Cultura

Grupos querem financiamento para melhorar a performance

Manuel Fontoura | Ndalatando

Jornalista

Grupos de teatro da província do Cuanza-Norte querem inovar com a introdução de práticas modernas e, para tal, solicitam apoio material e financeiro. A pretensão inclui a melhoria das salas de espectáculo e formação de qualidade, constatou o Jornal de Angola, em Ndalatando.

28/03/2023  Última atualização 08H02
Actores do colectivo de arte "Kala Ukimona" durante a exibição de uma peça de teatro © Fotografia por: Nilo Mateus | edições novembro

Nos últimos tempos, a província viu reduzido o número de grupos de teatro  de quase de 30 colectivos entre 2008 e 2017 para aproximadamente 12 em plena actividade, actualmente, destacando-se em Ndalatando os grupos "Kala Ukimona", "Kufikissa" e "Tudo ou Nada". Já em Ambaca estão no activo os grupos, "Catevê Teatral" e "Muxima Teatro", assim como "Weza Teatro", no município do Golungo-Alto.

Segundo a direcção local da Cultura, existem outros grupos nos demais municípios, mas só será possível falar sobre os mesmos, após o término do cadastramento a ser feito nessas localidades.

O encenador do grupo de teatro "Kala Ukimona" (Tens de ver, em português), Osvaldo Francisco Congo, considera crítico o actual estado do teatro na província.

Para o encenador, a diminuição de pessoal e a extinção de muitos grupos deve-se essencialmente à falta de patrocínios e de infra-estruturas para apresentação das peças. Formado há mais de 18 anos, primeiramente no município de Cambambe e  posteriormente a criação de um núcleo em Ndalatando, Osvaldo Francisco Congo referiu terem já batido algumas portas à procura de patrocinadores, mas até agora não tiveram êxito.

Com cerca de 16 elementos, as suas peças do grupo, disse, retratam aspectos do dia-a-dia como conflitos familiares, prostituição, traição conjugal, corrupção, justiça e tantos outros temas actuais. "De uma maneira geral, o grupo trabalha no campo social, religioso e político’’, disse o encenador, recordando que o seu elenco já participou em várias actividades em diferentes províncias, como Luanda, Uíge, Huambo, Cuando Cubango, Benguela, Bié e Malanje, mas nos últimos tempos nem nos municípios do Cuanza-Norte conseguem se deslocar para actuar.

Por sua vez, a coordenadora do mesmo grupo, Beatriz Brandão Manuel, afirmou que o desenvolvimento do teatro em Ndalatando, em particular, e Cuanza-Norte, em geral, passa pela formação dos actores, construção de salas de espectáculos adequadas e apoios financeiros para a sustentação e autonomia dos grupos. Explica que o Cine Ndalatando, local onde se tem realizado os eventos, não dispõe de condições, pelo facto de fazer muito eco na altura da utilização de microfones, tendo realçado que os espectáculos que vêm fazendo tem sido da responsabilidade dos grupos, que investem dinheiro mais sem qualquer retorno.

Realçou que o Cine Ndalatando é o único local para a realização de espectáculos, mas para isso pagam 15 mil kwanzas pelo aluguer da sala, para além de outros gastos concernentes a feitura de dísticos publicitários, que rondam os 20 mil kwanzas. "O que gastamos muitas vezes é maior do que o arrecadado por cada espectáculo, para além de que as pessoas também desabituaram em assistir a espectáculos de teatro”, apontou. A realização das poucas actividades nos últimos dias, tem sido possível através de recursos próprios, embora tenham recebido apoios de algumas entidades singulares, mas incipientes para os anseios do grupo. Apesar de tal situação, disse, estarem a trabalhar no sentido de adquirir parcerias para que o conjunto atinja grandes patamares.

Para o jovem Márcio António, apreciador das artes cénicas, "o teatro no Cuanza-Norte tem muita força, mas falta incentivo para os fazedores das artes’.

Os responsáveis dos grupos de teatro em Ndalatando contactados pela reportagem do Jornal de Angola, foram unânimes em solicitar as entidades de direito apoios e incentivos com vista a elevar o desenvolvimento do teatro na província. O chefe de departamento da Acção Cultural do Gabinete Provincial da Cultura, Turismo e Desportos do Cuanza-Norte, Olímpio Ramiro Marques, afirmou que a instituição que dirige controla actualmente mais de 10 grupos de teatro, distribuídos pelos 10 municípios da província, tendo apontado a falta de formação como o maior problema que os actores locais enfrentam.

Olímpio Ramiro Marques considera razoável o estado do teatro na província a julgar pela entrega dos actores e responsáveis de alguns grupos que continuam engajados para que a classe permaneça firme na luta.

A maior preocupação dos fazedores, avançou, prende-se com a falta de apoio financeiro e salas de actuação adequadas, embora o Cine Ndalatando continue disponível para a realização de eventos e ensaios por parte dos grupos interessados.

A par do incentivo institucional que a direcção da Cultura oferece aos grupos, Olímpio Marques revelou que nalgumas vezes, quando solicitados com antecedência, recorrem aos seus parceiros para angariar patrocínios e apoiar as agremiações naquilo que for necessário.

Para a comemoração do Dia Mundial do Teatro, assinalado ontem, o Gabinete Provincial da Cultura, Turismo e Desportos promoveu um debate radiofónico, na Emissora local da RNA, bem como manteve um encontro com os responsáveis e fazedores de teatro de Ndalatando para incentivá-los a não desistir, embora tenham muitas dificuldades. Olímpio Marques condenou a atitude de muitos empresários e pessoas singulares que não participam nas actividades culturais, tendo se congratulado    pelo apoio que o Governo local tem dado à cultura e alguns actores culturais da nossa região.

Encontrar a essência perdida da Humanidade

A mensagem internacional do Dia Mundial do Teatro, que se assinalou ontem, apela à união dos profissionais para que despertem "a consciência do mundo”, de modo a "encontrar a essência perdida da Humanidade”.

Assinada pela actriz egípcia Samiha Ayoub, a mensagem do Instituto Internacional do Teatro (ITI, na sigla original em inglês), aponta ao estado do mundo, "a esta vil imagem de brutalidade, racismo, conflitos sangrentos, formas de pensamento único e de extremismo”, e visa o reencontro com o ser humano livre e tolerante, reconhecendo no teatro e na sua capacidade da representação da vida, sob todas as perspectivas, a possibilidade de "enfrentar as trevas da ignorância e do extremismo”.

"Convido-vos a levantarem-se todos juntos, de mãos dadas e, ombro a ombro, gritarem bem alto, como é hábito fazermos nos palcos dos nossos teatros, e a deixarem sair as nossas palavras para despertar a consciência do mundo inteiro, para encontrar em nós mesmos a essência perdida da Humanidade”, escreve a actriz egípcia escolhida pelo ITI para redigir a mensagem oficial do Dia Mundial do Teatro 2023.

"A nossa humanidade, que se tornou duvidosa”, talvez "volte um dia a ser uma certeza categórica que nos fará sentir orgulho em sermos humanos”, prossegue Ayoub, num apelo que estende aos profissionais das artes de palco, "dramaturgos, encenadores, actores, cenógrafos, poetas, coreógrafos e técnicos, todos sem excepção”.

 "Por estarmos na vanguarda da confrontação com tudo o que é feio, sangrento e desumano […] com tudo o que é belo, puro e humano […], somos nós, e mais ninguém, quem tem a capacidade de espalhar vida”, frisa a actriz, exortando os profissionais a agir "em nome de um só mundo, de uma só Humanidade”.

Veterana dos palcos egípcios e uma das mais premiadas actrizes do seu país, Samiha Ayoub afirma que "cada fibra” do seu ser "estremece perante o fardo” imposto pelas "pressões esmagadoras e sentimentos contraditórios” do mundo actual, com os seus "conflitos, guerras e catástrofes naturais” devastadores, à paz psicológica e ao mundo espiritual, agravando o próprio peso da responsabilidade de ser actor.

A actriz defende que nunca como agora os seres humanos estiveram "tão estreitamente ligados uns aos outros”, nem "tão dissonantes”, apontando assim "o paradoxo dramático que o mundo contemporâneo impõe”.

Apesar das actuais formas de comunicação, "que venceram todas as fronteiras geográficas, os conflitos e as tensões a que o mundo assiste ultrapassaram os limites da percepção lógica e criaram, no meio dessa aparente convergência, uma divergência fundamental que nos afasta da verdadeira essência da humanidade”, escreve Samiha Ayoub.

"O teatro, na sua essência original, resume-se a um acto puramente humano baseado na verdadeira essência da humanidade, que é a vida”. Por isso, prossegue, dirigindo-se aos profissionais, quando entrarem num teatro, "deixem toda a poeira e sujidade lá fora”, todas "as preocupações mesquinhas […] que estragam as vossas vidas e desviam a atenção da arte”, escreve, parafraseando o dramaturgo e pedagogo russo Konstantin Stanislavsky, autor de "O Método”.

"Assim que subimos ao palco, fazemo-lo com a única vida que há em nós, aquela que existe num único ser humano”, uma vida com "uma enorme capacidade de se dividir, de se reproduzir e de se transformar em muitas vidas”.

"Somos nós quem dá à vida o seu esplendor. Somos nós quem a personifica em carne e osso. Somos nós quem a torna vibrante e lhe dá significado. E somos nós quem lhe confere as razões para a compreender. Nós somos aqueles que usam a luz da arte para enfrentar as trevas da ignorância e do extremismo”, opondo-lhes "os valores da verdade, do bem e da beleza”, porque "a vida merece ser vivida”, conclui Samiha Ayoub.

 

Filipe Zau  felicita fazedores das artes cénicas 

O ministro da Cultura e Turismo, Filipe Zau, felicitou, ontem, em Luanda, todos os que fazem da representação a sua forma de estar como "operários de cultura”, pela dedicação e esforços de manter viva as artes cénicas no país, mesmo com tantas dificuldades que enfrentam.

Numa mensagem, por ocasião ao Dia Mundial do Teatro, comemorado ontem,  o governante disse referir-se, mais propriamente, aos autores, cenegrafistas, encenadores, contra-regras, dramaturgos, figurinistas, directores, produtores e outros "operários de cultura", ligados a esta arte milenar da representação.

 "Estamos em crer que, com a futura inauguração das três salas de espectáculos do Centro Cultural do Huambo, do início das obras do Palácio da Música e do Teatro em Luanda e com o processo de recuperação de salas de espectáculos já registadas como património material de interesse público, passaremos a abrir novas oportunidades para a edificação de uma verdadeira agenda cultural, capaz de divulgar o desenvolvimento das artes, com consequente maior empregabilidade e valorização dos fazedores de cultura no nosso país”, lê-se na mensagem.

Para Filipe Zau, o 27 de Março, institucionalizado como Dia Internacional do Teatro pela UNESCO, seja um dia de reflexão e de esperança para uma crescente promoção e difusão do teatro em Angola.

"Aproveitamos ainda esta oportunidade para enaltecer o relevante trabalho desenvolvido por alguns dos nossos grupos teatrais, que do pouco continuam a fazer muito, em prol do teatro no nosso país. A todos vós o nosso profundo agradecimento e respeito”, realça a mensagem.

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