Política

Líderes discutem os melhores caminhos para o continente

Faustino Henrique

Jornalista

O “palco virtual” está montado para a 34ª Sessão Ordinária da Assembleia dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana, precedida de encontros preparatórios das delegações ministeriais e dos representantes permanentes, marcada por desafios monumentais.

06/02/2021  Última atualização 11H17
“A construção da África que queremos” © Fotografia por: DR
Arranca hoje até amanhã, a tradicional e anual assembleia ordinária da União Africana, em Adis Abeba, "capital política e diplomática africana”, por  vídeo-conferência, em que os Chefes de Estado e de Governo vão intervir para o balanço e perspectivas.
Na agenda dos Chefes de Estado e de Governo consta, obrigatória e inevitavelmente, o que cada Estado membro, através dos seus representantes permanentes e ministros dos Negócios Estrangeiros, apresentou nas reuniões preparatórias para o encontro de Chefes de Estado e de Governo.

Um ano depois da presidência rotativa, nas mãos do Chefe de Estado sul-africano, o continente testemunhou avanços e reveses, num momento em que os desafios sanitários provocados pela Covid-19, atendendo à natureza global, exigiam das lideranças africanas uma estratégia continental. Praticamente desde a primeira quinzena do primeiro mês deste ano, de forma não presencial por força da conjuntura sanitária, começaram os preparativos da 34ª Cimeira da União Africana, precedida das reuniões ministeriais, e cujo ponto mais alto culmina hoje com a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo, sob o lema "Artes, Cultura e Património: Alavancas para a construção da África que queremos”.

Marcada pela conjuntura actual em que a Covid-19 está a determinar e, em alguns casos, a condicionar numerosas agendas, a cimeira vai ser marcada pela cedência da presidência rotativa da organização continental, do Presidente sul-africano para o Chefe de Estado da República Democrática do Congo (RDC), além da intervenção do presidente da Comissão Executiva da União Africana, Moussa Faki Mahamat.

A componente política, económica, eleitoral e militar marcaram profundamente alguns países africanos, realidade nem sempre devidamente acompanhada pela organização continental que, em muitos casos, não soube marcar uma posição firme.
Angola faz-se presente,  com a esperada intervenção do Presidente João Lourenço que, não apenas na qualidade de Chefe de Estado de Angola, mas também enquanto presidente em exercício da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos (CIRGL), vai fazer uma comunicação, invariavelmente, baseada na realidade local e regional marcada pelos esforços para conter a Covid-19, pelas iniciativas no sentido de assegurar a frágil paz e segurança, com o foco na República Centro Africana e pela perspectiva de efectivação da Zona de Livre Comércio Continental, entre outros assuntos.

Nesta cimeira, além das esperadas intervenções, vai ser eleita a nova Comissão Executiva da União Africana, com menos comissários e eleita através de um novo sistema baseado no mérito, pela primeira vez depois do processo de reforma encabeçado pelo Presidente do Rwanda, Paul Kagamé, iniciado em 2016. Para a presidência da Comissão Executiva, o actual presidente e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros do Chade, Moussa Faki Mahamat, concorre sem oposição à sua reeleição, embora seja necessário recolher dois terços dos votos dos Estados membros para manter-se no posto.

A passagem de testemunho
O presidente em exercício da União Africana cessante, Cyril Ramaphosa, passa, nesta cimeira, o testemunho ao Chefe de Estado da República Democrática do Congo (RDC) Félix Antoine Tshisekedi Tshilombo que, oportunamente, tinha criado uma comissão de trabalho para preparar o seu mandato de um ano. Na verdade, há, pelo menos, quatro meses que a referida comissão interagia já com as estruturas da Comissão Executiva da União Africana no sentido de proporcionar uma "transferência de poder” salutar, funcional e exemplar. Segundo algumas fontes, Félix Tshisekedi trabalhou arduamente na constituição de um painel de alto nível para o apoiar na chefia da estrutura continental. O tema escolhido pela RDC para o mandato 2021-2022 é "Uma África ao serviço dos povos africanos”, uma temática que se enquadra também na visão do país, segundo a qual "o povo primeiro”, um pressuposto que tem marcado a presidência do Chefe de Estado Félix Tshisekedi. Este tema é apoiado pelo lançado pela União Africana para o ano de 2021, nomeadamente "Artes, cultura e património, alavancas para construir a África que queremos”.


Agenda de Tshisekedi na presidência da União Africana

Para o seu mandato, como presidente em exercício da União Africana, Félix Tshisekedi, vai optar por uma abordagem no sentido de maior aproximação entre os povos africanos, segundo a ministra dos Negócios Estrangeiros da RDC, Marie Tumba Nzeza, que faz parte do painel criado para apoiar o Presidente Tshisekedi, à frente da União Africana a partir deste mês. 

Não há dúvidas de que há uma grande expectativa por parte das autoridades congolesas relativamente ao mandato de Félix Tshisekedi, à frente da União Africana, a julgar por diferentes intervenções, quando abordadas para falar sobre a realidade que se efectiva a partir deste mês de Fevereiro. Aquando da apresentação do painel de entidades que vão auxiliar o Presidente Tshisekedi, em Dezembro, em Kinshasa, várias vozes tinham-se manifestado expectante com a presidência, numa altura em que se previam a entrada em funções de uma nova Comissão Executiva e em que o presidente em exercício, passa a ser mais actuante.

Embora seja melhor esperar para ver, não há dúvidas de que a partir deste ano se inaugura uma nova fase para a organização continental em que as pretensões de "aproximar os povos” cruzam o mesmo caminho da transformação do continente numa zona de livre comércio. Michèle Hélène Natou Ndiaye, representante especial da UA na RDC, disse, dirigindo-se às autoridades congolesas, na altura, que "isso mostra a importância que vocês atribuem a esta presidência ao nível da RDC. Então, eu também gostaria de dizer que há cerca de cinco anos a presidência mudou de uma função que era honorária para uma função um tanto mais substancial, em que o presidente deve seguir as políticas, mas também usar  a presidência como um meio de divulgação e  construção de uma imagem,  de uma estratégia de influência na cena internacional e na cena africana”. Para o director interino do gabinete do Presidente da RDC,  em representação do Presidente Félix Tshisekedi no momento de apresentação do painel, Eberande Kolongele, todos no país trabalham e se empenham para o sucesso da presidência da União Africana.

"Queremos que esta passagem da RDC pelo seu Presidente da República seja capaz de marcar uma data e deixar uma carta de nobreza ao nível da instituição africana, tal estrutura tem de se basear em vários eixos. Precisamos do seu apoio e de boa fé ", disse Eberande Kolongele, dirigindo-se à representante da União Africana na RDC. Para frente, fica a expectativa quanto ao desempenho de Félix Tshisekedi na materialização dos três grandes projectos da União Africana, nomeadamente a integração nacional africana, envolvendo a dimensão política, económica e militar.

Breve perfil de Félix Tshisekedi

Félix Antoine Tshisekedi Tshilombo, nascido a 13 de Junho de 1963, é o actual Presidente da República Democrática do Congo, desde 25 de Janeiro de 2019. É líder da União pela Democracia e Social Progress (UDPS), o maior e mais antigo partido da República Democrática do Congo, fundado pelo seu falecido pai, Étienne Tshisekedi, que, por sua vez, chegou a ser três vezes Primeiro-Ministro do então Zaíre e líder da oposição durante o reinado de Mobutu Sese Seko. Tshisekedi era o candidato do UDPS  à presidência nas eleições gerais de Dezembro de 2018, que venceu, apesar das acusações de irregularidades de várias organizações de observação eleitoral e outros partidos da oposição. A sua vitória foi confirmada pelo Tribunal Constitucional da RDC, depois do recurso interposto pela principal figura da oposição nas referidas eleições, Martin Fayulu.

Diz-se que, de acordo com um conjunto de alegações, na altura, que ocorreu um suposto acordo de cavalheiro entre o Presidente cessante, Joseph Kabila  e Félix Tshisekedi.  No dia 19 de Janeiro, a contestação foi rejeitada pelo Tribunal Constitucional, tornando Tshisekedi oficialmente eleito Presidente. Ele foi oficialmente empossado como Presidente em 24 de Janeiro de 2019. A eleição marcou a primeira transição pacífica de poder desde que a RDC se tornou independente da Bélgica em 1960.

Recentemente e fruto de desinteligências com a então maioria parlamentar afecta ao bloco que apoia o antigo Presidente, Joseph Kabila, Félix Tshisekedi anunciou o "fim das humilhações”, ao anunciar, no discurso proferido a 15 de Dezembro de 2020, por ocasião do estado da nação, a chamada "União Sagrada da Nação”, uma estratégia em que consta(va) esvaziar a maioria parlamentar de Kabila. Felizmente foi bem sucedido ao reunir uma maioria parlamentar de 391 deputados de um universo de 500 legisladores da principal Casa das Leis da RDC.


Desafios que ficaram para trás


O ano de 2020 foi marcado, em muitos aspectos, por problemas políticos, económicos e militares que deveriam merecer, da parte da União Africana, um posicionamento de firme engajamento. Na Líbia, as partes litigantes têm sido deixadas à sua sorte, num conflito em que o desfecho parece estar a ser entregue ao jogo de forças, quando a beligerância e interferência estrangeira, no caso a participação do contingente militar turco, apenas têm contribuído para prolongar o conflito. Pouco ou nada, em termos de estratégias, propostas de mediação ou de resolução, por parte da União Africana se conhece, numa altura em que os representantes das partes em conflito souberam dar provas da intenção de calar as armas ao convocarem o Diálogo Nacional. Mas é preciso que a organização continental actue mais directamente na busca de soluções que digam respeito aos problemas, embora internos dos seus Estados Membros, mas que acabam por se reflectir além fronteiras.
A União Africana devia demarcar-se do reconhecimento da antiga Administração Trump da alegada soberania de Marrocos sobre o território da República Democrática Áraba Sarauí, em troca do reconhecimento e normalização das relações com Israel. Numa altura em que se encontra no poder, nos Estados Unidos, uma nova administração, por sinal democrata, é hora de a União Africana movimentar os corredores diplomáticos a favor de uma possível reversão da iniciativa da administração precedente por parte do Presidente Joe Biden.

Vale enaltecer o papel da missão das Nações Unidas na República Centro-Africana, em que contingentes africanos vertem suor e sangue em defesa das instituições, da democracia e do Estado centro-africano contra as sucessivas investidas militares de grupos armados, que pretendem a todo o custo chegar ao poder pela via das armas. Atendendo que algumas figuras de proa da política local, entre elas o antigo Presidente François Bozizé, fomentaram e encorajaram os grupos armados no sentido de tomarem o poder pela força das armas, faz todo o sentido que a União Africana, com a ajuda dos Estados membros, sancione estas individualidades, eventualmente responsabilizando-as pelos crimes em que possam estar, directa ou indirectamente, envolvidos.

A segurança no Sael, mais propriamente na faixa de terra que envolve os territórios do Mali e Burquina Faso, apenas para mencionar estes países, continua muito frágil atendendo à frequência e facilidade com que se movimentam os grupos terroristas, nomeadamente a Al Quaeda do Magrebe Islâmico (AQMI) e reminiscências do Estado Islâmico. A referida região não pode, como parece, continuar à mercê dos referidos grupos armados, depois de avanços e recuos na constituição, financiamento e funcionamento efectivo de uma força militar e  quando, ao nível da União Africana, devia existir um plano concreto para lidar com a recorrente situação de instabilidade e insegurança.

Nos Camarões, em que subsistem problemas que podem resvalar para um conflito armado propriamente dito, envolvendo as forças governamentais e os grupos das regiões anglófonas, a União Africana deve encorajar as autoridades locais no sentido de facilitarem o diálogo, a concertação e a solução política para os problemas, tal como foram timidamente ensaiados no ano passado quando o Governo tinha convocado o chamado "Diálogo Nacional”, encabeçados pelo Primeiro-Ministro.

A intervenção das forças federais na Região de Tigray, na Etiópia, embora tenha se tratado de um problema de reposição da autoridade de Estado e já consumado, a União Africana não pode ficar indiferente aos relatos de excessos que, segundo algumas  fontes, continuam a ser cometidos naquele território que se  tinha rebelado contra Adis Abeba.


Os objectivos da União Africana


A União Africana foi oficialmente estabelecida em Julho de 2002 em Durban, na África do Sul, após uma decisão tomada em Setembro de 1999 pela organização pioneira, a OUA, de estabelecer uma nova organização continental para a consolidação de suas conquistas. A decisão de criar uma nova organização pan-africana foi o resultado do consenso alcançado pelos líderes africanos para mobilizar o potencial de África, sendo assim criada a necessidade de desviar a atenção dos objectivos de eliminação do colonialismo e do apartheid, nos quais a OUA se concentrou, para trazê-la de volta a uma maior cooperação e integração dos Estados africanos e para torná-los no motor do crescimento e do desenvolvimento económico em África.

A União Africana está empenhada na visão de "uma África integrada, próspera e pacífica, liderada pelos seus próprios cidadãos e que representa uma força dinâmica na cena internacional”. O Acto Constitutivo da União Africana e o Protocolo sobre Emendas ao Acto Constitutivo da União Africana estabelecem os objectivos da organização, que são: alcançar uma maior unidade e solidariedade entre os países africanos e entre os povos de África; defender a soberania, a integridade territorial e a independência dos seus Estados membros; acelerar a integração política e socioeconómica do continente; promover e defender posições africanas comuns sobre questões de interesse para o continente e seus povos; Incentivar a cooperação internacional, promover a paz, a segurança e a estabilidade no continente; promover os princípios e as instituições democráticas, a participação popular e a boa governação; promover e proteger os direitos humanos e dos povos de acordo com a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e outros instrumentos de direitos humanos relevantes; criar as condições adequadas para que o continente desempenhe o seu papel na economia mundial e nas negociações internacionais; promover o desenvolvimento económico, social e cultural sustentável, bem como a integração das economias africanas; promover a cooperação em todos os campos da actividade humana com vista a elevar o nível de vida dos povos africanos; coordenar e harmonizar as políticas entre as comunidades económicas regionais existentes e futuras, com vista a alcançar gradualmente os objectivos da União; acelerar o desenvolvimento do continente através da promoção da investigação em todos os campos, em particular na ciência e tecnologia; trabalhar em conjunto com parceiros internacionais relevantes para a erradicação de doenças evitáveis e a promoção da saúde no continente; assegurar a participação das mulheres no processo de tomada de decisão, nomeadamente nos domínios político, económico e sociocultural; desenvolver e promover políticas comuns de comércio, defesa e relações externas com vista a garantir a defesa do continente e o reforço das suas posições negociadoras; convidar e estimular a participação efectiva dos africanos na diáspora, como parte importante do nosso continente, na construção da União Africana.


Zona de Livre Comércio Continental Africana

A Zona de Livre Comércio Continental Africana pretende criar a maior área comercial sem barreiras do mundo e inaugurar uma nova era de desenvolvimento para o continente. Angola tornou-se o 30º país a ratificar o acordo que estabelece a Zona de Livre Comércio Continental Africana.  Segundo a Comissão Económica das Nações Unidas para a África, UNECA, o acordo tem o potencial de reunir mais de 1,2 bilião de pessoas e um Produto Interno Bruto de mais de 2,5 triliões de dólares.  Assinado em Março de 2018 por 54 dos 55 países membros da União Africana, o acordo entrou em vigor em 30 de Maio de 2019, depois de ser ratificado por 22 nações, o número mínimo exigido pelo tratado, mas apenas no dia 1 de Janeiro de 2021 é que foi formalmente lançada, no Ghana, numa cerimónia orientada por Cyril Ramaphosa, Presidente da África do Sul e agora líder cessante da União Africana.


Os órgãos da União Africana

A estrutura de liderança da União Africana, de acordo com o novo formato em função das propostas do "reformador Paul Kagamé”, será composta por oito membros, incluindo um presidente, um vice-presidente e seis comissários, menos dois lugares do que na anterior comissão. Os órgãos da organização continental são: a Assembleia da União, o Conselho Executivo, o Parlamento Pan-Africano, o Tribunal de Justiça, o Comité de Representantes Permanentes, os Comités Técnicos Especializados, o Conselho Económico, Social e Cultural e as Instituições Financeiras.

Órgão supremo da União Africana
A Assembleia da União Africana é o órgão supremo da União Africana, constituída pela Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo dos Estados-Membros ou pelos seus representantes acreditados.


Os rostos angolanos na União Africana

Além do rosto angolano, já habitual ao nível da União Africana, à frente de uma das comissões e cuja reeleição está prevista nesta Cimeira de Chefes de Estado e de Governo, foram já eleitos dois juristas angolanos. O procurador-geral adjunto da República, Pascoal António Joaquim, eleito membro  do Conselho Consultivo da União Africana sobre a Corrupção e  Wilson de Almeida Adão, a membro do Comité Africano de Peritos sobre os  Direitos e Bem-Estar da Criança. Foram escolhidos no âmbito das candidaturas pela região Austral, durante o 38º Conselho Executivo da União Africana, que sucede no quadro dos trabalhos da Assembleia-geral da União Africana que ocorre anualmente na capital da Etiópia, Adis Abeba.

Josefa Leonel Correia Sacko, de Angola, foi eleita, em 2017, durante a 28ª Cimeira da União Africana, comissária para Economia Rural e Agricultura da Comissão da União Africana e nesta sessão procura a sua reeleição. Dirigiu, durante muito tempo, a Organização Inter-africana do Café, com um mandato especial para representar os interesses económicos dos 25 produtores africanos de café, administrar a Secretaria e apresentar recomendações.

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