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Gagarine: “vamos lá” para o espaço

"Poékhali", disse o russo Yuri Gagarine, já com o coração fortemente acelerado, quando o foguetão que levava a Vostok 1 começou a descolagem.

12/04/2021  Última atualização 08H19
Cosmonauta Yuri Gagarine tornou-se um herói não só da União Soviética, como do mundo. © Fotografia por: DR
Por trás deste confiante "mbora lá" é impossível imaginar o que se estava a passar na cabeça do primeiro homem a ir ao espaço, faz agora 60 anos. Em terra, ou melhor, na Terra, ficavam a mulher Valentina e as filhas, Yelena e Galina, a mais pequena uma bebé com um mês. Cá em baixo, a olhar para o céu onde o filho se aventurava, também Alexey, o pai, e Anna, a mãe, ambos trabalhadores num kolkhoze, uma quinta colectiva, assim como milhões de cidadãos da União Soviética, fascinados com o feito científico do país.
O voo de Gagarine durou menos de duas horas. O piloto de caças de 27 anos pôde observar a 250 quilómetros de altitude o azul do planeta à medida que a Vostok 1 percorria quase uma diagonal através do oceano Pacífico, depois outra quase diagonal da Antártida até à União Soviética, cruzando o Atlântico e África. A partida foi de uma base de lançamento de mísseis no Cazaquistão, depois baptizada Baikonur, e o ponto de chegada acabou por ser também em território dessa república da Ásia Central, independente desde 1991, quando a União Soviética se desagregou.

O ano de 1961 foi em plena Guerra Fria e, em 1962, o mundo chegou mesmo a estar à beira de um conflito nuclear por causa dos mísseis em Cuba. Mas a popularidade de Gagarine ultrapassava as diferenças ideológicas da época e o cosmonauta viajou pelo mundo, da Inglaterra ao Brasil e ao Sri Lanka. Louro e sorridente, Gagarine fazia especial sucesso entre as mulheres. O 1,57 m que lhe dera vantagem na selecção para o cubículo que era a Vostok 1 não parecia ser nas aparições públicas uma desvantagem.

Herói da União Soviética e condecorado com a Ordem de Lenine por Nikita Khrushchev, o cosmonauta tinha tudo para se tornar um símbolo, pois além da personalidade forte, que o levou desde jovem a querer pilotar aviões, possuía as origens certas do ponto de vista do regime comunista: o pai era carpinteiro. Assim, dos 154 pilotos selecionados, passou-se a 29, depois 20 e desses a três. Quase só no último momento, o russo nascido em Klushino, perto de Ghzatsk (a actual Gagarine), soube ser a escolha para se tornar o primeiro humano no espaço. Antes, cães e macacos já ti-nham sido usados pelos cientistas russos para estudar a reacção do organismo à velocidade e à ausência de gravidade e havia grande confiança no sucesso da missão.

Boris Volynov, hoje com 86 anos, foi um dos pioneiros da aventura espacial soviética. Há dias, numa edição especial da revista Russkiy Kosmos, falou do seu amigo Gagarine, que trata carinhosamente por Yura: "Nós nascemos no mes-mo ano, fomos ambos filhos da guerra. Tínhamos 7 anos, quando começou a Grande Guerra Patriótica. Yura encontrava-se nos territórios ocupados e via a crueldade dos fascistas: como eles queimavam casas e matavam civis. Mesmo assim, ele continuou a ser uma pessoa muito hu-mana. Foi sociável, conseguia manter qualquer discussão e, o que é importante, sentia a disposição das pessoas. Lembro-me como uma vez estávamos a voltar de Moscovo, depois do treino na centrifugadora. Todos cansados. É bem compreensível, tínhamos sido girados com força enorme. O ambiente no autocarro estava pesado. E, de repente, Yura começou a contar piadas, fazer brincadeiras, sacudindo a malta."

Regressado do espaço, prossegue Volynov, Gagarine manteve a humildade de sempre: "Yura falava muito e com grande emoção sobre o voo dele. E, naturalmente, participava no treino dos cosmonautas e nas discussões sobre os programas de voos espaciais. Sempre conseguia encontrar oportunidades para falar de coração para coração. Enquanto o meu primeiro voo continuava a ser adiado, durante anos e já me era difícil ser apenas substituto, ele dizia: "As tarefas tornam-se mais complexas com cada voo. Para ti, está planeada uma experiência muito mais difícil do que aquelas que se realizaram até agora." E foi assim."
Volynov foi ao espaço por duas vezes, na Soyuz 5 (1969) e na Soyuz 21 (1976), contabilizando no total 57 dias em órbita. Na primeira das missões, participou na primeira acoplagem de duas naves.

A infância difícil de Gagarine, por causa da invasão nazi, contada pelo antigo camarada, não o impediu de se revelar um estudante promissor no pós-Segunda Guerra Mundial e, ao mesmo tempo que se formava como fundidor, começou a frequentar uma escola de pilotos, com o passo seguinte a ser a entrada para a força aérea, alcançando a patente de tenente em 1957. Apesar de trabalhadora num kolkhoze, a mãe tinha uma paixão por livros e incutiu no mais novo dos três filhos (havia também uma filha) o gosto pela leitura, o que explica muito da personalidade do cosmonauta, o qual chegou a ser membro do Soviete Supremo.

  MEDIDA DE PROTECÇÃO
Astronauta foi proibido de voar


O mundo rendeu-se ao feito de Gagarine a 12 de Abril de 1961. Ultrapassada, a América reagiria e, três semanas depois, o astronauta Alan Shepard (Cosmos v Astro, até na designação dos viajantes do espaço a competição entre comunismo e capitalismo se fazia sentir) faz o seu voo. A corrida espacial, iniciada em 1957, com o lançamento, pelos soviéticos, do satélite Sputnik, prosseguia e Kennedy prometia pôr um americano na Lua antes do final da década. Mas quando Neil Armstrong, em Julho de 1969, pisa finalmente solo lunar, já Gagarine não estava vivo para ver.

Depois de quase ter sido proibido de voar, protegido como um herói que não podia correr riscos, o cosmonauta morre a bordo de um Mig-15 a 27 de Março de 1968. Aquando do meio centenário da sua ida ao espaço, em 2011, arquivos secretos foram abertos e deram a conhecer que o avião se despenhara depois de um desvio para evitar uma sonda atmosférica.
A Rússia emitiu medalhas a celebrar estes 60 anos do feito de Gagarine. E são inúmeras as cerimónias por todo o país.

"Para qualquer russo Gagarine representa o espaço. Aliás, o sorriso de Gagarine é um cartão-de-visita da Rússia", diz ao DN Sergei Zalyotin, que foi duas vezes ao espaço (2000 e 2002) e lá permaneceu 83 dias. Sobre Gagarine como inspirador do seu sonho de ser cosmonauta, o russo, nascido em 1962, um ano depois do voo pioneiro, explica que, "como disse Neil Armstrong, Gagarine chamou-nos a todos para o espaço. Talvez, seja mesmo assim. Quanto a mim, cheguei a pensar que o que fez Gagarine e os outros cosmonautas era algo inatingível. Mas, à medida que ficava mais envolvido nestes processos, comecei a perceber que talvez eu próprio também pudesse. No início, não tinha certeza, que, tal como Gagarine, poderia um dia voar para o espaço".

Também o presidente Vladimir Putin sabe bem do valor simbólico de Gagarine numa altura em que se fala de nova corrida ao espaço, agora com os chineses a participarem com os seus taikonautas. Mas o espaço pode ser igualmente terreno de cooperação, depois os Estados Unidos homenageiam agora o pequeno grande russo, com um astronauta americano a juntar-se a dois cosmonautas russos no foguetão que sexta-feira partiu e destinado a assinalar os 60 anos da Vostok 1.

  60º Aniversário do primeiro voo de um homem para o espaço
A Terra é azul!


O mundo comemora hoje uma das datas mais importantes na história da ciência – o 60º aniversário do primeiro voo de um homem para o espaço. Este foi o primeiro grande marco na Corrida Espacial, protagonizada entre a União Soviética e os Estados Unidos, que batalhavam para ver quem conquistava o espaço primeiro. Hoje em dia, não podemos imaginar a vida sem as vantagens que nos dá o espaço. Sem dúvida o espaço é o futuro da humanidade, mas para pensar no futuro, vamos voltar para o passado.
Yuri Alekseievitch Gagarine nasceu em uma fazenda colectiva, localizada em Klushino, distrito de Gjatski, hoje Gagarine, na Rússia, no dia 9 de Março de 1934.

Filho de um carpinteiro, ele era o terceiro de quatro irmãos. Durante a ocupação nazista, seus dois irmãos mais velhos foram levados para trabalhar em um campo de concentração.
Yuri Gagarine ingressou no curso técnico de moldador. Nessa mesma época, realizou um estágio em uma metalúrgica como fundidor.
Interessado em aviação, filiou-se ao aeroclube local onde aprendeu a pilotar aviões leves.
Em 1955, após terminar o curso técnico, ingressou na Escola de Pilotos de Orenburg, onde recebeu treinamento para pilotar aviões militares.

Logo depois de formado, foi mandado para a Base Aérea de Luostari, em Oblast de Murmansk. No dia 05 de Novembro de 1957, Yuri conquistou a patente de tenente e, um ano depois, recebeu a patente de tenente sênior da Força Aérea Soviética.
Em 1960, Yuri Gagarine foi seleccionado para fazer parte do Programa Espacial Soviético.
No dia 12 de Abril de 1961, Yuri Gagarine, cosmonauta soviético, então com 27 anos de idade, tornou-se o primeiro homem a ser lançado ao espaço. A nave "Vostok 1” (Oriente 1) parecia bastante pequena, tinha 4,4, metros de comprimento, 2,4 metros de diâmetro e pesava 4 725 quilos. Haviam dois módulos, sendo um para acomodar os equipamentos e tanque de combustível, enquanto o outro era a cápsula onde o cosmonauta ficava.

Gagarine disputou a vaga histórica com outros pilotos previamente seleccionados após testes físicos e psicológicos e foi escolhido por conta do seu excelente desempenho durante o treinamento. Mas a sua personalidade cativante e características físicas "compactas", ele pesava somente 69 kg, também foi diferencial considerado na hora da selecção.
Antes de embarcar, Gagarine declarou: "Em poucos minutos, possivelmente uma nave espacial irá levar-me para o espaço. O que posso dizer sobre estes últimos minutos? Toda a minha vida parece condensar-se neste momento único e lindo. Tudo o que eu fiz e vivi foi para isso!"

A nave foi lançada do centro espacial "Baikonur”. A "Vostok 1” fez a volta em torno da Terra em 1 hora e 48 minutos a uma altura de 315 km a partir da superfície, em uma velocidade de 28 mil km/h. Ao ver a Terra do espaço, Gagarine pronunciou uma frase que ficou para a história: "A Terra é azul! Como é maravilhosa. Ela é incrível”Estas palavras mudaram a nossa percepção do planeta em que vivemos.

Fotografias da Terra tiradas do espaço podiam ser vistas em jornais e em escritórios de cientistas, e em telas de televisão. Graças a isso, todos entenderam o quão solitária a Terra é neste espaço negro. Como o nosso mundo é frágil. Todos realmente perceberam os limites da Terra, compreenderam que existem limites para o nosso desenvolvimento, limites para o crescimento.
O cosmonauta manteve-se em contacto com a Terra usando diferentes canais via telefone e telégrafo. Já na hora de voltar ao planeta, os cientistas soviéticos acabaram errando o cálculo da trajectória de aterragem da nave, fazendo com que Gagarine retornasse à Terra caindo no Cazaquistão – a mais de 320 km do local da decolagem. E foi, a partir deste momento, que a humanidade entrava na Era Espacial.

O cosmonauta jovem retornou à Terra como herói da União Soviética, pelo seu feito histórico recebeu a medalha da Ordem de Lenin e a patente de major. Com status de celebridade global ele começou a sua "viagem da paz” pelo mundo promovendo a tecnologia espacial da sua nação.
Depois do seu voo famoso, Yuri Gagarine passou a trabalhar com os outros cosmonautas nos seus treinamentos, fornecendo a sua experiência. Depois foi transferido para o centro de testes de aeronaves.
Yuri Gagarine faleceu em Kirjatch, Rússia, a 27 de Março de 1968 durante o voo de treino. Enquanto pilotava um MIG-15, sofreu um acidente fatal e morreu junto com o seu instrutor Vladimir Seryogin.

Hoje em dia, olhando para o céu noturno lembramo-nos do primeiro homem no espaço. O seu voo abriu uma nova página na história da ciência mundial, despertando inspiração e criatividade das novas gerações. Após a morte de Gagarine uma das maiores crateras da Lua, localizada na sua face oposta, foi chamada de "Cratera Gagarine”. O nome de Yuri Gagarine também têm a rocha descoberta em Marte e a medalha de ouro da Federação Aeronáutica Internacional "Medalha de Ouro Yuri Gagarine”. Para celebrar a maior conquista espacial na história no dia 12 de Abril na Rússia comemora-se assim a chamada "A noite de Yuri”.

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