Opinião

Mega-cidades africanas: como sustentar tanta gente?

Adebayo Vunge

Jornalista

Estamos já numa ronda censitária e nos próximos dois anos poderemos saber, com maior precisão, qual é o tamanho da nossa população.

06/02/2023  Última atualização 10H00

Por ora, todas as análises são feitas tendo como base as estimativas cuja margem de erro é mais ou menos assinalável, em função dos métodos e qualidade dos estudos.

De qualquer modo, no exercício de gestão, o que pressupõe concepção de políticas, monitoramento e a sua avaliação, não podemos deixar de parte os indicadores demográficos. Assim, nos últimos dias, surgiu um relatório do Institute for Economics and Peace apontando as cidades africanas que mais crescem em termos populacionais nos próximos vinte e cinco anos.

Kinshasa (RDC) e Lagos (Nigéria) são as que mais crescem, passando dos actuais 15 milhões de habitantes para 30 milhões. Todavia, a cidade mais densamente povoada de África, em 2050, passará a ser o Cairo (Egipto) com os seus 32,6 milhões.

A nossa cidade de Luanda, que recentemente comemorou mais um aniversário, encontra-se num naipe de outras megacidades que irão ultrapassar a fasquia dos dez milhões de habitantes, como são os casos de Dar-Es-Salaam e Nairobi.

Mas então quando olhamos para a geografia da cidade ficamos deveras assustados com a sua pequena dimensão territorial para tão assustadora dimensão populacional. Luanda tem "gentes&tons”, como dizia o falecido André Mingas.

O crescimento demográfico de Luanda está estimado em cerca de 60%, passando assim dos actuais pouco menos de dez milhões de habitantes, para 15 milhões em 2050. Outras províncias, ou mais especificamente, cidades de Angola darão saltos, como é o caso do Lubango, Benguela, Huambo, entre outras, cifradas entre os 3 e os 5 milhões.

Mas a ronda censitária não é apenas importante no sentido em que nos permite captar a fotografia real e identificar com maior precisão o tamanho da população. A sua importância é maior, na medida em que contém um sentido estratégico forte. Essa ferramenta é importante para que possamos definir com clareza a política geral da população, no fundo definirmos o que queremos e como o poderemos atingir. O que não pode acontecer é uma ausência de

definição política, levando-nos a caminhar ao sabor do vento e com o Estado a revelar inúmeras dificuldades no exercício de planificação face ao crescimento desordenado e inconsequente da população como vemos ocorrer agora.

Para além das questões urbanísticas e de organização do território, fica evidente a incapacidade do Estado em assegurar condições para que haja uma melhoria do bem-estar colectivo. E a vida nas grandes cidades é um grande indicador, onde ficamos assustado com o espectro marcado por kupapatas a funcionarem já como cisternas de água face os dilemas diversos que enfermam a rede de distribuição de água, para além de outras questões do nosso quotidiano como o saneamento, a mobilidade, o sistema educativo (a escola de proximidade deixou de ser uma constante), entre outros.

Mas por estes dias, sobretudo quando olhamos para aqueles indicadores, só podemos revelar preocupação face igualmente à nossa capacidade de produção interna, para alimentarmo-nos de forma autónoma e sustentada.

Pelos vistos, não nos basta termos terra, água, sol e vento. Falta-nos capital e conhecimento para que possamos inverter o quadro das dificuldades que ainda passam inúmeras famílias para alimentar os seus membros, estando a viver em condições verdadeiramente precárias e assustadoras.

E, precisamos ter algum cuidado na gestão dos recursos fundiários, evitando cenários de latifundiários, com amplas e infindáveis terras, na generalidade dos casos ociosas, quando temos gente a procura e hoje já com alguma dificuldade no acesso.

Seja para atender as nossas necessidades internas – a pandemia da covid-19 e a guerra na Ucrânia estão a mostrar-nos o quanto precisamos investir fortemente para reduzir a dependência alimentar com o exterior. É até vergonhoso que tenhamos uma importação de alimentos tão alta, desviando elevadas somas, mas tenhamos tão baixo crédito para a agricultura, pecuária e pescas.

Num país como o nosso, onde a história (mesmo que colonial) nos permite aferir o potencial agroindustrial, tenhamos um número tão elevado de empresas a actuar no comércio, comparativamente aos demais sectores. É claro que, nestas circunstâncias, teremos muita dificuldade em combater o desemprego ainda tão elevado, o que levanta a preocupado com o nosso crescimento populacional na medida em que não está a ser um dividendo demográfico. Receio que o crescimento da população, aos níveis actuais, seja um factor de stresse e instabilidade política e social.

A população não pode ser vista na lógica tão redutora e mercadológica dos números. A população deve traduzir o bem-estar, o progresso, a inovação e o desenvolvimento que o Estado as proporciona.

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