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Mandioca: da cultura alimentar ao valor industrial

A Mandioca (“Manihot esculenta Crantz”), da família “Euphorbiaceae”, é uma cultura alimentar tropical amplamente cultivada em África, Ásia e América Latina, tipicamente produzida em solos pobres e requer poucos insumos.

18/05/2023  Última atualização 08H10
Cultura de Mandioca © Fotografia por: DR
A planta cresce como um arbusto. É pouco exigente em termos de fertilidade do solo e insumos, e é o segundo maior produtor de alimento energético por área, depois da cana-de-açúcar. Pode ser colhida em qualquer dia do ano e constitui o alimento básico para mais de 700 milhões de pessoas em pelo menos 105 países.

A mandioca pode ser mantida no solo durante um longo período (até dois anos) e colhida quando necessária. Contudo, uma vez colhida, a mandioca fresca é altamente perecível, sendo imprópria para ser vendida em mercados distantes. Há, também, uma elevada procura por chips de mandioca, usados como alimentos para animais. Na média africana, cerca de 90 por cento da produção é destinada ao consumo humano e apenas 10 é processada como alimento  para animais.

Há algumas variedades amargas e com teor de amido mais elevado, sendo as mais adequadas para a produção de amido de alto valor e maltose, ambos para uso industrial. Em África, as variedades amargas são muitas vezes preferidas pelos agricultores, devido a maior resistência às pragas.

Em toda a África, as mulheres são empenhadas na produção, tendo grande papel na colheita de mandioca e ainda como mão-de-obra intensiva no processamento e no seu transporte. No entanto, como o processamento se torna cada vez mais mecanizado, os homens tendem a assumir essas actividades.

  Utilidade farmacêutica

No Mundo já é o 4º alimento maior fornecedor de calorias. A sua importância na segurança alimentar, especialmente para os agricultores de subsistência e comunidades carentes, pode aumentar ainda mais como um efeito do aquecimento global. Além de seus tradicionais derivados (chips, farinha, fécula etc..), a mandioca hoje é muito usada na produção de xaropes, papel, colas especiais, aditivos alimentares orgânicos, cerveja orgânica, rações e, agora, aumenta a utilidade na produção de etanol.

As folhas são consumidas como vegetais verdes e as raízes como alimento básico na maioria dos países que cultivam mandioca. Em África, a mandioca é transformada em diversos produtos, tais como gari, chikwangue, cascas, fufu, tapioca etc. Ultimamente, cresce muito a produção de amido e de HQCF ("Farinha de Mandioca de Alta Qualidade”), principalmente nas pequenas fábricas da Nigéria (processamento ainda mínimo, mas com boa qualidade e higiene).

Trata-se de uma perfeita substituta, parcial, só que bem mais barata do amido de trigo e de milho, ambos importados. Boa parte do HWCF da Nigéria vai para a produção de alimentos processados, tais como glucose e álcool, bem como para um produto químico industrial para uso em tecidos, tintas, adesivos e sabão em pó.

Também, a Nigéria tem fábricas de médio e grande escala para o processamento de fécula de mandioca, exportando para grandes empresas multinacionais de alimentos como Cadbury e Nestlé. Na Nigéria, a Iniciativa Presidencial para a Mandioca (em 2003) criou um mercado mais amplo e cativo para a farinha de mandioca, promovendo o uso de 10 por cento de farinha de mandioca no pão à base de trigo. Isso levou ao aumento de 48 por cento na produção de HQCF e de amido e, também, ao estabelecimento de mais de 500 centros de micro-processamento e 100 de processamento por pequenas e médias empresas (PME).

  Quadro de suprimento mundial

A mandioca – e seus derivados - é o alimento energético dos mais pobres e, assim, pouco, ou nada, cultivada em países da América do Norte e da Europa, também por restrições climáticas locais e pelo seu baixo nível protéico (apenas 3%) quando consumida de forma isolada, mas riquíssima em cálcio e vitamina C, vitamina B1, vitamina A, acido nicotínico, etc..

A principal característica deste cultivo é produzir elevado volume de carboidrato por área e durante muitos meses por ano e isto mesmo em situações difíceis e até adversas de solo (baixa fertilidade, baixo nível de matéria orgânica, muita areia etc..), fogo anterior (inclusive no preparo do solo), poucas chuvas, clima desértico (elevada insolação), inexistência de mudas adequadas e de pesquisas, ataque de algumas pragas, baixo nível cultural/associativismo dos agricultores etc.. Pode-se dizer que é um persistente milagre para os famintos/incultos e até um "maná” local.

Embora a Produção Mundial oscile muito anualmente, em razões das secas locais mostrando a sua elevada importância como alimento em locais inóspitos e áridos  (como em 2011), as colheitas médias atingem cerca de 250,0 milhões de toneladas./ano, destinadas a alimentar  500 milhões de pessoas no mundo, sendo 200 milhões na África Subsahariana.

  Produção de carbohidratos

O mais interessante é que a mandioca é uma planta que mais produz carbohidratos por área (devido à possível elevada produtividade), somente superada pela cana-de-açúcar. Como não contém glúten pode ser o substituto ideal para derivados de trigo e do milho.

É uma das plantas com maior produção de etanol por hectare (bem acima da cana), havendo diversos projectos em andamento na China. No Brasil, até que se tentou, mas o lobby do sector Cana e de outros não deixou progredir, pelo que se sabe.

Segundo a ABAM (Associação Brasileira dos Produtores de Amido de Mandioca), enquanto 1 tonelada de cana produz 85 litros de álcool, 1 tonelada de mandioca, com rendimento de 33% de amido e 2% de açúcares, produz 211 litros de álcool combustível. Já existem variedades de mandioca com 36% de amido, o que proporcionam 230 litros de álcool combustível por tonelada de mandioca.

No Estado de São Paulo, a produtividade média da mandioca está em torno de 26 toneladas por hectare/ano, o que proporciona 5.486 litros de álcool por hectare/ano, isto na produtividade de álcool mais modesta (211 litros de álcool combustível por tonelada de mandioca). Recentemente foi descoberta pela Embrapa/Recursos Genéticos e Biotecnologia (de Brasília), na Amazónia brasileira (o "berço” da mandioca), uma variedade de mandioca com quantidade bem superiores de açúcares na raiz.

Hoje, no Brasil, também já se explora bastante uma nova vertente industrial que é a produção de mandioca para a fabricação de amidos especiais, sobretudo em SP, PR e MS.

  Países africanos lideravam o consumo em 2003

Em 2003, os países africanos eram os maiores consumidores mundiais, seguidos pelos asiáticos, caribenhos e da América Latina. O consumo nos países desenvolvidos era irrisório.

Em 2004, a Tailândia era o maior exportador mundial com 75% do mercado de mandioca seca (chips) e derivados, seguido pelo Vietname, Indonésia e Costa Rica. O comércio mundial de mandioca molhada ("wet cassava”) era restrito a alguns negócios entre países pequenos e vizinhos, em especial da África e Ásia.

... Maior importador mundial 

O maior importador mundial era a China, sendo a maior parte provinda dos vizinhos Tailândia e Vietname. Em 2007, as exportações mundiais atingiram 6,5 milhões de toneladas de mandioca seca (chips, pellets, etc..). Já as exportações de amido (fécula) e de farinha chegaram a 1,6 milhão de t. Na soma, equivaleram a exportação de mais de 25 milhões de toneladas de equivalente em raiz de mandioca (húmida), igual a cerca de 11% do total mundial produzido.

A Tailândia dominou o mercado de exportação, com 75% das vendas de equivalente mandioca seca do Mundo (4,6 milhões de t. por US$ 122/t.) e por 90% das exportações de amido de mandioca (1,4 milhões de toneladas por US$ 275/t.). Já o Vietname exportou 15% do total de equivalente mandioca, respondendo por 20% do mercado mundial de chips.

Os principais destinos das exportações de mandioca, isto é, os maiores importadores, foram a China (62 %), Leste europeu (18,0%) e Ásia (15 %), enquanto que os principais importadores de amido de mandioca foram os países asiáticos, liderados pela China e Sudeste (Indonésia, Japão e Malásia) e que, juntos, responderam por 75% do total.

A China já importava 60 por cento do que consumia em equivalente mandioca. Do total de importações chinesas em 2007 cerca de 60% foram de chips e 40% de amido. Já do comprado pelo demais da Ásia 40% foram de amido. Do importado pelo Leste europeu, 25% foram de chips.  Nos últimos anos, houve uma mudança significativa nos mercados-alvo destes alimentos, com o destino para a alimentação animal do mercado respondendo por 20%, principalmente na Europa e na China.

  Dinâmica total das importações

Em 2009, o total de exportações (somadas) atingiu o equivalente a 39,0 milhões de raiz de mandioca, sendo 67,0% pela Tailândia e 26,0% pelo Vietname. A Tailândia era responsável por 50% do mercado mundial de Chips e por 90% do mercado Mundial de amido. Já o Vietname respondia por 44% do mercado mundial de chips.

Já os maiores importadores foram a China com 68% do total e os demais países com 32% da equivalente mandioca. A China era responsável pela compra de 85% das compras de chips e 40% das de amido. Já os demais países importadores compravam 15% do mercado de chips e 60% do mercado de amido.

As estimativas eram de que a procura chinesa dobrasse nos próximos 5 anos. As importações também devem dobrar, mesmo se a produção interna aumentar. Prevê-se queda das exportações vietnamitas, pois o produto está a ser desviado para a produção de etanol, havendo diversas plantas em construção. O mesmo pode ocorrer na Tailândia.

Assim, como vemos, temos um mercado mundial bastante comprador, em franco crescimento, com significativa pluralidade de procura e com dificuldades de abastecimento, vezes que os maiores exportadores não estarão dando conta de suprirem o mercado futuro.

Em 2020, o consumo total mundial de mandioca em raiz (todos os fins) estava estimado em 275,0 milhões de t. (ante 193,8 milhões de t. em 2003). Em 2007, a China (DCR) liderava o consumo "per capita” mundial com cerca de 285 kg/habitante/ano, seguida pelo Congo com 275 kg/hab./ano.

Produtividade nos 20   principais países

Os países africanos, em conjunto, produzem mais da metade de mandioca do mundo, de 118 milhões de toneladas. Com excepção da Tailândia, a maioria dos países consome a maior parte da mandioca que produz, por isso, é muitas vezes considerada como uma "mercadoria não transacionável” (como o arroz) e com apenas 11% da produção sendo negociada no mercado global.

Tanto as áreas, como as produções cresceram muito entre 1961 e 2006, principalmente em África e Ásia. Já em termos de produtividades médias, as maiores ampliações no período ocorreram na Ásia. Em 2011, devido a uma série de problemas climáticos em diversos países, a produção mundial teve forte queda, fugindo bastante à média anual. Contudo, a área colhida teve significativo incremento nos últimos anos.

África mantém a tendência  de crescimento

A produção vem caindo muito na América Latina, ante oscilações na Ásia e ampliação em África. Na Ásia, mais de 8,0 milhões de produtores familiares, com área média de apenas meio hectare (0,5 há), se dedicam ao cultivo de mandioca, sendo que 50% deles usam variedades industriais modernas (80% transgénicas).

Na Indonésia são aproximadamente 3,0 milhões com área média de 0,4 hectare; no Vietname são cerca de 2,0 milhões com área meia de 0,3 hectare; na China cerca de 1,5 milhões e com área média de 0,3 há e na Tailândia são 500 mil agricultores e com área média de 2,5 hectares.

África tinha a maior área de cultivo em 2011, cerca de 4 vezes mais que na América Latina e na Ásia. Em 2011, os países da Ásia obtiveram a melhor produtividade média mundial, quase o dobro do rendimento africano e 58,3% maior do que na América Latina.

Em África, em média, consegue-se produtividade de até 11 toneladas/ha, mas já há cultivos com alto rendimento (até 25 toneladas/ha) e em áreas menos inóspitas e com melhor fertilidade natural.

Nigéria na liderança

A Nigéria é o maior produtor mundial de mandioca, seguida pelo Brasil e pela Indonésia. Contudo, enquanto amplia muito na Nigéria e na Indonésia, no Brasil a produção amplia bem menos. Vide o significativo aumento da produção no Camboja, no Vietname e em Angola nos últimos anos.

A Índia lidera amplamente a produtividade média mundial (e com forte crescimento anual), colhendo por hectare mais do que o dobro que se colhe no Brasil. O Valor Bruto da Produção de Mandioca recuou bastante entre 2005 e 2013, devendo alcançar R$ 5,9 biliões em 2013, liderados pelo Norte e Nordeste. Há forte queda de receita ocorrida na BA, PB e RN, possivelmente indicando sérios problemas climáticos (caso da BA) e/ou que os Programas de compras directas e de amparos à produção podem não estar funcionando adequadamente nestes Estados e em outros.

*Climaco Cezar de Souza

In Embraza

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