Embarcámos, a meio de uma dessas manhãs, particularmente quentes (como acontece ultimamente em Luanda), a partir da estação de autocarros da Macon – passe a publicidade – na zona dos Ramiros, um aglomerado populacional que regista um crescimento exponencial, com a previsão de chegada à cidade ferroportuária do Lobito pouco depois das dezassete horas.
Já não se lembra, com exactidão, o dia em que, aos 12 aninhos, começou a fumar cigarros, liamba e crack, numa altura que usava, igualmente, álcool. Sabe apenas que a primeira e tantas vezes que usou drogas foi por influência de amigas com idade mais avançada.
Como se diz no início desta série de reportagens à (re)descoberta de gentes e lugares por Angola adentro e arredores, deixaríamos a “Cidade das Acácias Rubras”, nome por que também é conhecida a antiga Ombaka, já ao cair da noite.
Benguela continua igual a si mesma. Uma urbe trepidante, praticamente não dorme, tem um movimento de viaturas quase incessante em direcção ao Lobito, e vice versa, passando por Catumbela, cuja importância cresceu, em 2009, com a ponte "4 de Abril”. Essa ponte é, porventura, a mais emblemática obra de engenharia alguma vez erguida no litoral de Angola.
Mas, é o Sul de Angola o próximo destino, com paragem, primeiro na Huíla. Para frente, cerca de 245 quilómetros até à vila de Quilengues, na fronteira com a Huíla, precisamente na ponte sobre o Cutembo, já na fronteira entre as duas províncias.
A passagem por essa ponte, na EN 105, deve ser assinalada pelo seu histórico. Por várias vezes desabou, pela "fúria” das águas, no seguimento de grandes enxurradas que se abateram sobre toda a região, com o tráfego rodoviário a ficar gravemente condicionado.
Por diversas vezes, essa ponte de relevante importância no corredor da SADC desabou à força das águas do Cutembo.
A montagem de uma nova ponte provisória, enquanto se trabalhava na infra-estrutura definitiva, não impediu, contudo, o caos que se assistiu, na altura, na ponte, com quilométricas filas de camiões carregados de mercadorias, autocarros e viaturas ligeiras provenientes do Sul e Norte de Angola.
Alguns automobilistas mais ousados tentaram, por diversas vezes, desafiar a "fúria” das águas, algo que resultou em fatalidades.
Esse é um cenário que já faz
parte do passado. Hoje, passa-se pela ponte do Cutembo quase sem dar por ela.
Foi construída uma nova ponte, que melhor acomoda o tráfego (intenso)…
"Pulmão agrícola”do Impulo
Logo a seguir à ponte, já em território da Huíla, vira-se para a esquerda, e temos a comuna do Impulo, no passado um importante pólo agrícola, com milhares de hectares a perderem de vista, o que lhe dava a áurea de um autêntico "pulmão” de Quilengues.
Muito do milho, girassol, hortícolas, tabaco e outros produtos que alimentavam o mercado tinham como proveniência esse corredor, que vai de Quilengues até Benguela.
Grande parte das unidades faliram e as que resistem ao tempo estão com dificuldades de inputs agrícolas. Com o não desassoareamento dos rios, as culturas ficam seriamente afectadas pelas enchentes no tempo das grandes enxurradas.
Essa é matéria a "tirar sono” aos agricultores do vale do Impulo, como Almeida Pinho, que fala, com preocupação, da inundação de milhares de hectares de terrenos cultivados todos os anos, por altura das "grandes chuvas”.
Ele diz que a maioria dos pequenos, médios e grandes agricultores tem as suas propriedades muito próximas das margens dos rios. O fazendeiro defende intervenções, na época seca, nas margens dos principais rios que cruzam Quilengues, como o Tepa, o Impulo, o Mussanji, o Calunga e o Hanja, mas diz haver "sérias dificuldades” para a implementação dessas empreitadas por falta de equipamentos apropriados.
Em concreto, Almeida Pinho referia-se a retroescavadoras, camiões basculantes, cilindros, tractores e outros meios. Esse é um cenário que leva os médios e grandes agricultores de Quilengues a apostarem mais na produção de hortícolas e na criação de animais.
O também vice-presidente da
"Aurora Impulo”, uma agremiação agro-pecuária que acolhe mais de uma centena de
fazendeiros, explica que a água chega a ocupar, "por muito tempo”, cerca de 60
por cento dos terrenos cultivados, e deixa bastante areia, que pode torná-los
improdutivos.
Interior de Quilengues reanima-se
Antes de entrarmos mais para o interior de Quilengues, a inevitável passagem pelo jardim zoológico, ao encontro do jacaré, o mais emblemático exemplar da oferta do turismo no município que há mais de cinquenta e quatro anos resiste ao tempo. Desta vez, encontrámo-lo ligeiramente abatido, pois leva alguns dias sem se alimentar devidamente, segundo o seu tratador.
Foi-nos dito que, em média, o jacaré pode consumir um cabrito de tamanho médio, depois do que entra como que em estado de hibernação, mas isso parece cada vez mais difícil, sobrevivendo, por assim dizer, de alguns valores que os turistas (poucos), de passagem pela vila vão deixando.
Quando se fala do interior de Quilengues, hoje a maior referência é o projecto de prospecção do nióbio, um mineral de grande importância, sobretudo na indústria aeroespacial e na produção de turbinas eléctricas e que está a ser feita na montanha da Bonga, por um consórcio chamado Niobonga, que atraiu para a região sobretudo chineses.
Do chamado K 14, até ao rio Tchanhewa, é constante o movimento de máquinas e equipamentos, para as futuras minas da Niobonga, algo que levou à terraplanagem da via, para permitir a passagem de viaturas ligeiras, camiões e outros equipamentos pesados para as futuras minas e acampamentos, montados na concessão de 251 mil quilómetros quadrados. As pessagens pelos riachos Tónio, Muhandy, Vindondi e Nonthe, antes muito críticas, foram melhoradas.
Na própria povoação da Bonga estão em construção dezenas de residências, para realojar as pessoas que vão ser deslocalizadas do perímetro da concessão da Niobonga, como garantia de uma exploração que exige altos padrões de segurança, como é, de resto, em toda a indústria mineira.
Passámos pela vasta área onde as casas estão a ser erguidas. A sensação com que ficámos é de um frenesim, quase uma corrida contra o tempo, com dezenas de operários empenhados em concluir as obras com a maior celeridade. Pode dizer-se, com alguma segurança, que aí está a nascer uma pequena vila.
Apesar de algumas vozes contrárias (algo expectável) à deslocalização das pessoas dos seus kimbos, no final imperou o bom senso, pois para lá dos ganhos económicos, o projecto foi desenhado também a pensar no desenvolvimento de programas sociais com grande impacto junto da população.
A exploração do nióbio permite, pois, a construção de escolas, postos de saúde, sistemas de abastecimento de água, energia e outros equipamentos sociais, de que a povoação é manifestamente carente.
O administrador municipal de Quilengues, Adriano Pedro, em conversa informal com o Jornal de Angola, considerou "pacífico” o processo de auscultação das populações no processo que vai levar, necessariamente, à deslocalização das pessoas, ao referir que saem beneficiadas com os serviços sociais.
A melhoria da via já anima o
pequeno comércio, com dezenas de populares a aceder aos mercados da vila de
Quilengues, através de carrinhas, motorizadas e motos de três rodas, chamadas
"calelwias”. Conseguem, assim, chegar e vender galinhas, porcos ou cabritos,
sem aquelas desgastantes caminhadas sob sol ardente. Há, também, pequenas cantinas ao longo da
via, que atraem muitos populares.
Adeus à fome na Muiva?
Essa é a pergunta necessária, mas contrastando com uma realidade particularmente chocante do ano passado, desta vez encontrámos gente do antigo Reino Muiva, muito animada com o trabalho no campo. Choveu razoavelmente e há expectativas de óptimas colheitas, fazendo esquecer, por ora, o espectro da fome. Não vimos aquelas concentrações de gente, mesmo em idade laboral, junto de pequenas praças de ngongo - bebida tradicional muito popular na região - a que se atribuem algumas propriedades nutricionais e afrodisíacas, à espera de uma mão carinhosa.
Mas o que não mudou foi a realidade da escola primária da Muiva, com centenas de crianças a estudarem em condições muito penosas e professores sem acomodação. Desta vez, comovidos, deixámos lá alguns cadernos e lápis, para os petizes. Mais adiante, a famosa Missão Adventista do Sétimo Dia, está a "cair de pobre”, como soe dizer-se.
No passado, responsáveis pelas frutas e hortícolas que se consumiam na vila de Quilengues e nas cidades do Lubango e Benguela, hoje os pomares do Quicuco produzem nada. A famosa carpintaria, moagem e cantina estão inactivas, para falar o mínimo. Apenas o Posto de Saúde vai dando, ainda, o "ar da sua graça”.
Hole, uma povoação do Dinde, a cerca de oito quilómetros, é a próxima paragem. Há um mercado com razoável movimento, a contrastar com a sede comunal, que apresenta um acentuado estado de degradação das suas infra-estruturas, maioritariamente do tempo da "outra senhora”.
Dinde é conhecido pelo seu potencial agro-pecuário. Aqui, não passam despercebidos, quer o verde das lavras, sobretudo no vale da Muiela, quer o gado bem nutrido, em mais um benefício directo da abundância das chuvas.
A localidade tem, também, a importância de ser um nó rodoviário fundamental para a ligação com o Caminho-de-Ferro de Moçamedes, a partir da vila da Bibala e do Porto do Namibe, com ganhos económicos e sociais significativos para aquele triângulo do extremo Sul de Angola.
A expectativa é que essa
via, com cerca de oitenta quilómetros, seja asfaltada para que essa ligação,
passando pela comuna da Lola (Namibe) se faça sem muitas dificuldades.
Da Cacula para o Lubango
De volta ao asfalto, mais cento e quarenta e cinco quilómetros, surge-nos Lubango, hoje uma metrópole de mais de dois milhões de habitantes. Deveria ser uma viagem directa. A passagem pelo Cavi e Vite Vivali foi um "sopro”, mas é quase impossível não parar na Cacula, autêntica placa giratória para o Norte, Centro e Sul de Angola, o que lhe confere condições propícias para ser uma importante área de serviços.
Mas isso parece ser, ainda, uma miragem. O antigo hotel Miradouro e a pensão Cacula, bem na via principal, no passado unidades de grande pujança, há muito que estão voltados ao abandono. Há um pequeno comércio, bombas de combustíveis funcionais, alguns restaurantes (poucos) e pouco mais.
No mercado local adquirem-se produtos como maçaroca, tomate, abóbora, feijão, cana-de-açúcar e pouco mais, afinal a localidade não tem potencial agrícola relevante, o que é agravado pela irregularidade das chuvas.
Chega-se ao Lubango pelo Toco, depois da passagem por Mandomdwe, Vihamba e Hoque. Uma espécie de réplica do mercado da Canjala, no "Km 40”, pouco depois do Hoque há uma paragem quase obrigatória.
E, depois, lá bem no alto da montanha, está o Cristo Rei, de braços abertos a dar as boas vindas a quem visita a segunda maior cidade do país, a seguir a Luanda.
"Cidade da Quilemba” mostra-se
A cidade não pára de crescer. Bem à entrada, a partir das chamadas "Três Pontes”, é visível um conglomerado de casas, que é a centralidade da Quilemba. Não resistimos a conhecê-la. Com dez blocos, com oitocentos a mil habitações, entre apartamento e vivendas, pareceu-nos ser um projecto arquitectónico bem conseguido.
A taxa de ocupação já é elevada, falando-se mesmo em cerca de setenta por cento, mas faltam, no entanto, alguns equipamentos sociais, sobretudo para abastecimento de água potável. Apenas o Bloco U, que alberga pessoas desalojadas do mítico bairro Camazingo, no centro do Lubango e alguns funcionários de agências governamentais, tem garantido o abastecimento, mas por cisternas.
À cidade, que ainda aguarda a definição do seu estatuto jurídico, faltam, também, agências bancárias, supermercados, resturantes, bares e rede de transportes de e para a cidade do Lubango.
A energia é regular, a
partir de uma subestação. Os espaços verdes carecem de manutenção, com árvores
a precisarem de poda e muito capim a crescer a olhos vistos, a contrastar com
um espaço destinado a ser um bom lugar para habitar.
Variedade de serviços hoteleiros no Lubango
Descrever a oferta de serviços de restauração e hotelaria numa cidade de quase dois milhões de habitantes daria, só por si, uma reportagem à parte e a exigir vários capítulos, mas citar os locais mais emblemáticos da também chamada "Cidade do Conhecimento” é, pois, inevitável nesta incursão do Jornal de Angola pelo sul do país e arredores.
E não é por acaso que os lubanguenses se gabam de uma cidade onde a "principal diversão é o estudo”.
Hotéis como Chela, Mirangolo, Novo, Lubango, Chick Chik, Amigo, Casper Lodge, Pululukwa, Vanjul Lodge, Aldeamento da TAAG, Kimbo do Soba e o restaurante Freitas lideram, hoje, uma rede de serviços de restauração com altos padrões na região sul de Angola.
A esses se juntam outros de pequena e média dimensões, espalhados um pouco por toda a cidade, alguns com uma clientela quase "militante”, como o Xadrez e o Bambu. É aqui onde se concentram conhecidos boémios da cidade.
Há anos seguidos feitos "cartões de visita” da cidade, o Cristo Rei, Tundavala e a Capelinha da Nossa Senhora do Monte, para citar apenas estes, mantêm-se incólumes, atraindo cada vez mais turistas.
A descida para o Cunene começa na vila da Chibia, quarenta e cinco quilómetros a Sul do Lubango, onde um projecto de multiplicação de sementes está na "boca do Mundo”, pela revolução que trouxe à história agrícola de Angola.
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