Caiu, sexta-feira, o pano da III Bienal de Luanda para a cultura de paz, uma edição recheada de intervenções ao mais alto nível, com Presidentes e Chefes de Governo, no activo e reformados, do presidente da Comissão Executiva e do presidente em exercício da União Africana, de representantes da juventude africana, entre outros actores.
A popularidade do futebol eleva o seu Mundial à condição de evento desportivo mais seguido da humanidade, embora sejam os Jogos Olímpicos, pela multiplicidade de modalidades, a maior concentração de atletas. Atrás do fascínio da bola, correm todos os países. Das mais fortes economias às menos robustas. No entanto, povos iguais no sonho legítimo de desfilar na gala planetária.
Andando e visitando, pelas redes sociais, algumas conversas de cidadãs angolanas, fiquei surpreendido por certas abordagens, que deixavam perceber uma certa identidade difusa, esse termo da psicologia utilizado para descrever um estado em que dada pessoa não possui identidade distinta.
Li postagens de jovens maldizendo suas respectivas mães, afirmando estarem ultrapassados os seus conselhos respeitantes a futura vida matrimonial. Não há um provérbio no sul de Angola que, traduzindo, diz: todo o filho sábio gosta dos conselhos da sua mãe?
Nas conversas, as jovens privilegiavam moda, referências sociais e artísticas, filosofia de vida e comportamentos próprios de uma ocidental, criando linhas de rutura cultural com o ser africano. Ora, se uma africana (bantu) se identifica com estilos comportamentais europeu, pode ser um sinal de que ela está passando por uma crise de identidade. Pode ser.
Enquanto a filosofia ocidental (pensamento filosófico ocidental que terá como marco a civilização grega) valoriza a liberdade individual e a autonomia, pois acredita que cada pessoa tem o direito de buscar a sua própria felicidade e realização, a filosofia bantu enfatiza que ninguém é feliz sozinho, pois a força individual assenta na comunidade e na interdependência entre os indivíduos. O bantu acredita que unidade é força e divisão é fraqueza; a união do rebanho obriga o leão a ir dormir com fome.
O conceito de família alargada é muito africano e o nosso comportamento ou atitude, sucesso ou insucesso, vinculam automaticamente a família onde estamos inseridos. Conforme adágio popular, uma família é como uma floresta, quando você está do lado de fora é densa, mas quando está dentro, você vê que cada árvore tem o seu lugar. Por isso, desrespeitar a comunidade é uma espécie de automutilação, atitude não apreciável num africano. O mal que fazemos, fazemo-lo à comunidade. O bem que fazemos, fazemo-lo à comunidade. Aliás, é proverbial que não se pode esconder a fumaça se acender o fogo. O mal que fazemos vem mesmo à superfície.
O indivíduo que assume e privilegia o individualismo como prática corrente, contrariando as perspectivas colectivas da sua comunidade, desrespeitando a ancestralidade, a tradição ou os antepassados, está claramente na contramão da sua identidade cultural. Falei em desrespeitar (desacatar, desconsiderar, desprezar, desobedecer, infringir, transgredir, violar, etc.), que é diferente de aceitar determinada prática.
Claro que a identidade pessoal é um processo complexo e em permanente mutação ou evolução, capaz de acolher diferentes elementos durante a construção social e cultural. Porém, essa evolução deve radicar sobre pilares que ajudam a preservar a história e a memória, no meio da diversidade e da riqueza das culturas de todo o mundo. Ser fiel a si é um modo de evitar a crise de identidade, resguardando-se da parte desse processo em que os nossos pilares estruturantes abalam e tornam instável a nossa ancoragem socio-cultural.
Lendo-as nas redes sociais, chega-se a um ponto onde não se sabe quem elas são. A sensação de estar sem rumo é um indício claro dessa crise de identidade. Não é mesmo do romano Sêneca a quem se atribui o dito, segundo o qual "barqueiro que não sabe onde quer chegar, nenhum vento lhe é favorável”?
Apeteceu-me dizê-las que o individualismo que põe em causa o bem da comunidade não é aplaudível. Se queres ir rápido, vá sozinho. Se queres ir longe, vá em grupo, lembra-nos um provérbio. Não é necessário desrespeitar o colectivo para contentar o individual.
Quando julgamos que só é feliz o jovem ocidental, porque o vemos nos filmes a sorrir e a triunfar; quando os melhores sonhos são os dos jovens do ocidente; quando os melhores pais são os do ocidente; quando os maiores artistas e pensadores são os do ocidente, alguma coisa está a desequilibrar a nossa identidade cultural. Por cada pessoa ser única em relação à sua identidade, não posso aceitar como normal esses indícios de mente colonizada.
Perante o elevado nível de analfabetismo funcional entre a população escolarizada (usuários), nas redes sociais compramos a ideia da inferioridade intelectual, racional e de capacidade. Afinal, o nosso é sobras e o original indiscutível é o que vem do ocidente.
Certamente, e diante de um contexto de globalização, poderia pensar em assimilacionismo, ideia da homogeneização cultural ou cultura global. Com a globalização veio a evidência da divisão do mundo em países centros(os socioeconomicamente desenvolvidos) e países periféricos. A expansão cultural tornou-se unidireccional (eurocêntrica), indiciando um processo de colonização cultural. Com as redes sociais nota-se que há uma estrutura de dominação que permanece enraizada na mente dos usuários, produzindo uma onda gigante espumando influência cultural e psicológica da cultura dominante.
Assumidamente, as mentes colonizadas ganham corpo e começaram a adoptar valores e comportamentos da cultura hegemónica, com a submissão cultural e psicológica do "colonizado”. O que as jovens nas redes sociais me permitiram apreciar é certamente sintoma do preconceito de colonizado, facilitado por uma educação que não cria contrapontos à dinâmica da expansão cultural eurocêntrica.
Hoje fala-se muito no conceito de decolonialidade, como proposta para enfrentar a colonialidade das mentes. Para muitos, é o caminho para resistir e desconstruir perspectivas impostas aos povos subalternizados. Eu sou mais de acreditar que a educação é a principal via, capaz de criar "brigadas” mentais como resistência cultural a favor da preservação e valorização das tradições e costumes de uma determinada cultura. Através da educação formal centrada nos primados da filosofia bantu (Ubuntu: eu sou, porque nós somos), da regulação da produção produtos e serviços que apoiam a economia local e a preservação das tradições culturais e o patrocínio a eventos culturais, podemos construir padrões.
Investir em recursos educacionais, como programas de alimentação escolar e apoio académico são boas respostas ao aprendizado dos valores da decolonialidade, nomeadamente dar visibilidade ao conhecimento produzido pelos chamados países periféricos.
Se a cultura é um elemento imprescindível para a existência humana, a educação deve fundamentar a sua base nessa responsabilidade social centrada numa competência associada à árvore que se faz útil na sua floresta. Relegar cerimónias como ekwendje, chicumbi, efiko e etanda a meros actos tradicionais, é ignorar o seu valor educacional, recomendável para a transmissão de valores da comunidade para as crianças e os adolescentes.
A educação pode ajudar a contrapor a tendência de construção de identidades difusas, contribuindo para a estruturação de pilares de ancoragem socio-cultural. O Banco Mundial alerta que a educação promove o emprego, aumenta os ganhos, melhora a saúde e reduz a pobreza. Está amplamente provado que investir na educação é uma das maneiras mais eficazes de melhorar a prosperidade de um indivíduo e de uma sociedade.
Mas não só. A educação tem de ser capaz de transmitir e fortalecer o indivíduo no seu aspecto físico, psíquico e humano, agregando-o valores da cultura do seu grupo. A transmissão de valores culturais é parte importante da educação formal, pois ajuda a preservar a identidade cultural, a promover a compreensão e o respeito entre os membros da mesma comunidade ou de comunidades diferentes. Quando a educação cumpre o seu papel em pleno, é pouco provável que as identidades difusas se tornem um mal generalizado.
Entretanto, quando a educação não "visita” a estrutura cultural da comunidade, podemos ser surpreendidos pela prosperidade condicionada.
Por exemplo, quando entre nós se fala em desumanização de serviços no funcionalismo público, mais precisamente na saúde, estamos a destacar a inexistência do ubuntu. Ser ou estar insensível a dor do próximo não se encaixa na filosofia bantu e revela a não absorção de capacidades e valores éticos e morais como padrão da comunidade.
Para finalizar, há um provérbio que guardei para rodapé desse texto: O conselho é um estranho; se ele for bem-vindo, fica para passar a noite. Se não, vai embora no mesmo dia. Porque não faz bem a comunidade a existência de identidades difusas, espero que este conselho passe a noite com cada um de nós.
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