Fotografia por: Luis Damião | Edições Novembro

A cantora ainda esteve como finalista nas categorias de Gheto Zouk e Afrobeat Fusion com "Céu Azul”, um projecto colaborativo com Penelas Santana, CK, Queen M, Sheila, Lil Boy, Mary J e Fábio S. Chelsea Dinorath tem sucessos como "Sodade”, "Unflow”, "Mau Sinal” e outros que fazem furor entre a juventude.

O Top Rádio Luanda é um bom indicador para sentir e conhecer vozes emergentes. As outras duas finalistas na categoria de Voz Feminina Revelação foram: Zara Williams e Tukayana Lopes, exemplos das novas tendências no sector feminino. Podemos ainda encontrar Wanessa Felly, Lio Francis, e outras, que vão conquistando o seu espaço e os da sua geração.

Zara Williams teve uma aparição projectada por C4Pedro, como produtor que foi determinante na fase inicial da sua carreira. Hoje ela trilha os seus passos sem o parceiro de "Posa”, tema que a projectou, "Na Boloko”, e outros, nos quais combina o lingala, francês e português, fruto das suas origens angolana e congolesa. O seu mais recente lançamento é "Kendé Nayo”, com Kelly Gomez.

Tukayana Lopes também tem despontado. Esteve entre as finalistas do Top Rádio Luanda. Como sucesso tem "Passado é passado”, "Hoje a casa cai”, "Dredda” e "Bad Girl”. Desde muito cedo, ela viu despertar nela o gosto pela arte, e, assim, aos 16 anos, sem qualquer educação musical, começou a trilhar o caminho da carreira artística.

Alice Julie e Arieth Feijó são duas cantoras que não passam despercebidas para a geração de adolescentes que procura as referências musicais do seu tempo. Ambas têm no currículo produtoras como a Milionário de Mi Mosquito e a Dream Nation de Mallaryah, que acertam nas escolhas de vozes femininas. Elas agitam em sucessos como "Nossa história”, "Não escapas”, "Tu e eu”, "Te amo”, "Volta para mim”, "Caramelizada”, "Tão só”, "Para sempre”, "Deixa para lá”, e outros, que podem ser apreciados nas plataformas digitais, onde são bastante consumidos pelos jovens.

Outra artista que é uma aposta da Milionário e tem produção de Mallaryah é Bu Cheri, com os temas promocionais "Consagração” e "És tu”, com a participação especial de Liriany Castro, que vive um momento interessante com o remix de "Magui”, o novo sucesso de Matias Damásio. Liriany Castro, nos espectáculos virados para a juventude, com temas como "Bo é nha amor”, "Minha Luz”, "Mais empatia” e "Já não és o mesmo”, mostra que as players da nossa música já não são as mesmas. Wanessa Felly é conhecida pelas músicas "Desilução” e "Medo”. Lio Francis está a posicionar-se e aventurou-se no Semba com "Minha viola” e tem encantado com "Bandeira”. Para ela, segundo a própria, tudo começou no grupo coral da igreja.

Elizabeth Ventura é uma das vozes femininas mais apreciadas do Hip Hop, com um flow muito característico. Por isso, tem feito parcerias em temas de outros artistas, dentre os quais o rapper Cage One, seu marido. No tema "Fico como?” chamou  Liriany Castro, também em alta e a viver um bom momento com o remix de "Magui”, o novo sucesso de Matias Damásio. 

Jordânia é outro novo talento, quer como cantora quer nas vestes de compositora, com sucessos seus nas vozes de estrelas da nossa música. Dos seus temas disponibilizados nas plataformas digitais encontramos: "Nu Bai”, "Pra quê só”,  "Amo-te amar”, e outros.

Neide Sofia, Jandira Padre e Cilana Manjenje, depois da experiência como integrantes das Afrikanas, lançaram-se a solo, com carreiras muito mediatizadas em palco e fora dele. A irreverente Neide Sofia vai marcando o mercado com "Nossa história”, "Aquece”, "Eu sou assim” e em parcerias com Edgar Domingos em "Sem ti”  e "Neide Sofia”, numa mensagem entre a ostentação e o alcance do sucesso.

Jandira Padre tem no seu acervo temas como "Teu beijo”, "Quero ser”, "Zungulé”, "Não tem como”, dentre outras, incluindo "Vais gostar” com Elizabeth Ventura. Cilana Manjenje complementa o trio das ex-Africanas e por seu lado estravasa em "Não é da sua conta”, "Chegou ao fim”, "Também sei ser" e "Morrer de raiva” com Gerilson Insrael.

 

Vozes com mais tempo de estrada

Patrícia Faria, Gersy Pegado, As Gingas do Maculusso e Margareth do Rosário às vezes são chamadas para mostrarem a força do Semba, fazendo uma incursão pelos sucessos que marcaram as respectivas trajectórias artísticas. Diferente estãoYola Semedo, Ary, Pérola e Anna Joyce, que são, sem sombra de dúvidas, artistas com uma agenda muito preenchida. Djanira Mercedes, Branca Celeste, Raquel Lisboa, Neide da Luz, Alexandra Bento, Rosa, Sara Dem, Aninhas, e outras, conhecidas como coristas, agora também vão consolidando carreiras próprias, interpretando os principais nomes da música angolana. 

O afrojazz, bossa-nova e outras fusões rítmicas preencheram este roteiro musical no feminino nas vozes de Afrikanita, Anabela Aya, Katiliana, Sandra Cordeiro, Selda, Aline Frazão, Sara Saka, Unekka, Heroide, Aylasa Tchipilika e Nayela Simões, num universo onde as meninas ganham espaço.

Edmázia Mayembe, Yola Araújo, Carina Santos, Edna Mateia, e outras "senhoritas” aquecem pistas com as novas tendências do Semba, Kizomba e do Gheto Zouk que agitam as festas e os ambientes frequentados por  jovens. No rap e soul encontramos Eva Rap Diva e Bruna Tatiana.

Noite e Dia e Jéssica Pitbull ajudam a aquecer os ambientes, com a  autora de "Lhe avança” sempre com as "nóias que batem na city” em farras de quintal, mostrando a garra do kuduro. A diva do kuduro sempre abre o livro, e, do outro, Jéssica Pitbull conquistou o seu lugar provocando os seguidores e lançando punchlines às colegas.  No game do kuduro ainda encontramos Tuga Agressiva, Flor de Raiz, Fofandó, Samara, Dama Diva, Dama Ludmila, Palanca Negra e outras que encantam os amantes do estilo que retrata o quotidiano dos habitantes das periferias.


De ontem e de sempre

São mulheres que marcaram as harmonias angolanas e a história confirma que não foram apenas musas inspiradoras. Idegarda Oliveira -, Garda -, em 1958 gravou em Portugal o primeiro disco vinil de um cantor a residir em Angola, pela Valentim de Carvalho. Neste trabalho encontramos o sucesso intemporal "Maria Candimba”. 

Conceição Legot, cantora, historiadora e nacionalista, foi presa aos 21 anos, ao escrever os estatutos da mulher angolana. Com Belita Palma nos tambores, e Lourdes Van-Dúnem na dikanza, formou o Trio Feminino.

Belita Palma e Lourdes Van-Dúnem são as cantoras mais conhecidas pelas novas gerações, ambas pertenceram ao Conjunto Ngola Ritmos, fundamental nos alicerces da música popular  urbana luandense e no uso da arte como meio de enfrentar o poder colonial.

Isabel Salomé Benedito de Palma (Belita Palma) nasceu e cresceu em Luanda num ambiente musical e teve como suporte a irmã Rosita Palma, compositora de parte dos seus sucessos. Com a voz de Belita Palma, sobressaem canções como "Manazinha”, "Apolo 12”, "Susana”, "Nossa Senhora do Monte”, "Nguxi”, "4 de Fevereiro”, "Marien Ngouabi”, "11 de Novembro”, "Fidel Castro” e a bela adaptação do poema de Agostinho Neto "Caminho do mato”. Belita Palma e Lourdes Van-Dúnem, curiosamente, foram locutoras de rádio.

Lourdes Pereira dos Santos Van-Dúnem nasceu a 29 de Abril de 1935 e morreu a 4 de Janeiro de 2006. A música entrou muito cedo na sua vida. Com o Ngola Ritmos, actuou em Portugal na década de 60, em festivais e programas televisivos. O single de 1973, onde consta "Ngongo ua Biluka”, suportado instrumentalmente pelos Jovens do Prenda, é um marco da sua carreia. Tem o álbum "Ser Mulher”, de que fazem parte os temas  "Uxidi”, "Mwabelela”, "Monami”, "Mungongo”, e outros, que marcam a sua trajectória artística. "Ser Mulher” ganhou um grande simbolismo neste tempo em que as mulheres angolanas lutam pelo seu próprio empoderamento. A cantora participou no projecto "So Why”, da Cruz Vermelha Internacional, na companhia do senegalês Youssour Ndour, do congolês democrático Papa Wemba, do nigeriano Lagbaja e de outras referências da música africana. Com Elias Dya Kimuezo, em "Ressurreição”, proporcionou um dos mais apreciados duetos da música angolana.

Lilly Tchiumba, irmã de Eleutério Sanches, fez história com o disco "Songs of My People”, de 1975. "Mona Ki Ngui Xissa”, "Manazinha, "Paxi Ningongo”, "Monami” e "Kubata Dia Rosinha” são alguns dos seus temas mais marcantes.

Milá Melo, Maria Emília Carmelino de Melo, nasceu  na província do Huambo, em 1943. É dona de um timbre vocal ímpar e autora dos grandes sucessos "Vamos à Anhara” e "Tchakuparica”. É uma cantora muito influente, popular e bastante eclética. Vive actualmente em França.

Sara Chaves nasceu a 5 de Maio de 1932, em Santo António do Zaire (Soyo). Em 1947 integrou o "De Tanga”, grupo que apresentava piadas e que viu temas do seu reportório serem censurados. Em 1959 participou no I Festival Internacional da Canção, realizado no Teatro Monumental de Lisboa. Dois anos depois passou a interpretar temas de Eleutério Sanches, Tonito, José Cordeiro dos Santos e mornas de B.Leza. Em 1966 conquistou o prémio de interpretação no Festival da Canção de Luanda, com a famosa canção "Maria Provocação”, de Ana Maria de Mascarenhas e Adelino Tavares da Silva. Canções como "Senhora da Muxima”, "Benguela Rua Nova”, "Ritmo de Coração” e "Sangazuza” constam das suas interpretações mais famosas.

Ana Maria de Mascarenhas destacou-se na composição e as suas letras são interpretadas por vultos como Carlos Burity, Dionísio Rocha, Carlitos Vieira Dias, apenas para citar estes. Foi homenageada, em 2007, no Festival da Canção de Luanda da Rádio LAC. Conchinha de Mascarenhas, a irmã, notabilizou-se com interpretações como "Monami Zeca”, "Serenata a Luanda”, "Mariana Diambimbe” e "Mulata é Noite”, temas encontrados no single "Melodias de Angola” de 1967.

Alba Clington, cantora, bailarina e actriz de teatro, era figura de cartaz nos espectáculos de um passado de alegres memórias. O seu nome pode dizer pouco ou quase nada à nova geração. Mas para aquela anterior à independência, ela é considerada como uma das primeiras estrelas do mosaico artístico angolano no feminino.

Após vinte e cinco anos de um quase exílio em França,  regressou à terra que, à sua maneira, ajudou a erguer. No passado,  era considerada uma diva, frequente em anúncios publicitários, referência nas páginas culturais dos jornais e revistas de um tempo que o tempo jamais apagará.

Garda, Conceição Legot, Belita Palma, Lourdes Van-Dunem, Lilly Tchiumba, Sara Tavares, Ana Maria de Mascarenhas, Conchita de Mascarenhas e Alba Clington são figuras cujo conhecimento dos seus percursos de vida torna-se imperioso para melhor se perceber a importância da mulher na música angolana.

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