Cultura

Monólogo “Amílcar Geração” segue para cidade de Benguela

Francisco Pedro

Jornalista

A província de Benguela é, hoje, o novo destino da peça de teatro “Amílcar Geração”, com o actor santomense Ângelo Torres, para sexta-feira e sábado, depois do Namibe e Huíla.

20/11/2023  Última atualização 10H08
© Fotografia por: DR

Em terras das Acácias Rubras, a peça vai ser apresentada, às 17 horas, no Auditório da Emissora Provincial da Rádio Nacional de Angola (RNA).

O produtor executivo da peça Manuel Dias dos Santos, antes de deixar a capital da Huíla, a cidade do Lubango, fez um balanço positivo da digressão designada "Hemisfério Sul-Sul” é organizada pela Kafukolo 5 em quatro províncias, sendo a última Luanda, cujos espectáculos estão agendados para o fim do mês, no Elinga Teatro.

Falando das expectativas em Benguela, em relaçãoà peça de teatro e a oficina, "eu acho que acima de tudo, o que estamos a assistir é um processo de refinamento da qualidade do acto representativo desse monólogo, desde o Namibe passando pela Huíla, é claro, há uma superação permanente, e acho que é isto que Benguela tem que esperar - um aumento - na qualidade e no refinamento da peça”.

Contrariamente à cidade do Namibe, com duas sessões, no Lubango foram apresentados três espectáculos, sendo o primeiro no auditório Ruy Duarte de Carvalho, do Instituto Superior Politécnico da Tundavala, e os dois últimos no Auditório do Instituto Superior de Ciências de Educação (ISCED), local que registou maior afluência.

Também actor e membro da Direcção da Kafukolo 5, Manuel Dias dos Santos adiantou que o auditório da RNA, em Benguela, tem a capacidade de 150 lugares, e espera-se sala lotada por se tratar no final do mês "é sempre mais compatível para as pessoas poderem pensar em ambientes culturais, pagando ingressos, que custam 2000 kwanzas, para uma pessoa, e três mil para duas pessoas”.

O produtor executivo referiu que a digressão está dividida em duas principais, sendo a primeira vertente relacionada com o espectáculo em si, e a segunda com a oficina.

Depois das cidades do Namibe e do Lubango, a paragem seguinte é Benguela, para culminar em Luanda, "onde vamos fazer três espectáculos. Nunca se sabe, tendo em consideração a aderência e a procura do espectáculo, pode ser que se faça mais um espectáculo, esse é um outro elemento à parte”.

A segunda vertente está relacionada com a formação, e que visa, fundamentalmente, fomentar trocas de experiências com os agentes culturais locais, principalmente os filiados às artes cénicas, que pretendem superar-se e transmitir, também, as suas próprias experiências ao formador Ângelo Torres, que coloca a representação como um acto de criação.

"Nessas oficinas, que se realizam com os grupos de teatro locais, tem sido bastante interessante na medida em que o formador – garante ele mesmo - a interacção e a forma como os grupos suportam esse período da formação tem permitido criar um manancial de informação relativa ao acto de representar como um acto criativo que nunca lhe havia ocorrido, ou passado pelo horizonte”, disse o produtor executivo.

Tem sido salutar o convívio entre o formador e os formandos, disse, porque tudo ocorre num espaço diferente, com pessoas com vivências diferentes, experiências, e capacidades, também, diferentes para fazer um teatro com particularidades, "com uma idiossincrasia que não tem nada a ver com o espaço ou ambiente de onde provêm o Ângelo Torres, mas  que o enriquece ao mesmo tempo porque leva os formandos a colocar-se na posição de crescerem e poderem atingir os níveis na representação da peça ‘Amílcar Geração’”.

 
"Amílcar Geração”

Monólogo com mais de uma hora de duração, a encenação e texto é de Guilherme Mendonça, cenografia de Ângelo Torres, que assina também o desenho de luz e o figurino. Nessa digressão, pelo interior do país, a Kafukolo 5 assume a produção executiva com Meirinho Mendes (coordenador) e Manuel Dias dos Santos (coordenador executivo).

Referindo-se ao espectáculo "Amílcar Geração”, Nelo – conhecida personagem do Makamba Hotel - considerou que acaba por ter um impacto muito interessante entre as pessoas porque representa uma aula magna sobre a figura de Cabral e, também, permite que Ângelo Torres, ao cruzar as suas próprias reminiscências pessoais à volta de Amílcar Cabral, com o dia fatídico da morte de Cabral, chegue à seguinte interrogação: "que teria sido de Cabral se o Amílcar não teria ido para a luta”.

É, na óptica do produtor, uma interrogação legítima e interessante porque  leva todos a pensar como é que muitas coisas aconteceram na década de 1930, do século passado, quando Cabral começa a ter uma apreciação mais real do espaço envolvente, "e cria aquilo que eu começo a chamar de "Direito de indignação” – uma característica - que ninguém deve abdicar”.

Prossegue, e faz menção ao facto da leitura do processo colonial feita por Amílcar Cabral, que o leva para a luta de libertação, e como figura chave das independências dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), Cabral cruza também com Angola, e faz com que se torna num elemento "das nossas vivências”, que para além de ser falado tem de ser conhecido.


"Eu gostava que o ISPT tivesse mais actividades culturais”

A directora do Instituto Superior Politécnico da Tundavala (ISPT), Margarida Ventura, disse ter gostado muito da peça, primeiro porque o actor "é muito bom”, segundo porque retrata "uma época que eu vivi, também, com muita intensidade, muita emoção, era no tempo dos revolucionários, eu era revolucionária e vivi um pouco, é claro que a minha vivência não foi tão traumática mas gostei”.

Da primeira parte (Acto I) recordou os momentos das revoluções, por isso, pediu para gravarem extractos da peça, mostrar ao filho que é cineasta, Carlos Conceição.

Sentiu-se, também, emocionada com a segunda parte (Acto II), porque reflecte Amílcar Cabral como uma figura que fez parte "da nossa história e da nossa vivência, pois falava-se muito dele, aqui em Angola”.

Reconheceu a surpresa que "invadiu” no bom sentido a actividade pedagógica dos docentes e discentes do ISPT, porém, enalteceu porque nunca tiveram uma peça de teatro (monologo) em que o actor consegue representar em mais de uma hora "e com muito sucesso conseguiu prender a atenção dos espectadores durante o tempo de todo da peça”.

Deu a conhecer que a instituição está aberta para muitas outras actividades deste gênero, "alias, eu gostava que o ISPT tivesse mais actividades culturais, porque aqui no Lubango não temos muitos espaços, por isso, são sempre bem-vindas as pessoas que têm essas iniciativas”.

Parceria com a Kafukolo 5 é um facto, e espera ter com outras produtoras ou agências culturais para que se firmem projectos para formação no domínio das Artes Cénicas no ISPT.

"Que o ISPT não seja apenas uma instituição de conhecimento, mas acima de tudo de cultura, de artes, que dê uma visão mais ampla aos estudantes, do que ficar limito a despejar conteúdos”, disse a directora.

Por sua vez, Evanilton Pires, coordenador do curso de Engenharia do Ambiente no ISPT, considerou a peça exibida numa perspectiva muito interessante, porque quase não se ouve falar muito de figuras políticas que tenham contribuído "para a História dos nossos países”, particularmente em África, fora da figura do herói, mas sim como homem, como cidadão.

"Ouvimos muitos feitos desse herói como normalmente é retratado, regularmente, mas essa perspectiva dele como homem, como pessoa, como amigo, como um cidadão normal com aspirações, com histórias próprias, é uma perspectiva nova, interessante de ver e que me deixou bastante curioso”.

O ambientalista recomenda o espectáculo a todas as pessoas por duas razões, sendo a primeira o facto do actor (narrador) apresentar a história de uma forma muito pessoal e viva em que o espectador consegue se sentir dentro da história.

Por outro lado, pela audácia de Ângelo Torres trazer a riqueza da sua própria experiência. "Isso foi algo inovador, na minha opinião, pois não tem sido frequente, ou normal, vermos isso, que dá um cunho mais original e intemporal à narrativa, e ao conteúdo que ele traz, além disso tem muito a ver com os detalhes que foram aqui levantados, que não são aqui normalmente conhecidos de forma popular, o que na minha opinião é uma peça, uma fonte de conhecimento de cultura e de crescimento intelectual que ninguém devia perder. Foi uma sorte termos recebido esse espectáculo”.


Depoimento de Meirinho Mendes

"Ângelo Torres é um actor a nível da CPLP, com um percurso de sucesso, quer no teatro quer no cinema e na televisão. A peça ‘Amílcar Geração’ é um monólogo que, em dois actos, retrata a vida e obra de Amílcar Cabral, com a duração de uma hora.

Trata-se de um monólogo dramático cujo tema é a vida e o legado de Amílcar Cabral. A premissa central do espectáculo é a ideia que conflue em Amílcar Cabral: dois homens, um a quem chamamos Cabral e um outro a quem chamamos Amílcar. A peça vem a propósito dos festejos dos 48 anos da "Dipanda”. O espectáculo que tem uma relação com a História de luta dos povos africanos, particularmente Angola, por isso vamos apresentar este mês nas quatro províncias para saudar a memória de Neto, um dos grandes artífices da proclamação da independência nacional.

A peça é fácil de montar e de se transportar, por se tratar de um monólogo, uma história importante para África, que não está circunscrita ao universo do PAIGCV, pelo contrário une os laços comuns a nível da História da nossa luta de libertação nacional, sendo um dos intelectuais da sua época com um pensamento cultural congregador.

A escolha do actor Ângelo Torres, para integrar o projecto itinerante, é por ser um irmão santomense, radicado em Portugal, e temos uma relação de mais de 30 anos. Ele sempre teve o desejo de trabalhar aqui em Angola, aliás essa peça já esteve em agenda há um ou mais anos. Naquela altura não havia condições, agora já é possível.

Além da peça, Ângelo Torres tem partilhado conhecimentos através de uma oficina de teatro, gratuita, ministrando técnicas sobre interpretação como acto de criação e recriação. Numa primeira fase, estaremos entre as cidades de Namibe, Lubango, Benguela e Luanda. Mais adiante o projecto, que tem um pendor de descentralização cultural, vai se alastrar pelas demais províncias, até concluirmos as 18 cidades capitais. Agregamos, também, uma mostra de cinema, conferências e oficinas sobre Sétima Arte, com a parceria da Casa Cinema-Angola. "Hemisfério Sul-Sul” é um projecto nacional, tendo como foco a importâncias das artes para afirmação da identidade nacional, bem como meio de expressão cultural e sentido patriótico. Pretendemos criar pólos e dinâmicas que levem à diversidade cultural interprovincial como internacional. A base é dar a conhecer o que Angola tem de melhor e que não está circunscrito na capital do país, pois cada uma das províncias tem as suas particularidades e riquezas que devem ser espalhadas dentro e fora do país”.

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