Entrevista

Iniciativa presidencial contra a malária desembolsa a Angola USD 360 milhões

Santos Vilola

Jornalista

No Dia Mundial de Combate à Malária, que se assinala hoje, o maior doador singular das acções de combate à malária em Angola contabiliza que, desde 2006, disponibilizou 360 milhões de dólares. Os Estados Unidos incluíram Angola na Iniciativa do Presidente dos EUA contra a Malária (PMI, na sigla inglesa), instituída em 2005, que, em 27 países do mundo, já ajudou a salvar mais de sete milhões de vidas e preveniu mais de mil milhões casos de malária. Angola, em cada ano, recebe 18 a 22 milhões de dólares para apoiar os esforços de combate à malária, segundo a Dr.ª Sarah Labuda, pediatra e especialista em Doenças Infecciosas, actualmente a servir como conselheira residente do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças para a Iniciativa do Presidente dos EUA contra a Malária em Luanda. O Dia Mundial de Combate à Malária foi instituído pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2007, com a finalidade de reconhecer o esforço global para o controlo efectivo da Malária

25/04/2021  Última atualização 08H20
Dr.ª Sarah Labuda, pediatra e especialista em Doenças Infecciosas © Fotografia por: Contreiras Pipa | Edições Novembro
Foi durante a Administração de George W. Bush que foi criada, em 2005, a Iniciativa do Presidente dos EUA contra a Malária (President Malaria Iniciative – PMI, na sigla inglesa), que visa reduzir a morte por malária em 50 por cento, alcançado 85 por cento da população mais vulnerável no mundo, entre as quais crianças abaixo dos cinco anos e mulheres grávidas. O quê é o PMI e quais os seus objectivos?
O PMI é uma iniciativa criada em 2005 pelo Presidente George W. Bush com objectivos ambiciosos de reduzir o número de mortes por malária até 50 por cento em países seleccionados, para atingir 85 por cento da população mais vulnerável – crianças abaixo dos cinco anos e mulheres grávidas – com base nas medidas de prevenção e tratamento. Angola foi um dos primeiros três países no mundo a receber financiamentos do PMI para a prevenção da malária e actividades de controlo há 15 anos. Desde 2006, esta iniciativa, aqui em Angola, foi dirigido pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), em parceria com os Centros para o Controlo de Doenças (CDC, na sigla inglesa). Ambas instituições são agências governamentais norte-americanas apoiadas por fundos dos contribuintes americanos. Em Angola, o PMI trabalha em parceria com o Programa Nacional de Controlo da Malária para fortalecer os esforços de prevenção e controlo da malária durante 15 anos. Tudo isso porque a malária é endémica no país, com 100 por cento da população de cerca de 32 milhões de pessoas em risco, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), de 2020. Vemos no Dia Mundial de Combate à Malária a oportunidade para destacar o nosso trabalho de apoio ao Programa Nacional de Controlo da Malária em Angola.


Quando é que se juntou à essa iniciativa e como foi escolhida?
Juntei-me à essa iniciativa em Maio de 2019 depois de adquirir experiência em Saúde Pública Global e por ser médica especializada em Doenças Infecciosas Pediátricas. Concorri a este lugar porque a minha paixão é dedicar a minha carreira a servir o povo. Já trabalhei em Angola antes, em Cabinda, entre 2012 e 2013, num programa para ajudar crianças com anemia falciforme. A oportunidade para regressar a Angola para continuar a apoiar o povo foi estimulante para mim.


Desde o lançamento do PMI o quê mudou no apoio que os EUA dão a Angola no combate à malária?

Desde 2006, o Governo dos Estados Unidos, através do PMI, contribuiu com mais de 360 milhões de dólares na luta contra a malária em Angola. Os apoios da PMI consistem no acesso gratuito a medicamentos anti-malária, mosquiteiros impregnados (tratados com insecticida) e capacidade técnica para a formação de profissionais de saúde, para garantir um tratamento de qualidade e em tempo oportuno a pessoas diagnosticadas com malária, assim como a prevenção da malária a mulheres grávidas e crianças abaixo dos cinco anos. Em conjunto, e em coordenação com o Governo de Angola, estamos a fazer a diferença, trabalhando duro para salvaguardar a saúde dos angolanos, especialmente das crianças. Mas não podemos fazer isso sozinhos. Deixa-me acrescentar que, juntos com os seus parceiros em 27 países onde trabalhamos, a PMI ajudou a salvar mais de sete milhões de vidas e preveniu mais de mil milhões de casos de malária desde 2000. Hoje, mais angolanos têm acesso a mosquiteiros impregnados, testagem e tratamento oportuno e de qualidade contra a malária. Os ganhos têm sido o resultado da colaboração e acções directas e investimentos do Governo angolano, das comunidades, doadores e parceiros nacionais e internacionais.


Qual a percepção que um Presidente dos Estados Unidos tem do impacto da malária em África, particularmente em Angola?

O Presidente Joe Biden indicou directamente o Dr. Rajesh Panjabi como coordenador-geral das acções contra a malária para o PMI, por ter uma vasta experiência em Saúde Global, especialmente em África, com programas para trabalhadores da Saúde nas comunidades, tal como acontece em Angola. O Dr. Panjabi é liberiano e foi refugiado nos Estados Unidos. Agora tem a missão de acabar com a malária em África.


Como, e com que frequência, é que o Presidente dos EUA é informado sobre as consequências desta doença nas famílias?

Há um relatório PMI anual enviado ao Congresso norte-americano com a finalidade de informar ao mais alto nível do Governo dos Estados Unidos sobre a implementação de programas contra a malária em 27 países. 


A embaixadora dos EUA em Angola, Nina Maria Fite, anunciou, no ano passado, que foram disponibilizados 20 milhões de dólares para apoiar acções contra a malária. Há mais ajuda financeira prevista para os próximos anos?

Sim, a cada ano há cerca de 18 a 22 milhões de dólares para apoiar os esforços do Governo de Angola para combater a malária, dependendo do montante disponibilizado pelo Congresso dos Estados Unidos.

 
Que critérios os Estados Unidos definem para a aplicação destes financiamentos?
A equipa da PMI em Angola monitora de perto toda a implementação dos fundos para garantir que são todos aplicados para optimizar os resultados e assegurar que todos os fundos são gastos de acordo com as exigências do Governo americano.


O investimento no combate à malária em Angola é feito concretamente em que áreas?

A PMI centra-se em três medidas de prevenção e tratamento da malária em Angola: distribuição de mosquiteiros impregnados, diagnóstico preciso e tratamento eficaz com recurso a terapias combinadas à base de artemísia e tratamento intermitente preventivo a mulheres grávidas. Só no ano passado, a PMI distribuiu mais de um milhão de mosquiteiros impregnados; 25 milhões de doses de medicamentos anti-malária e mais de 2.200 profissionais de Saúde foram formados sobre Diagnóstico e Tratamento da malária em Angola. Os números registam 14.5 milhões de mosquiteiros adquiridos e distribuídos desde 2007; 26.1 milhões de pessoas protegidas contra a malária; 23.9 milhões de testes de diagnósticos rápidos adquiridos; 5.8 milhões de pessoas protegidas por pulverização residual interna (casas); 34.3 milhões de medicamentos anti-malária; e 64.000 de profissionais de Saúde formados em matéria de Diagnóstico e Tratamento da malária.  


Com que parceiros preferenciais os Estados Unidos se associam para a implementação de programas de combate à malária em Angola?  

O Governo dos Estados Unidos, através da USAID, tem um longo historial de desenvolvimento de parcerias público-privadas em Angola. Desde 2006, a ExxonMobil, por via da sua fundação, tem sido um dos parceiros de maior confiança no intercâmbio USAID/Governo de Angola. Ao abrigo do Memorando de Entendimento assinado entre a USAID e o Governo de Angola, a ExxonMobil forneceu firmemente mais de 6.5 milhões de dólares para apoiar a redução de casos de malária e o decréscimo da morbilidade relacionada com a malária. Actualmente, a ExxonMobil continua a assistir a USAID a mitigar os efeitos do HIV e direccionados a questões de saúde com ele relacionado. Mais recentemente, a USAID também assinou um Memorando de Entendimento com a UNITEL para disponibilizar saldos (recargas telefónicas) para transmitir informações sobre Saúde, Educação e Comunicações dos clientes da rede de telefonia móvel. Em 2020, a USAID lançou a plataforma de ensino e aprendizado electrónico Kassai, em parceria com o Programa Nacional de Controlo da Malária. Graças à UNITEL, enquanto um parceiro-chave que disponibiliza o acesso gratuito à Internet, os trabalhadores do sector público da Saúde descarregam matérias para os seus dispositivos. A UNITEL, a maior empresa de telecomunicações em Angola, está a dar o seu apoio na luta contra a malária. No apoio à plataforma electrónica Kassai, a UNITEL permite consultas a custo zero, para que enfermeiras e médicos em todo o país possam ter acesso gratuito ao Kassai sem necessidade de planos de dados para a Internet.

   
Quê dados que dispõe sobre os casos de malária em Angola?
Os dados preliminares de 2020 indicam 11.600 mortes e 7.8 milhões de casos em Angola devido à malária.


Com a Administração Biden pode Angola contar com mais apoios financeiros e técnico para combater a malária?

Desde 2006, Angola tem recebido consistentemente apoio financeiro e técnico para a luta contra a malária e os Estados Unidos mantêm-se como um parceiro comprometido singular nesta luta no futuro.


"A Covid 19 coloca um fardo extra nos sistemas de saúde de todo o mundo”
Estamos em plena pandemia da Covid 19. Qual é o papel da USAID nesta fase?
Os Estados Unidos, através da USAID, estão a acelerar o acesso global a vacinas seguras e eficazes contra a Covid 19 através da nossa contribuição histórica de quatro mil milhões de dólares à GAVI, a aliança de vacinas. Esta contribuição garante a aquisição e distribuição de vacinas a Países de Baixa e Média Renda, através da GAVI COVAX Advance Market Commitment, da qual Angola é também beneficiária. Os Estados Unidos são o maior doador para a COVAX, a iniciativa global de acesso à vacina da Covid 19. Até aqui, o nosso apoio representa quase metade do compromisso para com a COVAX Advance Market Commitment, que estabelece exigências e financiamentos para Países de Renda Baixa e Média no acesso a vacinas da Covid 19. 


Quê consequência tem a Covid 19 nos esforços de combate à malária em Angola?

A pandemia da Covid 19 coloca um fardo extra nos sistemas de saúde de todo o mundo, especialmente em países com sistemas de Saúde frágeis. Muitos países, particularmente na África subsariana, que conta com mais de 90 por cento de casos globais de malária e mortes, estão a enfrentar um desafio na protecção dos seus cidadãos contra ameaças reais à Saúde Pública, como a malária e doenças emergentes, como a Covid 19. O confinamento interrompeu cadeias de abastecimento, tornou-as logisticamente mais difíceis para a execução de programas de prevenção e tratamento da população afectada pela malária, especialmente em áreas recônditas.


Qual é a relação que a pandemia da Covid 19 pode ter com outras doenças endémicas?
Um novo relatório do Fundo Global de Luta contra a SIDA, Tuberculose e Malária mostra que a Covid 19 interrompeu, de forma massiva, sistemas de Saúde e serviços de assistência ao HIV, Tuberculose e Malária nos Países de Baixa e Média Renda em África e Ásia, em 2020. Os dados recolhidos mostram que, de Abril a Setembro do ano passado, comparado ao mesmo período de seis meses em 2019, os testes de HIV caíram 41 por cento; as referências sobre a Tuberculose – em que pacientes suspeitas de ter Tuberculose que passaram para o estágio de diagnóstico e tratamento – caíram para 59 por cento; os diagnósticos da malária caíram 31 por cento; as visitas aos cuidados pré-natais caíram 43 por cento; apenas 45 por cento dos trabalhadores das unidades de Saúde tiveram acesso a materiais essenciais de protecção contra a Covid 19, incluindo máscaras, desinfectantes e luvas; e, pelos 24 países em África que foram apoiados, apenas 11 por cento das unidades sanitárias podiam fazer testes rápidos à Covid 19. Entretanto, o relatório mostra que países que adoptaram medidas adicionais para avaliar o impacto da Covid 19 nos serviços de Saúde se deram melhor do que aqueles que não o fizeram.    
 

Sente que, por causa da Covid 19, as acções contra a malária sejam relegadas para segundo plano?

Não. Não propriamente! O Programa Nacional de Controlo da Malária, muito antes, em Abril do ano passado, desenvolveu um plano de contingência para mitigar os efeitos da pandemia sobre as actividades de controlo da malária, com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS), Fundo Global, USAID/PMI e seus parceiros. Há parceiros que abrandaram as suas actividades e adaptaram as suas estratégias. A aquisição de medicamentos e de mosquiteiro impregnados foram acelerados, para evitar interrupções e antecipar atrasos internacionais.


Como infectologista, como é que analisa os dados sobre a Covid 19 em Angola?

O Governo de Angola divulga diariamente actualizações com todas as informações importantes, onde podemos encontrar tendências sobre novos casos, mortes e a percentagem de testes positivos. Esses números são todos importantes para os epidemiologistas que usam estes dados para definir o problema por pessoa, lugar e tempo. Por exemplo, com a Covid 19 olhamos para quantas pessoas são diagnosticadas em cada semana – incluindo factores de risco como "onde as pessoas trabalham ou quê problemas de saúde elas têm”, "onde estão as pessoas –; factores de risco como "quê províncias onde estão e para onde elas devem ter viajado”. Olhamos para estes factores o tempo todo, para ver como eles mudam para se adaptarem ao nosso conhecimento. Os epidemiologistas usam, então, essa informação para fazer recomendações àqueles que definem políticas para ajudar a prevenir mais infecções, doenças e mortes.


E em relação a outras doenças como o HIV e Tuberculose quê medidas são adoptadas?

Os mesmos princípios aplicados a qualquer processo de doença ou problema de saúde pública! Os Estados Unidos apoiam o diagnóstico e tratamento do HIV e da Tuberculose através de outro programa denominado Plano de Emergência do Presidente dos EUA para o Alívio da SIDA, que garante assistência técnica às províncias de Benguela, Lunda Sul, Cunene e do Huambo. Este programa centra a sua acção em mulheres grávidas, suas crianças e seus parceiros sexuais. Este plano apoia os esforços do Governo de Angola na identificação de mais de 80 por cento de mulheres grávidas a viver com o HIV, incluí-las em tratamentos anti-retrovirais para prevenir a transmissão às suas crianças e garantir a testagem e tratamento para as suas famílias e parceiros, como parte da iniciativa da Primeira-Dama Ana Dias Lourenço "Nascer Livre para Brilhar”. No ano passado, o nosso orçamento do Plano de Emergência do Presidente dos EUA para o Alívio da SIDA foi de 16 milhões de dólares.     


Quê apoios os EUA dão a Angola na luta contra a pandemia da Covid 19?

O Governo dos Estado Unidos disponibilizou mais de cinco milhões de dólares em apoios para respostas de emergência do Governo de Angola à Covid 19. Através das Nações Unidas, conseguimos materiais (kits de testes rápidos, reagentes para laboratório, equipamentos laboratoriais, materiais de bio-segurança e equipamento de protecção pessoal) para assistir o Governo de Angola durante a fase inicial da resposta à Covid 19. Esta acção foi acompanhada da formação, através das Nações Unidas, de mais de 3.000 profissionais de Saúde em diagnósticos rápidos, armazenamento de amostras de laboratório, assim como mais de 300 técnicos de laboratório formados sobre a gestão e interpretação de casos. Para ajudar o controlo local, também apoiamos a instalação de vigilância comunitária e sistema de resposta rápida. Nos últimos estágios da pandemia, vimos o nosso papel reforçado, não apenas como doador, mas também como um líder, coordenando esforços dentro da comunidade internacional, para assegurar que o Governo de Angola esteja a receber apoios adequados. Isso inclui conduzir uma quantificação conjunta entre o Ministério da Saúde, Nações Unidas e a USAID que resulte em mais resposta organizada da comunidade internacional.


Pode enumerar acções recentes com apoio dos Estados Unidos à Covid 19?
Mais recentemente, no mês passado, a embaixadora dos Estados Unidos em Angola, Nina Maria Fite, entregou um hospital de campo para o tratamento de pacientes com Covid 19 ao Governo de Angola, no município do Soyo (Zaire). É um hospital de campanha doado pelo Comando das Forças Armadas dos Estados Unidos para África (AFRICOM) e que foi instalado na unidade adjacente ao Hospital Municipal do Soyo. Com capacidade de internamento para 40 pacientes, este hospital de campanha vai disponibilizar uma capacidade singular para tratar pacientes com Covid 19 e outras doenças infecciosas, completando, deste modo, os esforços de todas as agências dos Estados Unidos na luta contra a Covid 19 pelo mundo.


Perfil  Profissional
Dr.ª Sarah Labuda
Pediatra e especialista em Doenças Infecciosas, está actualmente a servir como conselheira residente do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) para a Iniciativa do Presidente dos EUA contra a Malária em Luanda.

Completou os seus estudos universitários (médicos) na Texas A&M University, o mestrado em Saúde Pública na Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg, em Pediatria, na Universidade de Arkansas para Ciências Médicas/Hospital Infantil de Arkansas e teve uma bolsa de estudos em Doenças Infecciosas Pediátricas em Tulane, no quadro do Programa Conjunto da Escola de Medicina da Universidade/Louisiana State University/Ochsner Medical Center.


Trabalhou como pediatra geral no Texas, Oklahoma, e Louisiana, bem como especialista em Saúde Global no Corpo Global de Saúde (Global Health Corp), na Iniciativa Pediátrica Internacional Baylor de Combate à SIDA em pacientes com anemia falciforme, em Cabinda.  

Também actuou como oficial do Serviço de Inteligência Epidémica com o CDC
designada pelo Departamento de Saúde do Arkansas, onde liderou investigações sobre surtos, analisou dados e comunicou mensagens sobre Saúde Pública no Estado de Arkansas. Desenvolve estudos específicos em Saúde Pública Global e em Medicina Tropical.

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