Opinião

G20: as rotas da multipolaridade

A reunião de líderes do G20 foi uma grande vitória da Índia. Ter conseguido fazer aprovar os parágrafos sobre a guerra da Ucrânia na declaração final, mostrou uma excelente diplomacia e, sobretudo, um peso que impõe respeito.

17/09/2023  Última atualização 09H31

Ninguém quer contrariar Nova Deli. Esta guerra é apontada no texto como causa de muito sofrimento ucraniano e empobrecimento económico mundial, sem ser necessário mencionar a Rússia. A reunião não terminou sem declaração final e o G20 prossegue como principal assembleia económica mundial.

Mas a Índia ganhou ainda noutro plano. Uma nova "rota” é anunciada, integrando pesos pesados e começa precisamente na Índia. Segue pela Ásia Ocidental, Mediterrâneo, União Europeia e Estados Unidos. Na Ásia Ocidental, entra no acordo a importante Arábia Saudita, ficando o aviso de que dois não-G20 (Jordânia e Israel) serão convocados à selecção. É obviamente uma resposta ao projecto chinês de "Rota e Cintura”. Nenhuma das duas é apenas rota no sentido de transportes,  ambas  compreendem intenções de infra-estruturas, centros de energia, inovação tecnológica e, inevitavelmente, agroalimentar. Investimentos monumentais e algo por vezes designado como "projectos eternos”.

Na prática, traduzem eixos centrais da multipolaridade. Estabelecem não apenas poderes político-militares, mas, sobretudo, as vertentes da capacidade financeira e da acelerada inovação científica e tecnológica. A viagem de Joe Biden a Hanói confirmou esta configuração. Os norte-americanos passam ao nível de "parceiro estratégico” dos vietnamitas e os investimentos previstos por empresas dos EUA abrem largo espaço à produção de semicondutores. A "rota” anunciada em Nova Deli pode estender-se para o conjunto da ASEAN, até porque Hanói, mantendo relações diplomáticas com Pequim, apresenta frequentes queixas de violações das águas territoriais por navios chineses, resultantes das divergências sobre delimitações no Mar da China.

Para já, a multipolaridade está a três no patamar superior: Estados Unidos, China e Rússia, esta por motivos militares, pois a sua economia é frágil, elemento histórico que vem do tempo da monarquia e destruiu a URSS. Conforme termine (ou se prolongue) a guerra da Ucrânia, a Rússia pode deixar de ser pólo autónomo, dependendo cada vez mais da China. No segundo patamar desta multipolaridade estão, actualmente, a União Europeia e a Índia.

Mas há um vazio na formatação das "rotas”: América latina, Caribe e África. O preenchimento deste vazio, não com discursos ou promessas, mas articulações efectivas, criaria um novo pólo, diversificando a multipolaridade, sobretudo no caso de mais aproximação com a Índia e Indonésia.

O Brasil assumirá a presidência do G20, na sequência das óptimas presidências destes dois asiáticos. Não pode ficar abaixo. Possui duas armas de grande alcance – é uma das maiores potências agroalimentares do mundo e tem recursos humanos para uma política arrojada de inovação. Tal como a Índia impõe respeito mundial pela sua dimensão e avanços que a levaram até à Lua, o papel internacional e o valor de iniciativas do Brasil decorrerão dos seus desempenhos internos. A dimensão já tem.

O mundo volta, portanto, ao estabelecimento de rotas como factor central de relevância, mas, agora, não é só por mar, nem as rotas significam apenas vias de transporte.

 

Jonuel Gonçalves- Professor, escritor e investigador

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