Cultura

Impacto do poder tradicional abordado no espectáculo “Panela de Koka Mbala”

Manuel Albano |

Jornalista

O grupo Experimental de Teatro volta a exibir hoje, pela terceira vez, este ano, em duas sessões, uma às 18h00 e outra às 21h00, no auditório da escola Njinga Mbande, em Luanda, o espectáculo dramático “Panela de Koka Mbala”, que destaca o papel da mulher na tomada de decisão do reino.

23/09/2023  Última atualização 13H14
Espectáculo de teatro que se estreou há mais de quatro décadas é exibido esta noite em Luanda, pela terceira vez, neste ano © Fotografia por: DR
Produzido e patrocinado pela direcção da Companhia de Arte Horizonte Njinga Mbande, o espectáculo realça os rituais e tradições dos povos angolanos, em que os actores procuram fazer uma reconstrução de memórias e recordações do tempo, quatro décadas depois da primeira aparição, em 1981 inserido no projecto "Teatro Elite”.

A peça, escrita pelo dramaturgo congolês Guy Menga, reflecte as vivências do reino de "Koka Mbala”, liderada pelo rei "Binstamou”, quando recebe a queixa de um jovem acusado de abusar a mulher do conselheiro e feiticeiro "Bobolo”.

Depois do rei defender o jovem acusado, os problemas da comunidade começaram a surgir, diante do cenário "Bobolo” ficou enraivecido e convocou uma reunião com os conselheiros do rei. Os conselheiros advertiram várias vezes o monarca para os perigos das suas decisões.

Durante a liderança de "Koka Mbala” passa a existir uma imposição dos "espíritos da panela”, que foram mortos injustamente e fazem apelos à justiça e à necessidade de uma revolução no reino, tendo em conta que as mortes que ocorriam eram maioritariamente de jovens.

O rei fez boas amizades, mas também muitos inimigos. Ao longo do reinado, procura criar um certo equilíbrio na governação. Entretanto, o seu posicionamento nunca foi bem visto pelos "notáveis”, os seus conselheiros. Diante de um cenário de divergências, os conselheiros alertam o rei para os perigos das suas decisões, consideradas "imaturas e irresponsáveis”.

Durante a liderança de Koka Mbala passa a existir uma imposição dos "espíritos da panela”, que foram mortos injustamente e fazem apelos à justiça e à necessidade de uma revolução no reino, tendo em conta que as mortes que ocorriam eram maioritariamente de jovens.

A peça de teatro navega sobre ancestralidade, filosofia, história, política, compaixão e a rivalidade que compõem a maioria das cenas, nas quais as vivências e "barreiras ideológicas”, são transportadas para o debate público.

O rei "Binstamou”, personagem interpretado pelo actor Salvador Freire dos Santos "Dr. Miley”, vê-se encurralado quando o seu trono é posto em causa pelos seus conselheiros directos que preparam um golpe para o afastar do reinado, mas teve firmeza nas decisões tomadas. No decorrer da peça, o rei consegue derrotar os seus adversários por causa dos conselhos da rainha e o apoio da juventude, por isso decidiu apostar mais nos jovens.

António Oliveira que fez o papel de "Bobolo”, o personagem que representava e defendia o cumprimento das leis e das tradições do reino de "Koka Mbala”, com um dos maiores feiticeiros, tem uma missão difícil, a de retirar o poder do rei, o que não foi uma tarefa fácil porque encontrou a resistência dos jovens da aldeia que agiram de uma forma correcta e ajudaram na decisão do rei, deixando desacreditar o "Bobolo” que queria disputar o trono com o rei.

Independentemente de ser o principal conselheiro, Bobolo torna-se numa figura de proa e tido como um dos grandes feiticeiros de Koka Mbala. Ele conhece as leis e determina a conduta das comunidades. Por causa da "violação das leis ancestrais”, em que nenhum jovem antes de atingir a maioridade (18 anos) tem o direito de fazer parte do conselho, muito menos seduzir uma mulher, os conflitos agudizam-se. Os membros do conselho entram em divergência.

A importância dos conselheiros nas tomadas de decisões

O actor Maurício Tavira desempenha na peça o papel de um dos guardas do rei, personagem que volta a interpretar 42 anos depois. No espectáculo, o seu objectivo é proteger o reino de Koka Mbala.

O actor Luís Pimentel faz parte dos "notáveis e bailarinos”, que actuam como o "camaleão”, sem qualquer posicionamento certo, mudando de cor de acordo com o momento, para, claro, tirar vantagens pessoais. Por sua vez, o actor Álvaro Miguel (notável número um e conselheiro) apoia as ideias do conselheiro principal do rei. A missão dos notáveis é levar para o palácio do rei as preocupações do povo e as políticas que devem ser implementadas para a melhoria das condições de vida das populações.

António da Costa "Mandela” interpreta o personagem do notável número três, um dos conselheiros do rei cujo papel é defender as ideias do Bobolo, o conselheiro chefe do rei, que tem como objectivo a destituição do rei pelo facto de o mesmo não defender os costumes dos ancestrais, uma tradição antiga em Koka Mbala.

Figura incontornável das artes cénicas no país, com destaque para o teatro, Conceição Diamante, actriz do grupo Julu, associada à personagem "Catarina”, da telenovela de produção nacional "Reviravolta”, papel de maior relevância da sua carreira, no espectáculo de "Panela de Koka Mbala”, é secundário (conselheira).  Encena como uma rainha, mas que não tem o mesmo protagonismo que a mulher do rei de Koka Mbala.

O reconhecimento quatro décadas depois

Neste ano, os actores e agentes ligados ao movimento artístico e cultural, que ao longo dos últimos anos se destacaram em prol da preservação, valorização e divulgação do teatro, receberam diplomas de mérito, numa iniciativa do Governo da Província de Luanda (GPL), entregues pelo vice-governador de Luanda para a Área Política e Social, Manuel Gonçalves, inserido na oitava edição do Circuito Internacional de Teatro (CIT).

Entre os actores distinguidos com os diplomas de mérito, há a destacar o Grupo Experimental de Teatro, a organização do CIT, Adelino Caracol, António de Oliveira "Delón”, Armando Rosa, Cláudia Nobre, Beto Cassua e Walter Cristóvão.

Em declaração, ontem, ao Jornal de Angola, António de Oliveira "Delón”, mostrou-se feliz pelo reconhecimento do Estado, com o certificado de mérito enquanto um dos actores mais antigos no país.

Por outra, ressaltou, o grupo Experimental de Teatro, inserido no projecto "Teatro Elite”, da década de 1981, já foi merecedor de vários prémios e distinções internacionais, atribuídas pelo Comité Internacional do Teatro (CIT), Associação Internacional do Teatro (AIT) e pela a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

Em 1972, disse, trabalharam na adaptação de alguns textos literários nacionais e internacionais para o teatro, dos quais se destacam as obras  "Domingos Xavier”, de Luandino Vieira, e "A Corda”, de Pepetela, o que incentivou maior pesquisa sobre a dramaturgia angolana, na época com poucos registos.

Nesta fase, explicou, houve a necessidade de se fazer, também, uma pesquisa à dramaturgia africana com textos de autores nigerianos, camaroneses e congoleses, tendo prevalecido a última opção, por unanimidade, por ser uma realidade mais proxima a de Angola, o que deu a origem da peça "Panela de Koka Mbala”.

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