Entrevista

Instituto Regulador de Electricidade e Água aposta na expansão de serviços

Alberto Quiluta

Jornalista

A construção de redes de distribuição está entre as principais metas para os próximos anos, anunciou, em entrevista ao Jornal de Angola, o presidente do Conselho de Administração da IRSEA, Luís Mourão Garcês da Silva, para quem a acção é fundamental no fornecimento de energia e água em zonas peri-urbanas e rurais.

22/02/2023  Última atualização 08H51
Luís da Silva, presidente do Conselho de Administração do IRSEA © Fotografia por: Agostinho Narciso | Edições Novembro

Actualmente, segundo o entrevistado, o IRSEA criou um programa de expansão de serviços até as sedes de todos os municípios do país, através da gestão de pequenos sistemas isolados de distribuição  

 

Que avaliação faz do actual sistema de distribuição de energia eléctrica do país?

Hoje, podemos afirmar, com segurança, que se encontra no bom caminho para a satisfação das necessidades da população, com destaque no campo da geração de energia, cuja capacidade instalada no Sistema Norte oferece condições para corresponder à demanda. Outro ganho deste serviço é a interligação dos sistemas que permite a distribuição de energia eléctrica de forma eficiente para as províncias do Zaire, Bengo, Malanje, Cuanza-Norte, Cuanza-Sul, Uíge, Benguela, Huambo, Bié e Luanda.

 

Qual a prioridade?

A prioridade nesta área é a interligação eficaz dos sistemas Centro, Sul e Norte ao Leste, para facilitar o escoamento da produção concentrada do sistema Norte proveniente, colhido das grandes centrais hidroeléctricas do médio Kwanza e as centrais Fotovoltaicas, em operação no município da Baía Farta e Biópio.

 

Com os sistemas actuais em funcionamento, já temos uma distribuição condigna?

Apesar dos ganhos, continuamos com algum défice no segmento da distribuição, que se reflecte na taxa de electrificação, hoje em cerca de 43 por cento, que representa mais de 50 por cento da população angolana sem acesso à energia eléctrica, em especial os residentes nas zonas peri-urbanas e rurais situação a ser resolvida com a expansão e a construção de novas redes de distribuição, com base no Programa de Expansão do Acesso à energia eléctrica, com o qual vai ser possível levar a distribuição de energia eléctrica até à sede dos municípios, por meio da gestão de pequenos sistemas de distribuição isolados.

 

Quando fica pronto o processo  ?

No domínio da garantia de fornecimento de energia eléctrica à população, o objectivo é atingir, até 2025, uma taxa de electrificação de 60 por cento, o que consideramos possível, tendo em atenção os projectos estruturantes em carteira e em execução.

 

Como tem feito o IRSEA a regulação do sector?

A acção reguladora enquadra-se nos padrões das competências e atribuições da entidade, agrupando-se em quatro pilares, nomeadamente o normativo, com a função de preparar e elaborar regulamentos, assim como normas e instrutivos, e o de fiscalizador, que verifica o cumprimento das Leis, regulamentos e normas. Há outros lados, um sancionatório, ligado à aplicação de sanções e penalizações, e um de arbitragem, para mediação e resolução de conflitos entre os agentes ou actores intervenientes nas actividades do Sector de Energia e Águas.

 

Há uma linha de actuação específica?

Em termos de linhas de orientação, o Regulador orienta-se para garantir e assegurar a protecção dos interesses do consumidor em relação a preços/tarifas, serviços e qualidade do fornecimento de electricidade e do abastecimento de água que se consubstancia no estabelecimento de procedimentos e metodologias, o que tem sido realizado com a elaboração de regulamentos, normas e instrutivos e na intervenção para resolução de situações não regulares na prestação de serviços que possam lesar os consumidores.

 

Quais têm sido as principais dificuldades no domínio da energia?

No domínio da Energia, mais especificamente no sector de electricidade, temos inúmeras dificuldades que se consubstanciam no não cumprimento, ou cumprimento parcial, das metas que são estabelecidas com base nos Planos de Acção do Sector ou das estratégias definidas como fundamentais para o funcionamento eficiente do sector e concorram para o abastecimento de energia a toda a população, bem como na prestação de um serviço de qualidade, dificuldades estas que grande parte delas têm a ver com o próprio contexto económico que acaba por impactar negativamente à sustentabilidade económica/financeira das empresas do sector e da capacitação dos quadros e técnicos angolanos.

 

Qual ponto mais problemático no domínio da energia?

Atrevo-me a especificar uma grande dificuldade, que pode não ser para alguns. É a problemática da ineficiência do processo de medição, facturação e cobrança de energia eléctrica, que começa com a não instalação e operacionalidade de medidores em mais de 60 por cento dos clientes registados pela Empresa Distribuidora, por falta de investimento ou financiamento. A falta de medidores acaba por impactar à elevadas perdas técnicas e comerciais avaliadas num total de 40 por cento na cadeia de valores dos segmentos, desde a produção à distribuição e à comercialização.

 

A aposta na energia fotovoltaica é uma garantia estável para o país?

Sem ironia, podemos dizer que somos abençoados pela natureza, pois conseguimos obter um aproveitamento em média de sete a oito horas por dia, em toda a extensão territorial do país, o que é excelente para a geração de energia eléctrica. Não nos pudemos esquecer do potencial hidroeléctrico que é também uma fonte renovável e se completa com a utilização das fontes solares. Por isso é uma aposta estável já instalada e em operação no país.

 

Quais outros projectos para  cobrir o país todo?

Estão em construção outros parques solares dispersos pelas regiões Norte, Centro, Sul e Leste do País, com destaque na electrificação de 125 localidades dispersas nas regiões do Sul e Leste, algumas beneficiadas com a instalação de baterias para o armazenamento e entrega de energia eléctrica durante o período nocturno.

 

Que regiões são abrangidas por este serviço?

Não queria deixar de referir que no quadro das concessões com investimento privado foram outorgadas duas concessões para a construção e operação de Centrais Solares, nas localidades do Caraculo, no Namibe, e Quilemba, na Huíla, com capacidades de 50 e 80 MWp, com grande impacto na redução de combustível das fontes térmicas em utilização nestas duas províncias. Além dessas, encontram-se em carteira e em fase de negociação outros investimentos para construção e operação de Centrais Solares, a incidir na região Sul do país.

 

Quais são os próximos passos neste sector?

No quadro dos projectos estruturantes é fundamental a interligação dos sistemas de modo a permitir que a capacidade a instalar de fonte solar possa ser injectada na rede nacional para melhor aproveitamento das potências instaladas dispersas pelo País.

 

Quanto às energias renováveis, quais outras podem ser aplicadas no país?

Além da fonte Solar, que já é uma realidade no país, pudemos também contar com as mini-hídricas em determinadas localidades. Uma delas são as fontes eólicas, um recurso favorável na zona Sul do país, mas concretamente no Namibe.

 

Quais os passos já dados para a implementação?

Uma delas é o investimento privado. O país está aberto à entrada de empresários privados no sector das actividades de produção, distribuição e comercialização de energia eléctrica, por isso, foram feitos alguns estudos para a determinação da utilização deste tipo de tecnologias no país, bem como em relação às previsões da capacidade a instalar para definição do volume de investimento a realizar, como forma de divulgar às potencialidades que tem despertado interesse à comunidade empresarial nacional e internacional.

 

Que avaliação se pode fazer do Sector das Águas?

Nos últimos anos, o Sector das Águas tem vindo a crescer, assumindo-se em termos de políticas e planos estratégicos, com inúmeros compromissos importantes, para garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento básico para todos, com base no sexto objectivo da Agenda 2030 das Nações Unidas de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Actualmente, a nível do sector, Angola dispõe de um enquadramento institucional próprio tanto a nível da administração directa, indirecta e periférica do Estado, destacando-se a criação de 18 empresas públicas de água e saneamento, uma em cada província.

 

Como actuam essas empresas e que avaliação faz de alguma delas?

Como ponto crítico do sector destaca-se a evolução da situação financeira das Entidades Gestoras, que é bastante desigual. Algumas operam com limitações sérias em termos de recursos financeiros para despesas correntes, enquanto outras tendem a apresentar, esporadicamente, excedentes operacionais marginais. No entanto, de forma geral, é preciso evidenciar a necessidade de investimentos estruturantes relacionados, por exemplo, com a necessidade da expansão e reabilitação das redes de distribuição, assim como a adequação do capital humano existente.

 

Com estas empresas, o serviço prestado à população é de qualidade?

A maioria das Entidades Gestoras apenas disponibiliza os serviços de água e saneamento a nível dos municípios centrais, nas respectivas províncias, de forma que uma parte considerável da população dos outros municípios não têm acesso a estes mesmos serviços com qualidade. Vale recordar que as Entidades Gestoras têm um estatuto de empresas públicas provinciais, de forma que é obrigação pública levar estes mesmos serviços a todos os habitantes. Sabe-se, no entanto, que este nível de abrangência só é alcançado com robustos investimentos em infra-estruturas e capital humano.

 

Sendo empresas públicas, qual é o papel do Estado?

Há, ainda, hoje uma ligeira dependência das Entidades Gestoras a subvenções do Estado, via órgão central ou locais. Mas, pretende-se eliminar esta prática com a implementação de uma política tarifária eficiente e realista, de forma a assegurar que as Entidades Gestoras sejam sustentáveis e economicamente viáveis.

 

Qual é o próximo passo para materializar este objectivo?

Antes de tudo, urge adequar as tarifas praticadas de forma a reflectir as reais necessidades de investimentos e manutenção em cada Entidade Gestora, bem como a definição de uma política clara do Estado para a protecção dos agregados familiares mais vulneráveis. Neste contexto, o papel do Regulador é essencial, tendo em consideração, a competência na aprovação das tarifas e receita anual requerida para os serviços de abastecimento de água e saneamento de águas residuais para, assim, garantir a protecção dos consumidores em relação a preços, serviços e qualidade do fornecimento. É uma forma de garantir o equilíbrio económico-financeiro das Entidades Gestoras, no âmbito de uma gestão adequada e eficiente.

 

A gestão do IRSEA inclui as águas residuais?

Em termos estatutários é também uma das atribuições do Instituto Regulador. É uma das actividades exercidas ainda de forma ténue, mas que se espera alavancar com o recurso à assistência especializada ao IRSEA, elencando o desenvolvimento de facto da actividade pelas Entidades Gestoras de Água.

 

A distribuição e o controlo da qualidade das águas ainda é um problema. Como tem agido o órgão regulador para inverter este quadro?

Não estaríamos a ser sinceros se afirmássemos que não há problemas na distribuição e no controlo da qualidade da água, pois eles existem. É atribuição da Entidade Reguladora desenvolver acções que visem contribuir para a melhoria da capacitação técnica das entidades gestoras, no sentido de gradualmente colmatar as dificuldades, utilizando os meios que se revelem adequados à garantia do interesse público e da legalidade. A acção da instituição incide, sobretudo, no estabelecimento de regulamentos e recomendações com o objectivo de definir regras e critérios, que têm de ser observadas pelas Entidades Gestoras e pelos indicadores de desempenho a serem seguidos de forma a podermos fiscalizar o controlo da qualidade da água e do serviço prestado.

 

Quais as políticas imediatas para alavancar este domínio?

Desde a aprovação, em 2002, da Lei de Águas, foram elaborados um conjunto de Programas e Planos de Acção Estratégico do Sector com indicação das políticas, metas e acções a desenvolver, visando à operacionalização do sector com o foco na realização de investimentos de curto e médio prazos para se mitigar a incipiente cobertura das redes existentes.

 

Quais programas já estão em carteira?

Dos programas gizados, destaca-se a construção de novas captações e a reabilitação e expansão das redes de abastecimento e de pontos de água com abrangência em todas as províncias do país, definindo-se no último Plano de Acção do Sector 2018-2022. O objectivo é aumentar a cobertura actual do serviço nas áreas rurais e urbana, com taxas acima dos 80 por cento. É uma meta que podemos alcançar com investimento preconizado, o que tem ocorrido com a operacionalidade das empresas criadas e com o apoio de instituições internacionais em programas de assistência técnica.

 

Qual é o actual estado da instituição?

Como Instituição da Administração Indirecta do Estado, somos um Instituto Público que se rege pela legislação da Administração Pública que pela especificidade da actividade reguladora esta dependência administrativa acaba por não ser salutar ao desenvolvimento estável e equilibrado na actuação com o foco principal na regulação económica e legal. Actualmente, com a aprovação da Lei de Bases das Entidades administrativas Independentes, está a ser preparado o processo de transformação do IRSEA em entidade Independente, deixando de ter a natureza de instituto público, o que permitirá assegurar a funcionalidade dos serviços com rigor técnico e profissional, assim como a neutralidade e a isenção da actividade administrativa.

 

A mudança é fundamental?

Não é demais referir que pelas limitações impostas pela legislação da administração pública que vai desde o recrutamento ou admissão de especialistas, estrutura organizacional e remuneração dos quadros impactam com relevância no desenvolvimento das actividades, tornando a actuação bastante limitada, por isso, precisamos desta mudança de paradigma para agirmos no âmbito da especialidade como regulador de carácter distinto.

 

A entidade

 

Quais as principais necessidades da instituição?

As necessidades são muitas, desde instalações ao quadro de pessoal e condições técnicas de trabalho, quer em equipamentos quer remuneratórias, pois a exiguidade de recursos e como Instituto Público, a execução dos programas de trabalho são sempre as mínimas, visando uma actuação digna e o asseguramento da realização das actividades sem constrangimentos. O grande problema está no recrutamento de pessoal qualificado, capaz de abraçar a carreira neste ramo, um domínio específico que não se encontra na formação académica de base.

 

Em termos de orçamentos de trabalho, têm recebido algum?

Como instituto Público, o IRSEA beneficia do apoio do Orçamento do Estado, por um lado, e, pelo outro, compõe o seu Orçamento Geral com o recurso as receitas próprias, provenientes do Custo da Função Reguladora, ou seja, das Empresas de Electricidade e de Água, com base nas taxas reflectidas nas tarifas. Além disso, pela via do Recurso Ordinário do Tesouro, mensalmente, são atribuídas quotas em função do Orçamento aprovado, mas com algumas restrições.

 

Em que províncias têm representações?

Actualmente, encontramo-nos somente em Luanda, mas, com abertura do apoio de uma instituição internacional vão ser dados os primeiros passos para garantir a abertura de quatro representações regionais, sendo a primeira na província da Huíla, ainda este ano, para assegurar a sede da região sul.

 

Que avaliação faz dos quadros do sector?

Em termos de quadros, mas propriamente dito capital humano, o sector de Energia e Águas não está mal servido, consegue fazer a simbiose do velho e novo e, do meu ponto de vista temos estado a receber muita Juventude de nível médio e superior com potencial e interesse em desenvolver-se na área. Temos quadros com preparação adequada porque a experiência dos mais velhos tem estado a ser passada, sem sobressaltos, e tem-se apostado na capacitação técnica.

 

Quais os planos para os próximos anos?

Em termos de grande plano para alavancar o IRSEA encontramo-nos focado na transformação deste órgão em Entidade Administrativa Independente, o que vai permitir reformular a estrutura organizacional da instituição para adequa-lá a um verdadeiro regulador, com espaço de poder reunir especialistas para os desafios que se impõem na regulamentação, informação e capacitação dos regulados, através de uma melhor organização.

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