Opinião

Fuga à paternidade

Bernardino Manje

Jornalista

Paternidade é um conceito que vem do latim “paternĭtas” e que diz respeito à condição de ser pai. Isto significa que o homem que tenha tido um filho acede à paternidade. A ele cabem direitos e deveres.

17/09/2023  Última atualização 09H30

A fuga à paternidade é a negação ou rejeição de assumir as suas responsabilidades paternais ou maternais em relação aos filhos nascidos.

Trata-se de um problema que se vive em muitas partes do mundo, pelo que o nosso país não está isento. Quantas vezes não ouvimos que o fulano ou o sicrano não assumiu a gravidez da beltrana? Rejeitar a gravidez é, também, um exemplo de fuga à paternidade. Mas existem outros casos, como o de  não registar ou deixar de prestar alimentos ao filho.

A lei angolana vai mais longe, ao obrigar o pai que não coabita com a mãe do filho a prestar alimentos àquela, ainda que o filho seja um nascituro (ente gerado mas que ainda não nasceu), como refere o artigo 264° do Código da Família.

Portanto, não colhe uma eventual justificação segundo a qual o pai não presta assistência porque não reside com o filho ou que este ainda não nasceu. E quando nascido, não deve haver distinção entre os filhos nascidos do casamento e os chamados bastardos. Até porque os filhos são iguais perante a lei, têm os mesmos direitos à educação, alimento, vestuário, protecção, registo, entre outros, como estabelecem os nºs 5 e 6 do artigo 35° da Constituição da República de Angola, em conjugação com os artigos 120°, 127°, 128° e 131° do Código da Família.

A principal causa da fuga à paternidade em Angola é a perda de valores morais, éticos, culturais e sociais por parte de certos progenitores, em que se destaca a infidelidade conjugal. Mas existem também outros motivos, como o desemprego e a falta de condições financeiras. De facto, um desempregado ou alguém desprovido de recursos financeiros não tem condições de prestar alimentos ao filho.

Mas é inegável que esta falta de assistência provoca graves consequência. A falta do principal elemento da família, no caso o pai, causa à criança um desvio de conduta, criando nela um sentimento de rejeição por todos que a rodeiam. Além disso, provoca-lhe traumas e reduz-lhe a auto-estima, deixando-a vulnerável a várias situações.

Na redação deste jornal, foi motivo de bastantes comentários à informação avançada, na semana finda, pelo director do Instituto Nacional da Criança (INAC), segundo a qual os casos de fuga à paternidade estão a aumentar consideravelmente e que os professores, jornalistas e pastores lideram a lista, ultrapassando efectivos das Forças Armadas Angolanas (FAA) e da Polícia Nacional (PN), que lideravam entre os anos 2021 e 2022.

Custa-nos acreditar na revelação feita por Paulo Kalesi, sobretudo no que aos jornalistas diz respeito, porque, ainda que haja por aí alguns que fujam à paternidade, estes profissionais são, de longe, inferiores, em termos numéricos, comparados aos milhares de militares e polícias no país. Entretanto, o director do INAC esclareceu que o número de efectivos das Forças Armadas e Polícia implicados em casos de fuga à paternidade tem vindo a reduzir consideravelmente, devido a um grande trabalho de sensibilização promovido pela instituição que dirige, em parceria com as FAA e a PN, o que fez que com que professores, jornalistas, taxistas e pastores passassem a liderar a lista, embora não tenha avançado o número.

Ficamos envergonhados e até certo ponto perplexos por sabermos que um bom número de colegas nossos, professores e até pastores – tidos como uma espécie de reserva moral da sociedade, pelo papel que é suposto desempenharem – andam a fugir das suas responsabilidades como pais.

Por isso, talvez seja preciso fazer o mesmo trabalho de sensibilização que o INAC fez às unidades militares agora junto de escolas, órgãos de comunicação social e igrejas, no sentido de se inverter o quadro. O mesmo trabalho seria extensivo às diferentes associações de taxistas, pois, segundo o INAC, estes também estão na lista dos que mais fogem à paternidade.

A campanha de sensibilização não invalida, entretanto, eventuais acções criminais contra autores de práticas reiteradas de fuga à paternidade que, no ordenamento jurídico angolano, é tipificado como um crime de violência doméstica.

A alínea f) do artigo 3º da Lei n° 25/11, de 14 de Julho (Lei contra a Violência Doméstica), considera a fuga à paternidade como "abandono familiar”. Neste tipo de crime podem estar incluídos a falta reiterada de prestação de alimentos, educação, vestuário, registo civil, protecção e saúde à criança, bem como a assistência à mulher grávida.

De acordo com a mesma Lei, a fuga à paternidade é punida com uma pena que vai de dois a oito de prisão maior, sem prejuízo da aplicação de uma indemnização ao filho ou à mulher grávida.

É verdade que, em algumas situações, não estamos preparados para ter filhos, mas existem vários métodos anticoncepcionais. Se os ignoramos, temos de arcar com as nossas responsabilidades e cumprir as nossas obrigações. A Lei e sobretudo a moral obrigam-nos a isso.

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