Especial

Gamcheon: a vila das mil e uma cores

Augusto Cuteta

Jornalista

O sol do início da tarde de Busan é quente e com brisa. E a terra tem cor. As cores, em grande diversidade, estão estampadas nas paredes dos arrojados edifícios que fazem a vila de Gamcheon.

16/08/2023  Última atualização 08H25
Terra rainha do turismo em busan © Fotografia por: DR
À primeira vista, aliás, no contacto com a zona, além da sua gente linda e simpática, sobressaem o verde, amarelo, vermelho, branco, laranja, azul, enfim, incontáveis tons coloridos que dão beleza às casas. É como que se o arco-íris tivesse preso às paredes!

A mistura de cores nas edificações é a principal característica de Gamcheon, uma vila localizada em Busan, a segunda cidade mais importante da Coreia do Sul, depois de Seul, a capital do país.

Aliás, por causa dessa sua particularidade, a actual Vila Cultural passa a ser um dos lugares mais atractivos de Busan, quando o assunto for turismo. Diariamente, Gamcheon recebe centenas de turistas quer nacionais quer estrangeiros.

O movimento costuma a ser agitado. Os guias turísticos são poucos, às vezes, para tantos visitantes, numa pequena vila, mas com uma grandeza simbólica para os cidadãos daquela subdivisão do Distrito de Saha e, quiçá, de toda a Coreia.

E uma das razões é simples. Durante a guerra dos três anos com a outra Coreia, a do Norte, na década de 50, essa zona, que era bastante pobre, passa a acolher milhares de refugiados.

Essas pessoas, que fugiram da guerra, começam a construir casas no local, que fica mais distante da fronteira com a Coreia do Norte. Por isso, aquela parcela de Busan é, também, conhecida como "Vila dos Refugiados”.

Mas, antes da guerra, a vila de Gamcheon já existia. Foi construída entre 1920 e 1930, depois que a Administração da Cidade de Busan decide instalar ali os antigos funcionários do porto local.

Porém, a vila ganha mais vida, na época do conflito armado e nos primeiros meses do pós-guerra, quando centenas de famílias vão ali se instalar e provoca o crescimento da religião dos Taegeukdo, um ramo do Jeungsanismo.

Ora, Jeungsanismo é uma palavra com dois usos diferentes. Primeiro é colocada como sinónimo de Jeung San Do, o novo movimento religioso coreano de que fizemos referência, e, segundo, para designar uma família de mais de 100 outros grupos religiosos que reconhecem Kang Jeungsan (Gang Il-sun) como a encarnação do Deus Supremo do Universo, Sangje.

Kang Jeungsan, que seus discípulos o têm como Deus Supremo encarnado, morreu em Junho de 1909, sem ter designado um sucessor. Isso, provocou que pessoas da sua família e seus seguidores se desvinculassem e criassem mais de 100 ordens religiosas dentro da família geral do jeungsanismo.

E a vila cresceu

Em 1950, Gamcheon é um distrito. Cerca de 20 anos mais tarde, a região passa a contar com nove, mas, nesta altura, é constituída apenas por casas de madeira.

É entre as décadas de 80 e 90 que as famílias começam a erguer casas de dois andares e à base de blocos, apesar da sua população ainda enfrentar várias dificuldades sociais.

Segundo uma funcionária do museu local, as autoridades desenvolvem, antes de 2010, um esforço gigantesco e transformam a vila num centro cultural. É nesta altura em que o Ministério da Cultura, Desportos e Turismo da Coreia promove uma reforma com o tema "Arte Pública”.

Homens do mundo artístico de Busan, entre pintores e escultores, entram em acção. Estes passam a representar suas imaginações ou artes nas ruas, muros e paredes de quintais residenciais ou espaços comerciais em toda a extensão da rua principal de Gamcheon.

O colorido da vila é antigo, muito antes deste trabalho, coordenado pelo Governo, para dar outra imagem à região. Mas, nesse período, as casas têm, ainda, um ar esquisito: cada casa tem duas ou mais cores.

A curiosidade leva o repórter a entender o significado que tem uma casa com várias cores. A guia turística do grupo de jornalistas africanos e europeus faz uma pausa, olha para as paredes à sua volta, e esclarece, com sorriso.

"Pela incapacidade económica das famílias, a comunidade era solidária. Ao pintar uma habitação, se faltasse tinta, o proprietário recorria ao vizinho. E, se este tivesse cor diferente, o pedinte usava-a mesmo assim, o que originou tantas cores quer numa casa quer na vila”, explica.

Porém, nos dias que correm, a vila turística continua a registar um crescimento em vários sectores. Os visitantes têm à disposição lugares de comércio de peças locais, cafés, restaurantes, galerias, oficinas de artesanato e hotéis.

Os ambientes juvenis e festivos, muito diferente do outro tempo em que a vila era maioritariamente habitada por uma população adulta, ganham cada vez mais espaço. mas, não só. As áreas de formação e capacitação para a gestão de negócios, também.

  Uma multidão à busca   do Pequeno Príncipe

No período de reestruturação, enquanto o Governo faz intervenções para instalar ou reparar estradas, passeios, redes de água e esgoto e parques de estacionamento, os artistas e os residentes reparam casas de idosos e de pessoas de baixa renda.

Além dessas, faz-se um aproveitamento para a reformar casas abandonadas. Assim, essas habitações são transformadas em lugares de utilidade comunitária, como museus e espaços de exposição de artes.

O auge do turismo se dá depois de 2009, com a melhoria das infra-estruturas da região. Com isso, a vila beneficia de instalações de arte coloridas, entre as quais esculturas de pássaros, representações lúdicas e do Pequeno Príncipe.

Na famosa estátua, o Pequeno Príncipe e a Raposa aparecerem sentados no topo de uma parede com uma vista para o interior da vila. Este é dos pontos que mais atrai jovens para as habituais imagens de recordação.

Durante o passeio, o repórter ouve um paralelismo em relação à estátua, quando em coreano, os jovens dizem que "vir a Busan e não fotografar com o Pequeno Príncipe é como ir a Roma e não ver o Papa”.

O trabalho de escultura fica quase na zona mais acima da vila, onde permite ter uma visão abrangente das ruelas, becos em espécie de labirintos e das casas, que se parecem uma em cima da outra.

E deste ponto, centenas de pessoas fazem longas filas para "bater um papo” ou, no silêncio sepulcral do Principezinho, aproveitar disparar uns flashes para eternizar o momento.

Apesar de ser um personagem místico da história de Gamcheon, a quantidade de pessoas que procura estar por perto do Pequeno Príncipe é real. E, o número de "apaixonados” pelo galã da vila é liderado por raparigas.

Para alguns moradores, a figura representa um jovem refugiado, que fugiu da guerra entre as Coreias e instalou-se com a família em Gamcheon. Outros fazem referência ao personagem principal do livro "O Pequeno Príncipe”, do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry.

No livro, escrito nos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial, quando o autor pertencia à Força Aérea de França, o rapaz viaja pelo universo e encontra um aviador perdido no deserto. Os dois tornam-se amigos e habitam num asteroide.

Com o título original "Le Petit Prince”, e publicado, pela primeira vez, em 1943, é considerado o terceiro livro mais traduzido do mundo, com aproximadamente 160 idiomas, e um dos mais vendidos no globo.

O clássico ganhou diversas adaptações, quer a nível do cinema, peças de teatro, quer em versões musicais.

A obra literária contém uma série de simbolismos e reflexões em torno da vida, do amor, da amizade e do sentido da existência. São, exactamente, estes aspectos ou "sentimentos” que o escultor do Pequeno Príncipe de Gamcheon procura deixar transparecer.

  Outros actrativos   turísticos para explorar

A vila, totalmente erguida numa montanha, tem outros lugares e sítios de atracção turística. Um destes é o Gamcheon Sound, uma obra de arte a representar uma guitarra.

Para os amantes de registos fotográficos, além dos inúmeros murais ao longo das ruas da vila, os turistas têm, ainda, o Deungdae, um ponto específico para o efeito.

Logo à entrada do centro da vila, há o Museu de Gamcheon. Neste pequeno espaço cultural, estão expostas imagens históricas das fases de construção e transformação da zona residencial e dezenas de peças domésticas antigas, todas doadas por moradores.

Os turistas encontram, igualmente, escadarias com nomes de estrelas internacionais, nacionais e locais das artes. Nesses locais, os visitantes, principalmente, gostam de fazer fotografias, um clima que seduz os jornalistas, também.

Durante a caminhada pela rua principal da vila, vê-se uma série de barracas de comidas e bebidas tradicionais da região. O autor dessas linhas, por limitações de saúde, não os experimenta, mas a Érika, a intérprete, garante que são alimentos muito saudáveis, embora desconheça alguns dos pratos ali expostos.

Por estes e outros lugares, a Vila Cultural de Gamcheon tem contribuído para o desenvolvimento do turismo de Busan. Diz-se que boa parte dos 40 milhões de turistas de vários países que visitam a cidade, por ano, tem curiosidade de conhecer a terra das cores.

Por exemplo, em 2019, cerca de 3,08 milhões de pessoas passaram pela vila, quando quatro anos antes, Gamcheon tinha recebido aproximadamente 1,4 milhões de visitantes.

A vila faz parte de Gamcheon-dong, Distrito de Saha, tendo sido em anos passados apelidada de "Santorini da Coreia” ou "Machu Picchu de Busan”.

Já Busan (antiga Pusan), é a segunda cidade mais populosa da Coreia do Sul, com uma população estimada em mais de 3,5 milhões de habitantes.

  Figuras de Busan que conquistaram o mundo

Tae-seok Lee, um padre salesiano, congregação fundada por Dom João Bosco, é um dos nomes mais conhecidos de Busan. O frei nasceu nesta cidade, em 1962.

Médico e cantor, o sacerdote católico, depois de ordenado, decide servir o Senhor a partir da pobre comunidade de Tanj, no Sudão do Sul. Nesta localidade de África, Tae-seok constrói escolas e centros de saúde e forma uma banda de música integrada por crianças e jovens da aldeia.

Enquanto médico, o sul-coreano presta assistência à população, principalmente, para prevenir e combater doenças como a cólera e malária, muito comuns na comunidade.

Nos seus oito anos de sacerdócio, Tae-seok dedica a vida aos pobres. E, durante esta missão, em 2010, é atacado por um cancro e morre, na Coreia, onde regressa em tratamento.

Outros pormenores da vida do frei Tae-seok são para uma próxima edição deste diário. Hoje, o breve retrato é sobre dois outros jovens nascidos em Busan. Trata-se de dois integrantes do grupo musical BTS, formado há dez anos.

Um deles é Park Ji-min. Nascido a 13 de Outubro de 1995, o jovem Jimin, como é tratado nas lides artísticas, é cantor e dançarino, com destaque mundial, ao vender com o seu grupo mais de 16 milhões de álbuns físicos, só na Coreia.

Em 2018, o cantor é premiado com a Ordem de Mérito Cultural Hwagwan da quinta classe, pelo ex-Presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, sendo o primeiro a atingir este feito na época.

Seu álbum de estreia a solo, "Face”, lançado neste ano, figura no topo das tabelas da Coreia e Japão, e na segunda posição nos Estados Unidos, enquanto o segundo single, "Like Crazy”, estreou no primeiro lugar da Billboard Hot 100.

O cantor solista sul-coreano é o único a atingir a maior posição alcançada na história da Billboard 200 e o primeiro a chegar à primeira posição da Hot 100.

O outro é Jeon Jung-kook, nascido em Busan, a 1 de Setembro de 1997. É cantor, compositor, dançarino e produtor musical sul-coreano, pertencente ao BTS.

Conhecido como Jungkook, o jovem tem três músicas a solo, mas dentro da discografia do BTS: "Begin”, em 2016, "Euphoria”, em 2018, e "My Time”, em 2020. Todas entraram na Gaon Digital Chart da Coreia.

O músico gravou, também, a trilha sonora "Stay Alive” para o webtoon 7Fates: Chakho, do BTS. Em 2022,  participa do single "Left and Right”, do cantor e compositor americano Charlie Puth, que alcança o número 22 na Billboard Hot 100.

Nesse mesmo ano, torna-se no primeiro artista sul-coreano a lançar uma música oficial para a trilha sonora da Copa do Mundo da FIFA.

Em 2023, quebra vários recordes de streaming com o lançamento do seu single de estreia oficial como solista, "Seven”, com participação da rapper americana Latto.

Tal como o colega, há cinco anos, também recebeu o prémio da Ordem de Mérito Cultural Hwagwan da quinta classe, pelo ex-Presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in.

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