Opinião

João Lourenço confirma tradição diplomática de Angola enquanto actor do “peacemaking” em África

Adebayo Vunge

Jornalista

Ainda há alguma incerteza quanto ao respeito do cessar-fogo rubricado em Luanda pela RDC e o Rwanda, uma vez que os rebeldes do M-23 não se fizeram presentes. Esta é a parte verdadeiramente belicista no conflito do Norte de Kivu, contra o Estado congolês-democrático.

06/08/2024  Última atualização 09H16
De qualquer modo, as principais chancelarias, especialmente Washington e Paris, estão a acompanhar com grande atenção o evoluir da situação e elogiaram já publicamente o papel da diplomacia angolana, em particular o envolvimento pleno do Presidente João Lourenço bem como do ministro das Relações Exteriores, Tete António.

É importante esse reparo e a abordagem porque coloca Angola numa dimensão verdadeiramente de peacemaking. De resto, não poderia ser diferente uma vez que temos as lições históricas dos malefícios de uma guerra civil interna que assolou o nosso país durante décadas e percebemos melhor do que muitos, quanto o diálogo deve servir de meio de resolução de conflitos e querelas políticas.

O prolongar do conflito no Leste da RDC é uma situação verdadeiramente preocupante, não só para os congoleses, mas, em especial, para os países limítrofes, uma vez que esse foco de instabilidade é um factor de risco interno.

Basta pensarmos nos últimos incidentes nas províncias das Lundas, para além do movimento dos refugiados assim como as epidemias que deflagram também naquela zona, com risco de alastramento para os países vizinhos, quase todos marcados por sistemas de saúde, de per si, frágeis e com dificuldades de lidarem com fenómenos epidémicos dessa natureza.

A guerra no Leste da RDC pode comprometer importantes projectos económicos como o Corredor do Lobito. E podemos ser mais uma vítima desse processo.

Apesar dos avanços que se registam nas zonas mais pacíficas da RDC, a verdade é que a administração Tshisekedi ainda não conseguiu fazer vingar o papel do Estado, que continua frágil e permissivo, uma vez que se assiste à pilhagem desenfreada dos seus recursos para sustentar Estados e multinacionais, sobretudo do ramo tecnológico.

A guerra do Congo é alimentada pela corrida aos seus recursos minerais para sustentar a economia e os negócios de determinadas indústrias que extraem recursos quase ao desbarato. Por outro lado, confirma a fragilidade do esquema de segurança, sobretudo das Forças Armadas Congolesas, para fazer face aos grupos armados que se mostravam cada vez melhor equipados, não obstante os embargos.

Na passada semana, durante a visita do Presidente do Madagáscar, João Lourenço referiu-se publicamente ao assunto na expectativa de que o cessar-fogo venha a dar lugar a um acordo de paz definitivo, que permita criar um quadro de verdadeira estabilidade na região, acabando com a desconfiança que faz descarrilar os processos e criam o cenário de retoma dos focos do conflito.

Espera-se, agora que, no terreno, haja desdobramento da comunidade internacional para continuar a trabalhar com as partes no sentido de assegurarem o cumprimento do cessar-fogo enquanto se criam as bases para um novo diálogo e cumprimento dos acordos de paz.

Esse papel deve continuar a ser desempenhado por Luanda. Mas, é importante que haja um envolvimento mais expressivo da União Africana, em particular de países como Uganda, Congo e quiçá a África do Sul e a Tanzânia, uma vez que o Quénia, desde a mudança de Presidente, perdeu o papel que vinha assumindo anteriormente.

A situação continua, por isso, a suscitar vivo interesse por parte da comunidade internacional visto que a situação na RDC, pode-se dizer, vem de longa data, ou seja, desde a deposição de Lumumba por Mobutu sob conivência dos Estados Unidos da América e da Bélgica. A história continua, por isso, a pesar sob o Congo e o país continua a não ver-se livre do mantra da instabilidade desde que atingiu a Independência.

Uma década depois é muito interessante revisitar o livro "Angola autor importante do Peacekeeping e Peacemaking em África”, do Embaixador Luvualu de Carvalho, para percebermos o quanto o nosso país, a nossa diplomacia em particular e a liderança têm vindo a desempenhar esse papel ao nível do continente africano, no que se torna uma tradição que remonta ao tempo de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos.

Angola teve de desatar o nó e deixar de ser "órfão da guerra fria”, num processo em que foi determinante a acção interna, mas fundamental a todo o trabalho diplomático para vendermo-nos ao mundo de modo diferente.

É, pois, esse legado e experiência que leva à RDC na perspectiva de que a paz no Congo é absolutamente importante para o resto do continente, permitindo avançar a agenda de desenvolvimento e de integração regional. 

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Opinião