Política

Identidade dos beneficiários efectivos e dos activos virtuais preocupam PGR

Paulo Caculo

Jornalista

As dificuldades de identificação dos activos virtuais e dos beneficiários efectivos nas transacções financeiras preocupam a Procuradoria-Geral da República, revelou, terça-feira, em Luanda, o procurador-geral adjunto, Pedro Mendes, à margem do workshop sobre branqueamento de capitais e recuperação de activos, organizado pela PGR, Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos (MINJUSDH) e a Organização das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (ONUDC).

20/09/2023  Última atualização 07H05
Juízes e procuradores nacionais frequentam ciclo de formação de três dias ministrados por especilistas da Alemanha © Fotografia por: Dombéle Bernardo | Edições Novembro

Ao discursar na cerimónia de abertura do evento, que decorre até quinta-feira, em representação do procurador-geral da República, Hélder Pitta Gróz, o também procurador ressaltou a "importância fundamental” atribuída ao Projecto Pro-React, lançado pela PGR e o ONUDC, nos desafios de descoberta de soluções para o grave problema dos fluxos financeiros ilícitos, que disse ter sido agravado com o uso das tecnologias associadas aos activos virtuais.

Os activos virtuais e as moedas digitais, segundo Pedro Mendes, trouxeram muitos benefícios para a população, em virtude da sua descentralização e independência do usuário, mas também trouxeram malefícios, tendo esclarecido que com estes modelos de transacções financeiras surgiram "as várias maneiras de o crime organizado utilizá-las de forma indevida para fraudes financeiros, financiamentos ilícitos e branqueamento de capitais”.

Perante tal constatação, acrescentou o procurador-geral adjunto, tornou-se imprescindível a criação de algum tipo de fiscalização para o combate a este tipo de actos, destacando os fluxos financeiros ilícitos, muitas das vezes utilizados por Organizações Não-Governamentais (ONG).

"Daí a necessidade de regulamentação eficiente do modo de actuação destas, para permitir uma maior fiscalização e, com isto, prevenir o branqueamento de capitais”, esclareceu, sublinhando ainda, nesse aspecto, a necessidade de, para o efeito de recuperação de activos, a identificação do beneficiário efectivo.

Pedro Mendes disse ser fundamental que se conheça o "rosto” da pessoa ou pessoas singulares que detêm, em última instância, "uma participação no capital de uma pessoa colectiva ou controlam a pessoa singular em cujo nome a operação está a ser realizada”, para "prevenir ou impedir que a actividade criminosa prossiga”.

Formação

O procurador-geral adjunto justificou a formação de dois dias aos profissionais da classe à necessidade de se melhorar a acção de aplicação da Lei, tendo ressaltado o facto de o crime não ter fronteiras e a importância de o país contar com a cooperação de outras organizações internacionais.

"Esta formação não é a única. Têm sido realizadas várias outras formações do género, numa parceria entre a PGR e a Pro-React”, afirmou Pedro Mendes, para em seguida frisar que o fenómeno "branqueamento de capitais” existe "porque os agentes do crime visam, exactamente, branquear os capitais”, para evitar que sejam recuperados.

O que se pretende, esclareceu, é coarctar os proventos do crime, argumentando que, para alcançar tal objectivo, é necessária a identificação do beneficiário efectivo, alertando que se não se atingir a referida personagem, o crime continuará a recrutar outros agentes.

"Esta é a preocupação da comunidade internacional e dos países, para fazer face à criminalidade organizada transnacional. Os activos virtuais são um verdadeiro problema que, por ser novo, requer regulamentação. É uma realidade nova e que requer legislação para o efeito”, referiu.

União Europeia destaca experiência da Alemanha

O chefe da Cooperação da União Europeia, Enrico Strampelli, destacou a importância para Angola da experiência de Alemanha na identificação dos beneficiários efectivos dos fluxos financeiros no sistema anti-branqueamento de capitais.

O facto de a formação estar a ser ministrada por especialistas alemães, de acordo ainda com o representante europeu, permite reforçar e aprofundar os conhecimentos nas matérias sobre beneficiários efectivos e activos virtuais.

"Está já a ser preparado um programa especializado, especificamente nesta área do Beneficiário Efectivo, em que a Alemanha possui experiências muito interessantes no contexto do combate ao branqueamento de capitais e, em particular, na identificação do beneficiário efectivo, e não quisemos desperdiçar esta oportunidade para colocar esta experiência à disposição dos competentes quadros nacionais”, disse.

Angola e a União Europeia, assegurou Enrico Strampelli, assumiram compromissos internacionais estratégicos, com vista a promover políticas sustentáveis, tendo acrescentado que ambos estão "empenhados afincadamente na construção do Estado de Direito e reforço das capacidades de intervenção das instituições”.

O chefe da missão europeia em Angola disse, ainda, que o combate aos fluxos ilícitos, assumidos pelas autoridades angolanas como prioridades, têm contribuído para melhorar a situação da Justiça no país.

"Os resultados animadores que juntos temos vindo a alcançar animam-nos a continuar e intensificar apoios e, consequentemente, os recursos disponíveis para lutar contra o crime e a injustiça”, revelou.

GAFI recomenda aos países a identificação das pessoas

A conselheira da Organização das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (ONUDC) e coordenadora do Projecto Pro-React em Angola, Manuela Carneiro, afirmou, ontem, que o Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI) recomenda aos países a implementação de medidas que garantam a identificação das pessoas por trás das empresas, instituições, contratos ou negócios.

Embora tivesse assegurado haver muitos esforços no sentido de se prevenir os fluxos financeiros ilícitos, a responsável do ONUDC admitiu que o combate ao branqueamento de capitais representa, ainda, uma área desafiante, que requer a cooperação de autoridades públicas e privadas.

"Um pouco por todo o mundo, os Estados foram e continuam a implementar estes instrumentos internacionais e a introduzir nos seus ordenamentos jurídicos e institucionais o confisco de activos e o beneficiário efectivo, como pilares fundamentais para a prevenção do branqueamento de capitais”, assegurou Manuela Carneiro.

"A identificação do beneficiário efectivo dos lucros, dos negócios, dos acordos, está relacionado com a eficácia do sistema anti-branqueamento de capitais”, acrescentou a conselheira da ONUDC.

Manuela Carneiro admitiu que o combate ao crime grave e organizado nunca é fácil, justificando-se, por essa razão, o apoio da organização que representa as instituições angolanas na implementação das recomendações do Relatório de Avaliação Mútua, publicado na sequência da avaliação do Grupo de Prevenção e Branqueamento de Capitais da África Oriental e Austral (ESAAMLG).

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